DINHEIRO ? As reformas tributária e da Previdência têm sido alvo de críticas veementes dos empresários. O sr. concorda com elas?
MICHEL KLEIN ? Tenho concentrado minhas preocupações em outra questão. Para mim, o que mais prejudica o comércio é a taxa de desemprego. Principalmente no caso das camadas de renda mais baixa, onde três ou quatro pessoas ajudam a compor a renda familiar. Por isso, acredito que a criação de novos postos de trabalho é o principal desafio a ser encarado pelo governo. O desemprego acaba amarrando o comércio e o consumo em baixa prejudica a economia.

DINHEIRO ? Houve um erro estratégico ao se priorizar as reformas e não a questão do emprego?
KLEIN ? Creio que os efeitos das reformas só vão ser sentidos a médio prazo. Acredito, no entanto, que ao perceber que há um compromisso com a estabilidade nas regras do jogo, o setor produtivo se sentirá mais tranqüilo e terá mais confiança para retomar os investimentos até mesmo dentro de um horizonte de longo prazo. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva está no caminho certo e está adotando as medidas necessárias.

DINHEIRO ? Pelo que foi feito até agora, que nota o sr. daria ao desempenho do presidente Lula?
KLEIN ? Estou percebendo que, assim como eu, mais pessoas estão ficando entusiasmadas com esse governo. Hoje, vemos que o presidente Lula tem um índice de aprovação maior do que na época em que foi eleito. Reconheço que ele fez o máximo que poderia ter sido feito até agora. Por isso, acho que ele merece nota 10.

DINHEIRO ? O sr. compartilha esta nota com toda a
equipe econômica?
KLEIN ? Para o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, eu não daria uma nota igual à do presidente. As empresas brasileiras têm a maior carga de juros reais do mundo. Por isso, acho que ele merece, no máximo, a nota sete. Ele tem lá seus motivos para manter a taxa em um patamar tão elevado. Mesmo considerando as dificuldades do primeiro quadrimestre, quando havia a ameaça da volta da inflação, creio que já poderíamos estar convivendo com juros entre 15% e 18%. E com tendência de baixa…

DINHEIRO ? Mas isso não prejudicaria a entrada de recursos estrangeiros no País?
KLEIN ? O investidor estrangeiro está vendo que tem segurança
de retorno para suas aplicações. Outro dado positivo é que o risco Brasil é um dos mais baixos dos últimos anos. Como empresário do varejo acho que a política está muito conservadora. Até porque, mesmo que houvesse uma brusca redução das taxas não haveria um boom de consumo. Isso porque muitos trabalhadores ainda temem perder o emprego. Por vias tortas, o temor do desemprego ajudaria a segurar a inflação.

DINHEIRO ? E qual a sua avaliação do trabalho do ministro Antônio Palocci?
KLEIN ? A surpresa foi positiva. Ele tinha uma experiência administrativa limitada a Ribeirão Preto (SP), que é muito pouco diante da responsabilidade de comandar a economia de um país como o Brasil.
Ele está fazendo um bom trabalho e
por isso eu darei uma nota intermediária entre Lula e Meirelles: 8,5.

DINHEIRO ? A Casas Bahia vai crescer 19% em plena crise. Como se consegue isso em um ambiente recessivo?
KLEIN ? Um dos fatores que explicam nosso sucesso é que reinvestimos integralmente nosso lucro. Dos R$ 50 milhões apurados em 2002, estamos direcionando R$ 30 milhões para financiar o crediário. O restante está sendo usado na abertura de 25 novas lojas. Com recursos próprios garantimos a competitividade frente à concorrência, podendo bancar promoções agressivas como a venda com juros menores ou até mesmo em 10 parcelas sem acréscimo, por exemplo. Além disso, quando o varejo, de um modo geral, vai mal, muitos comerciantes de médio e pequeno portes tendem a deixar o setor. Com isso, cresce a oferta de bons pontos comerciais, principalmente em bairros populares os quais, em condições normais, ninguém pensaria em abrir mão.

 

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“Para Lula, dou nota 10. Mas, pelos juros, o Meirelles merece, no máximo, sete”

 

DINHEIRO ? Sua estratégia de expansão também inclui
controlar rivais como o Ponto Frio, a Marabraz ou o
Magazine Luiza, por exemplo?
KLEIN ? Não temos interesse em aquisições desse porte.
Nossa experiência mostra que o crescimento orgânico, através de lojas em pontos selecionados, permite um aproveitamento financeiro maior. A compra de uma rede traz problemas como a duplicidade de lojas em vários mercados, além de unidades com tamanho inferior às nossas necessidades.

DINHEIRO ? Mas o sr. comprou, há alguns anos, a Casas Garson, no Rio de Janeiro, e mais recentemente a Rede Spirandelli e a Casas Mourão, em Goiás e Brasília.
KLEIN ? Naquela época havia uma concorrência muito acirrada e não seria vantajoso, do ponto de vista financeiro, abrir uma ou duas lojas nesses mercados. Então, tratamos de aproveitar as oportunidades que surgiram pelo caminho.

DINHEIRO Redes estrangeiras como JC Penney e Zara têm atuação tímida por aqui. Por que não decolaram no Brasil?
KLEIN ? Apesar de terem uma trajetória de sucesso em seus países de origem, elas cometeram alguns erros por aqui. O principal deles foi querer implantar um modelo idêntico ao que dá certo lá fora. Eles também não tiveram jogo de cintura para se adaptar às peculiaridades do consumidor brasileiro. De nada adianta competência e muito dinheiro se não tiver profissionais locais à frente do negócio.

DINHEIRO ? Que peculiaridades são essas?
KLEIN ? Aqui, o consumidor vai até a loja, compra um produto e cabe ao comerciante entregar e montar a mercadoria. Esse tipo de mordomia só existe no Brasil. Na Europa e nos Estados Unidos é diferente. Lá, o relacionamento acaba na hora em que o consumidor assina o cheque. A mercadoria deve ser retirada pelo comprador e cabe a ele montá-la, dentro do espírito ?faça você mesmo?.

DINHEIRO ? E como o sr. avalia o fracasso de redes brasileiras como G. Aronson e Casa Centro, que saíram de cena nos últimos anos?
KLEIN ? As empresas que ficaram pelo meio do caminho tiveram problemas administrativos e financeiros. Outras apostaram em fórmulas muito ousadas como a venda em longuíssimo prazo, contrariando a lógica do mercado. Muitos também pecaram no relacionamento com o consumidor. Não fizeram um trabalho de fidelização da marca.

DINHEIRO ? A Casas Bahia tem seu foco nas classes C, D e E. Os integrantes dessas camadas são, de fato, bons pagadores?
KLEIN ? As pessoas mais humildes têm muito mais amor pelo nome que o pessoal da classe média ou a fatia mais rica da população. Nossa tecnologia de concessão de crédito é bem-sucedida porque analisamos a necessidade de cada cliente e não apenas o valor da mercadoria que ele pretende comprar. Se dois clientes com as mesmas características de renda entram na loja ? um deles para comprar um celular ou um DVD e outro para adquirir um dormitório ? é mais fácil darmos crédito para quem compra um móvel ou outro artigo de primeira necessidade como fogão e geladeira…

 

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“Só dinheiro não adianta. Para estrangeiros, como a JC Penney, faltou jogo de cintura”

 

DINHEIRO ? E qual a lógica desse processo?
KLEIN ? Nós dispensamos a comprovação de renda para itens que custam até R$ 600. Contudo, para comprar equipamentos, digamos, supérfluos como telefone celular ou um DVD, é preciso que o cliente tenha um histórico de comprometimento de renda e também uma longa ficha cadastral conosco. Não temos esse tipo de exigência no caso do móvel. Primeiro porque checamos o endereço na hora da entrega e depois quando enviamos um montador à residência dele. Não estou dizendo que o processo é infalível. Porém, se houver problemas sabemos onde ir cobrar.

DINHEIRO ? Essa política agressiva se reflete em um
nível maior de inadimplência?
KLEIN ? Nos últimos anos, a taxa tem ficado, na média, em 8,5%. Ela é mais baixa (4%) no caso de móveis e estofados, que representam um terço de nosso faturamento. Com relação a produtos eletroeletrônicos e de telefonia, o patamar está em torno de 10%. O mercado, no geral, trabalha com uma taxa ao redor de 7%. Como você pode ver, não convivemos com uma diferença exorbitante em relação aos concorrentes.

DINHEIRO ? Ainda falando em crédito, quanto é que sua empresa tem em caixa para financiar as vendas até o final do ano?
KLEIN ? Temos R$ 30 milhões em caixa, além de linhas de crédito junto aos bancos que somam R$ 250 milhões. Esses recursos são suficientes para responder à demanda por financiamentos e também adquirir novas mercadorias.

DINHEIRO ? O sr. tem algum modelo de executivo ou
uma espécie de guru?
KLEIN ? Meu guru é Samuel Klein, meu pai. Ele é um exemplo a ser seguido não apenas como empresário mas também como cidadão. Ele foi o primeiro a se preocupar em dar cidadania aos trabalhadores do segmento informal, através da concessão de crédito. Além disso, nesses 50 anos ele construiu uma empresa sólida que soube acompanhar a evolução do mercado e se modernizar.

DINHEIRO ? Como a família Klein está lidando com a sucessão? Seu principal concorrente, o Ponto Frio, por exemplo, tem ações em bolsas. A Casas Bahia pensa em abrir o capital?
KLEIN ? Isso não faz parte de nossos planos. A abertura do capital é eficiente quando se deseja obter recursos a baixo custo. Não é o nosso caso. Dispomos de dinheiro em caixa suficiente para bancar nossa expansão e também temos crédito farto na praça…

DINHEIRO ? E quanto à sucessão. Esse processo já está definido?
KLEIN ? Eu e meu irmão Saul trabalhamos na empresa há 34 anos. E a transição vem sendo feita a cada dia. É claro que esperamos que meu pai cumpra a promessa de viver 120 anos, sem desconto, como ele faz questão de frisar. Hoje, as decisões do dia-a-dia são tomadas por nós seguindo, é claro, as diretrizes formuladas por ele. A perpetuação da empresa vai ser garantida pelos netos e bisnetos.