DINHEIRO – A Embraer demitiu mais de quatro mil trabalhadores há duas semanas sem conversar com o governo ou negociar com os sindicados. Isso surpreendeu a CUT?
ARTUR HENRIQUEFazia algumas semanas que circulavam rumores de cortes na Embraer. Falavam em três mil demissões por conta da suspensão dos pedidos de aviões. Eles já estavam começando a preparar o espírito da moçada para os cortes. Mas tudo ainda sem nenhuma confirmação. O nosso sindicato lá, o Sindiaeroespacial, estava tentando se reunir com diretores da empresa. Criamos um conselho com representantes de bancos estatais e do BNDES para discutir o assunto. Mas os cortes, realmente, não foram negociados. Um absurdo!

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DINHEIRO – Mas a Embraer é uma empresa privada e não precisa, legalmente, avisar que vai demitir.
HENRIQUE – Realmente a empresa não precisa avisar que vai demitir, infelizmente. A questão é moral. Uma parte da produção da Embraer é voltada ao mercado interno, com vendas para o próprio governo. Ao demitir, o presidente da Embraer alegou que contratou, no ano passado, dez mil empregados. Mas a empresa tinha no ano passado a perspectiva de entregar 194 aviões, entregou 205. Ela fechou o ano passado com lucro e diz que este ano tem uma expectativa de redução da margem, não prejuízo. Além disso, as demissões são uma clara demonstração de incompetência administrativa. Uma empresa que recebe dinheiro do governo, que tem relações com o governo e depende do governo porque os empréstimos são subsidiados, não pode dispensar sem sequer nos avisar.

DINHEIRO – Que tipo de proposta a Embraer poderia fazer?
HENRIQUE No mínimo, a decisão deveria ter sido negociada com as entidades sindicais. Não houve proposta de férias coletivas, de redução de jornada. Nada, nada. Na nossa opinião, esse foi o maior problema. Não conversou com os sindicatos e ignorou o governo ao demitir 20% dos trabalhadores.

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DINHEIRO – A CUT não vai reagir?
HENRIQUEJá estamos reagindo. Temos feito manifestações, entramos com uma ação na Justiça porque a empresa não cumpriu esse rito de negociações, estamos organizando outras manifestações, inclusive na porta da empresa. As ações políticas e jurídicas serão casadas. Afinal, são mais de quatro mil famílias em dificuldades.

DINHEIRO – Há risco de uma greve?
HENRIQUEÉ difícil fazer uma greve depois de quatro mil demissões. A mobilização é complicada porque os que ficaram têm medo de perder o emprego. Estamos exigindo que a Embraer comprove sua dificuldade, além de mostrar o que fez com o dinheiro que ganhou em 2008. O empresariado parece que esquece dos recordes de lucro. O que fizeram com aquela montanha de dinheiro? Compraram terreno, iate, casa em Angra dos Reis ou dividiram em bônus com os executivos?

DINHEIRO – Mas a Vale fez o mesmo que a Embraer e não houve reação.
HENRIQUE O presidente da Vale, Roger Agnelli, é um oportunista. A empresa que ele comanda teve mais de R$ 20 bilhões de lucro no ano passado. Vários setores estão se utilizando da crise para fazer ajustes nas empresas. Qualquer empresário pode justificar demissões, mas não tem desculpa uma empresa que teve o maior lucro da história. Administrar assim é fácil. No primeiro contrato suspenso, manda embora. Assim, até eu administro.

DINHEIRO – O presidente Lula, que sempre citou a Embraer com orgulho, disse que não sabia das demissões, mas também não pediu para rever a decisão nem ameaçou cortar empréstimos.
HENRIQUE O governo não tem que aceitar ou não aceitar. O papel do governo é governar. Mas, sem dúvida, houve uma mudança de postura do governo de uns tempos para cá. A gota d’água foi quando nos reunimos com o governo para propor que os incentivos tivessem contrapartidas e no dia seguinte foram anunciados o ajuste na tabela do Imposto de Renda e a redução do IPI sem nenhuma exigência. Começamos a criticar o governo. Meu Deus! Já fizemos isso na época da Dorothea Werneck, com o Collor e em muitos outros governos.

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DINHEIRO – As negociações com as montadoras têm sido diferentes?
HENRIQUESim. O que não pode mais acontecer é como na Renault, que demitiu um monte de gente em dezembro e recontratou em janeiro. Isso é de uma estupidez administrativa sem tamanho. Se eu fizer isso na CUT, no outro dia sai nas primeiras páginas.

DINHEIRO – Por que estupidez? Demitir e recontratar custa caro?
HENRIQUE – Isso é lenda. Se fosse tão caro demitir não teria havido 15 milhões de demissões no ano passado. A demissão não custa caro, já está embutida nos preços de tudo. Em 2008, mais de 16,5 milhões de pessoas foram contratadas e 15 milhões perderam o emprego. Se fosse realmente caro, isso não teria acontecido. No Brasil, a rotatividade de mão de obra é muito alta. Em qualquer outro país do mundo, há regras para demitir. Só aqui que não. Demitir no Brasil é muito fácil. Quem diz o contrário, mente.

DINHEIRO – Mas essa sua proposta de dificultar as demissões vai na contramão das propostas de flexibilização, apoiada inclusive pela Força Sindical. As duas maiores centrais sindicais não se entendem?
HENRIQUE – Não estou propondo um enrijecimento das relações trabalhistas. O mercado de trabalho no Brasil é um dos mais flexíveis do mundo. Olhe os 15 milhões de demitidos em 2008. Como alguém pode dizer que o mercado é rígido, e com leis trabalhistas que custam caro, com 15 milhões de demitidos? Mentira! O empresário no Brasil tem liberdade para admitir e demitir da forma que bem entender, seja um, seja 20 ou cinco mil pessoas. Aqui é assim. Se não gostei da sua cara, um abraço. Está na rua!

DINHEIRO – Por que há tanta reclamação dos empresários? Eles combinam?
HENRIQUE – As maiores reclamações dos empresários são taxa de juros, burocracia e corrupção. O maior problema não é lei trabalhista. Agora, eles reclamam que há muito encargo. Outra mentira. Vai me dizer que INSS é encargo? Que Fundo de Garantia é encargo? Isso é lei trabalhista. Então eles querem acabar com a legislação trabalhista. Querem transformar isso aqui na China.

DINHEIRO – Mas nos EUA não é assim.
HENRIQUE – Os Estados Unidos não são padrão para nada. Nem para democracia. Adoraria que nos Estados Unidos tivesse uma previdência social igual a nossa. Lá, 30% dos americanos não têm acesso à saúde. Morrem na rua. Morrem de frio e por falta de comida. Ninguém mostra isso.

DINHEIRO – O presidente Lula parece ter aceitado fácil as demissões. Ele perdeu o discurso de sindicalista com o agravamento da crise internacional?
HENRIQUE – O presidente Lula é presidente. Apesar do histórico de sindicalista, tem outras funções, tarefas, responsabilidades políticas e compromissos. Mas o Lula chamou a empresa para conversar. A Embraer deixou o governo em situação complicada.

DINHEIRO – Ameaçar suspender os empréstimos não seria uma ajuda?
HENRIQUE – Isso é um problema. Se suspender os empréstimos do governo à empresa, pode-se causar mais quatro mil demissões, além das quatro mil que foram feitas. Então nosso problema hoje é fazer voltar as pessoas que saíram, e não prejudicar a empresa.

DINHEIRO – Qual a proposta da CUT?
HENRIQUE – Contrapartidas. Queremos que todo empréstimo, subsídio, todo benefício em favor de um determinado setor tenha contrapartidas de garantia de emprego.

DINHEIRO – O governo reduziu o IPI do setor automotivo sem contrapartidas. Por que exigiria da Embraer?
HENRIQUE – A CUT criticou a redução do IPI por isso. As medidas que o governo tem adotado para aliviar os impactos da crise estão no caminho certo, mas são muito insuficientes porque não se exige nada em troca. No fim de março haverá pressão das montadoras para a continuidade da redução do IPI. É hora de o governo chegar e dizer que prorroga só se tiver garantias de emprego.

DINHEIRO – Esse episódio gerou um desgaste nas relações da Embraer com o governo e mostrou que os sindicatos não têm tanto poder assim?
HENRIQUE – Não saberia dizer. O presidente se disse surpreso quando a empresa anunciou as demissões. A expressão que eu ouvi dele foi que estava indignado. E disse ainda que não entendia como uma empresa que foi capitalizada nos primeiros anos do governo dele com dinheiro do BNDES poderia fazer isso sem dialogar.

DINHEIRO – O Dia do Trabalho, em 1º de Maio, está chegando. Diante desse cenário de demissões em massa, as centrais sindicais vão comemorar o quê?
HENRIQUE – Temos muito a comemorar. Bolsa Família, aumento da renda. Mas a data não é apenas para fazer festa, é para reflexão. Temos que discutir o pós-crise. Não podemos deixar que os próprios capitalistas encontrem a fórmula do pós-crise. Eles querem voltar ao velho modelo falho.

DINHEIRO – Após a crise, a onda das privatizações deve perder força, não?
HENRIQUE – Agora todo mundo virou keynesiano. Há dez anos, ninguém queria ouvir falar na CUT. Éramos os dinossauros, os vermelhinhos, o povo que só fala não, os anti- FHC e blá-blá-blá. Agora, todo mundo depende do Estado. Está provado que o modelo de desregulamentação, privatização, de que o mercado cuida de si mesmo, não serve. Imagine o Brasil hoje sem a Petrobras, sem a Eletrobras, sem a Caixa, o Banco do Brasil, o BNDES. Era o que eles queriam. Não haveria hoje instrumentos de política econômica.