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“Trindade pôs a CVM no nível dos melhores fiscais de mercado do mundo”

 

 

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“Mais empresas abrirão capital em 2005. Vão usar a Bolsa para se financiar”

 

 

DINHEIRO ? Recentemente, os fundos de investimento registraram grandes perdas. A indústria está em crise? 

ALFREDO SETUBAL ? Foi um movimento sazonal. Vários fatores resultaram nessa fuga. Primeiro, a alta da taxa Selic provocou uma fuga dos fundos de renda fixa pré-fixados. Houve também a saída de recursos de empresas que resgatam o dinheiro nesta época para pagar 13º salário e tributos. Fora isso, há ainda a concorrência com a previdência privada e com os CDBs. Esse movimento não foi de varejo, foi de grandes investidores. Mas, de qualquer maneira, a indústria de fundos não irá mais crescer com taxas tão altas como no passado.

DINHEIRO ? Por que não?
SETÚBAL ? A conta investimento deve favorecer os CDBs frente à aplicação nos fundos de renda fixa. Antes de sua criação, os bancos praticamente não vendiam esse produto para pessoa física, porque, com a incidência da CPMF, a transação ficava inviável. Diferentemente dos fundos, a aplicação em um CDB de, por
exemplo, 120 dias, se encerra automaticamente neste prazo. Para renová-la, comprando outro CDB, o investidor tinha de pagar a CPMF. Agora, uma vez dentro da conta investimento, ele renova o CDB quantas vezes quiser sem pagar CPMF. Com isso, os CDBs poderão oferecer o mesmo rendimento líquido dos fundos de renda fixa e serão fortes concorrentes deles.

DINHEIRO ? Só isto já põe os CDBs em vantagem sobre os fundos?
SETÚBAL ? Há outra vantagem. Diferentemente dos fundos, principalmente os de longo prazo, os CDBs não sofrem com a variação diária das cotas, porque não têm o sistema chamado de marcação a mercado. Eles ficam com as taxas fixas até a data de vencimento, o que dá mais segurança para o investidor e acaba atraindo-o. Além disso, com a nova tributação dos fundos, os CDBs têm uma vantagem tributária. No curto prazo, a alíquota do Imposto de Renda que incide sobre eles é menor.

DINHEIRO ? A conta investimento é positiva para a indústria de fundos?
SETÚBAL ? Sim. Porém, a nova tributação que incentiva os investimentos de
longo prazo é um passo para trás neste quesito, porque quanto mais tempo o dinheiro fica aplicado no mesmo fundo menor a alíquota do Imposto de Renda.
Com isso, a tendência é de o investidor não mudar de um fundo para outro,
o que reduz as vantagens da conta investimento. E, mais uma vez, favorece as aplicações em CDBs, já que, no caso deles, a tributação independe do prazo de permanência no investimento.

DINHEIRO ? As perspectivas da indústria de fundos, então, são ruins?
SETÚBAL ? As mais novas medidas nesta área corrigiram distorções importantes. Por exemplo, pela primeira proposta de regulamentação, de setembro, só seriam considerados de longo prazo, com direito a benefício fiscal, fundos compostos por títulos com vencimento acima de 12 meses. Era um problema, porque, devido à marcação ao mercado (correção diária dos títulos), as cotas do fundo aumentam ou diminuem continuamente. Assim, em prazo tão longo, um fundo conservador passaria a ser um fundo de risco. Por isso, bancos chegaram a cancelar fundos de longo prazo. Com as novas regras (que consideram de longo prazo fundos com papéis a partir de seis meses), estas aplicações voltarão às prateleiras.

DINHEIRO ? A utilização da conta investimento ficou muito abaixo da expectativa do mercado. Ela ainda vai decolar?
SETÚBAL ? Os efeitos da conta investimento só devem aparecer a partir de março. Ela entrou em vigor em outubro, e ninguém entendeu como realmente o sistema funciona. As equipes dos bancos só passaram por treinamentos no final do ano. Os efeitos das mudanças tributárias também só serão registrados a partir de março.

 

DINHEIRO ? O que falta para a indústria de fundos brasileira decolar?
SETÚBAL ? A indústria de fundos já é grande no Brasil. É a oitava do mundo em ativos. Seu patrimônio é um terço do PIB. Por isso, precisa ser preservada. Nos últimos anos, nos preocupamos em fazer com que a indústria de fundos crescesse de forma organizada. O ano de 2004 foi marcado por várias mudanças. Primeiro, tivemos a alteração na legislação. Os fundos de renda fixa, que eram regulados pelo Banco Central, passaram ao controle da CVM, que já cuidava dos fundos de ações. Para o investidor, isto significa mais transparência. Outra novidade foi a inauguração da conta investimento. E, no final do ano, saiu a nova tabela tributária. Em termos de legislação praticamente não temos mais reivindicações.

DINHEIRO ? Mas, mesmo assim, a indústria de fundos reduzirá seu ritmo de crescimento?
SETÚBAL ? Se a tendência de crescimento econômico e diminuição do Risco País continuar, a indústria poderá amenizar as perdas provocadas pela concorrência com o CDB. Hoje, quando o investidor ?compra? o Risco País (adquirindo um título público), ele já tem uma rentabilidade satisfatória. Os juros da economia são elevados justamente para compensar o risco. Mas, com a redução do Risco País, os juros cairão também. E, para lucrar, o investidor terá que aceitar os riscos típicos do mercado financeiro, como na Bolsa e nos fundos de ações. Além disso, ele se dispõe a correr mais riscos financeiros porque não se sente mais tão ameaçado pelos riscos econômicos.

DINHEIRO ? Quais as conseqüências práticas disso?
SETÚBAL ? As aplicações mais sofisticadas, como os fundos multimercado
(que operam com variados ativos, como ações, derivativos ou câmbio),
tendem a crescer e aumentar sua participação na indústria de fundos,
compensando a fuga da renda fixa.

DINHEIRO ? Os fundos não podem aplicar em ativos internacionais. É uma limitação?
SETÚBAL ? Não. Os bancos podem fazer esse tipo de operação para os gestores. Então, quando o investidor quer um derivativo simulando o desempenho do petróleo ou da coroa sueca, por exemplo, o seu gestor procura um banco que possa fazer a operação para ele. Por meio da tesouraria internacional, o banco faz essas operações e repassa para o fundo. A demanda para esse tipo de investimento ainda é baixa. São poucos os gestores que têm capacidade de fazer essa operação e menor ainda o número de investidores interessados.

DINHEIRO ? Essa onda de gestores independentes veio para ficar?
SETÚBAL ? O número de gestores independentes aumentou em todo o mundo, não só no Brasil. O enxugamento do setor bancário mundial fez com que vários bons profissionais, principalmente aqueles ligados à tesouraria, montassem suas assets (gestoras de recursos). Agora, é claro, nem todas vão sobreviver. Mas do ponto de vista de segurança, elas estão em boa posição. Os investidores podem ter certeza de que as cotas dele estarão lá.

DINHEIRO ? A aplicação em fundos está mais segura hoje?
SETÚBAL ? A legislação está mais moderna. O Marcelo Trindade (presidente da CVM) tem feito um trabalho muito bom. O modelo de fiscalização e normas da CVM segue hoje os padrões dos melhores órgãos internacionais de fiscalização do mercado. A Anbid também atua na fiscalização. Verificamos se o gestor segue o que foi determinado no prospecto do fundo. Os espaços para falhas na gestão são pequenos. Nos últimos quatro anos, a indústria passou por uma revolução de qualidade.

DINHEIRO ? O Brasil tem grandes investidores pessoa física?
SETÚBAL ? Tem sim. Nos últimos anos, tradicionais famílias venderam os seus negócios. O dinheiro foi para o mercado financeiro. E elas agora buscam produtos mais sofisticados, de longo prazo. Há ainda os grandes executivos. À medida que as empresas se profissionalizaram nos últimos anos, os salários dos executivos aumentaram muito.

DINHEIRO ? A área de fusão e aquisição dos bancos de investimento ficou aquecida em 2004. O que o sr. prevê para este ano?
SETÚBAL ? Acredito que vamos ver nos próximos anos, se não tiver nenhuma turbulência, um novo boom de empresas estrangeiras comprando empresas brasileiras. E mais: algumas companhias nacionais comprando outras nacionais e ainda companhias brasileiras adquirindo estrangeiras. Temos conglomerados industriais nacionais com potencial para se expandir para o exterior por meio de compras.

DINHEIRO ? Com que cenário macroeconômico o sr. trabalha?
SETÚBAL ? Ainda acredito que o Brasil pode manter os patamares de crescimento entre 3% e 4% nos próximos anos. Se olharmos os aspectos sociais do Brasil, precisaríamos de taxas mínimas de 7% de crescimento, mas isso não se sustentaria.

DINHEIRO ? O mercado de capitais já chegou a seu potencial máximo?
SETÚBAL ? Não. Acredito que teremos mais empresas abrindo capital. De um modo diferente do que vimos no ano passado. Em 2004, as empresas que abriram capital não colocaram novas ações no mercado. Não aumentaram capital. Foi apenas um movimento dos acionistas realizando os lucros com a venda das próprias ações. Agora, acredito em uma leva de ofertas de ações novas. À medida que as empresas vão crescendo, têm condições de fazer lançamentos de novos papéis. O mercado de capitais tem potencial para se transformar num financiador das companhias.

DINHEIRO ? Quais os planos do Itaú no mercado de capitais para este ano?

SETÚBAL ? Vamos distribuir mais dividendos do que o obrigatório. Continuaremos apostando na nossa política de transparência e boa relação com o acionista, mas acima de tudo continuaremos dando retorno financeiro. Não adianta ser uma empresa séria, se não registra retorno financeiro. Mas não planejamos alterar nada na nossa política de governança corporativa. Nem aqui nem na bolsa americana. Não precisamos mexer em time que está ganhando.