14/06/2006 - 7:00
DINHEIRO – Em 1981, os países do Terceiro Mundo pareciam afundar e não emergir. O que o sr. enxergava?
ANTOINE VAN AGTMAEL – Realmente, se você olhar para a situação dos quatro BRICs em 1981, pareceria loucura falar em emergentes. A Rússia estava sob a cortina de ferro, a China vivia sob a influência da Revolução Cultural, a Índia era um pesadelo e o Brasil estava em crise externa e inflacionária.
DINHEIRO – Como veio então o seu insight?
AGTMAEL – Ainda na década de 70, eu comecei a viajar pela Ásia e já era possível captar a energia e a vontade de progresso que estava presente em vários Entrevista / Antoine van Agtmael países. Depois, fui mandado pelo Bankers Trust para um banco de investimentos na Tailândia. Era nítido o potencial dos mercados de capitais.
DINHEIRO – Mas o que se via na Ásia já podia ser transplantado para outras regiões, como a América Latina?
AGTMAEL – Bom, depois disso, eu comecei a trabalhar no International Finance Corporation, um braço do Banco Mundial, e viajei pelo Oriente Médio e também pela América Latina. Já era muito claro o potencial econômico de países como o Brasil e o México. E eu não conseguia aceitar a expressão Terceiro Mundo.
DINHEIRO – Por quê?
AGTMAEL – Porque nós, os ricos, éramos do Primeiro Mundo, os comunistas faziam parte do Segundo, e vocês nem lá estavam. Era uma subcategoria, que não refletia a realidade que eu via. Em vez de países de terceira linha, eu via países que emergiam.
DINHEIRO – Quando foi que a expressão mercados emergentes pegou? AGTMAEL – Não sei precisar ao certo. Mas em poucos anos, ela passou a fazer parte do léxico econômico do mundo, sendo usada por governos, pelas Nações Unidas e por publicações como o The Wall Street Journal.
DINHEIRO – E por que o sr. escreveu um livro definindo o século XXI como a era dos emergentes?
AGTMAEL – Quando se lê sobre a história econômica, percebe-se o dinamismo do mundo. Antes da Revolução Industrial, China e Índia eram as potências e passaram a ser imitadas pelos países do Ocidente. Os que inovaram mais sobressaíram. Agora, percebe-se uma tremenda transformação. E o mais surpreendente é que isso ocorre depois de crises profundas.
DINHEIRO – O sr. se refere ao colapso de moedas na Ásia, Rússia e Brasil?
AGTMAEL – Claro. Países que estavam no pior dos mundos passaram a liderar o que eu chamo de século dos emergentes. Depois de chegar ao fundo do poço, seja pelo comunismo, seja pela hiperinflação ou pelas crises cambiais, Rússia, Brasil e os asiáticos decidiram buscar um novo caminho.
DINHEIRO – O caminho da ortodoxia e do Consenso de Washington? AGTMAEL – De certa forma, sim. Um dos maiores insights que eu tive foi num encontro com uma pessoa que ocuparia um papel importante no primeiro governo Lula. Quando ele descreveu o que faria no governo, eu me dei conta de que era o Consenso de Washington.
DINHEIRO – Quem era essa pessoa?
AGTMAEL – Antônio Palocci.
DINHEIRO – Quando se olha para a lista dos bilionários ou das maiores empresas do mundo, parece que o século dos emergentes já começou, não? AGTMAEL – Certamente. O livro aborda 25 multinacionais que terão um papel dominante nos próximos anos. Quatro delas vêm do Brasil. Eu incluí a Embraer, a Vale, a Aracruz e a Petrobras, mas poderia ter selecionado muitas outras. Preferi pegar empresas de ponta em setores distintos. A Embraer esteve quase falida e hoje está na vanguarda de um segmento de alta tecnologia. A Vale é um caso óbvio de um líder global. A Aracruz é um exemplo de inovação no setor florestal. E a Petrobras, embora estatal, já está se tornando uma das maiores empresas de energia do mundo.
DINHEIRO – Hoje, que outros nomes fariam parte da sua lista?
AGTMAEL – Muitos outros. Mas a Am- Bev é talvez o melhor exemplo desse século dos emergentes, que conquista o Velho Mundo. É uma empresa gerida por brasileiros que acaba de comprar um ícone americano, a Budweiser.
DINHEIRO – Mas a reação política é muito forte no Velho Mundo, não? AGTMAEL – Na verdade, não. O que existe é barulho e não uma reação concreta. Alguns anos atrás, quando uma companhia chinesa tentou adquirir a empresa de energia Unocal, houve muita preocupação. Mas depois ninguém se importou quando a Vale levou a Inco, no Canadá. E o caso da AmBev é mais parecido com este da Vale. Até porque a principal concorrente da Budweiser, a Miller, já pertence a uma empresa sul-africana.
DINHEIRO – O que o sr. pensa do conceito dos BRICs?
AGTMAEL – Os BRICs representam quatro histórias de grandes transformações econômicas. Eu ponho a ênfase nas palavras grande e transformação. Outros países também compõem o século dos emergentes, mas não são tão grandes quanto os quatro BRICs.
DINHEIRO – O crescimento desses países não torna obsoletas instituições do Velho Mundo, como o G8?
AGTMAEL – Eu não sou um marxista, mas muitas vezes Marx acertou. Principalmente quando disse que transformações econômicas produzem transformações no mundo político. Os Estados Unidos não são mais a única superpotência e nem tampouco um país de risco de crédito inquestionável.
DINHEIRO – Como os líderes americanos devem reagir a isso?
AGTMAEL – Existem dois caminhos. O primeiro é se assustar e buscar o protecionismo. O segundo é encarar o mundo no olho, mostrar confiança, e buscar ainda mais inovação. Esse deve ser o caminho dos Estados Unidos.
DINHEIRO – E quem está mais bem equipado para esse novo mundo: Barack Obama ou John McCain?
AGTMAEL – Na minha visão pessoal, Barack Obama tem uma melhor compreensão. John McCain é um homem do século XX. Obama é o primeiro líder americano realmente sintonizado com o século XXI. Mas isso não significa que ele será eleito presidente, porque a questão continua em aberto.
DINHEIRO – Como a crise americana irá afetar os emergentes?
AGTMAEL – Como nós vivemos numa economia globalizada e interconectada, a tese do descolamento é para idiotas. Eu tenho uma equação que eu chamo de menos dois, menos um, menos um. Isso significa que, durante algum tempo, os Estados Unidos perderão dois pontos de crescimento, a Europa perderá um ponto e o resto do mundo também perderá um ponto porcentual.
DINHEIRO – E como o sr. interpreta o fracasso da Rodada de Doha, na OMC?
AGTMAEL – Mais uma vez, é o século dos emergentes em ação. Pela primeira vez, China, Índia e Brasil foram capazes de negociar de igual para igual com os ricos. Isso mostra que o centro de gravidade do mundo mudou.
DINHEIRO – No Brasil, fala-se numa diplomacia Sul-Sul. Isso é bom? AGTMAEL – Falo disso no livro e acredito que o grande crescimento do comércio mundial nos próximos anos ocorrerá nas rotas Sul-Sul. Isso pode ser visto nos contratos internacionais da Vale, nas parcerias entre China e África e em muitos outros fenômenos.
DINHEIRO – Qual será a participação dos emergentes na riqueza global? AGTMAEL – Pelos meus cálculos, em 25 anos metade da economia mundial será controlada por nações emergentes. Hoje, a participação é de 25%.
DINHEIRO – E que nações estão perdendo o bonde? A Venezuela? AGTMAEL – Eu classifico Hugo Chávez como um dom-quixote, preso a uma ideologia que não funciona mais. Os argentinos também passam a impressão de que acreditam poder enganar o mundo não apenas uma, duas ou três vezes, mas quem sabe quatro.
DINHEIRO – E o caso de Lula? Ele o surpreendeu?
AGTMAEL – Na verdade, não. Eu dava muito pouco crédito ao presidente Lula até o dia em que conheci Antônio Palocci. Naquele momento, percebi que o Brasil abraçaria, sem dizer a ninguém, o Consenso de Washington.
DINHEIRO – Com uma pitada social?
AGTMAEL – Mas o que Lula fez de diferente nessa área?
DINHEIRO – Distribuição de renda, aumentos reais do salário mínimo… AGTMAEL – Esse processo de redistribuição da renda começou, a meu ver, na gestão anterior. O ponto importante é outro. Assim como Richard Nixon foi à China, Lula foi a Washington.
DINHEIRO – O Brasil está livre de vez do populismo?
AGTMAEL – As pessoas se deram conta no Brasil de que crescimento forte e inflação baixa, que são reflexos da política econômica atual, ajudam não só os ricos, mas a população como um todo. Isso não significa que o Brasil fez tudo que deveria. Em termos competitivos, vocês ainda estão atrás de outros concorrentes, especialmente devido à falta de um programa intensivo na área educacional. É um país que melhorou, mas que segue abaixo do seu potencial.
DINHEIRO – O sr. é também um gestor de fundos, focado em mercados emergentes. Como tem sido o desempenho?
AGTMAEL – Vínhamos tendo um retorno médio de 35% ao ano. No ano passado, como tínhamos grandes posições nas bolsas da China, o resultado caiu um pouco e ficou em 25%. Nada mal.
DINHEIRO – E qual a melhor estratégia de investimento hoje?
AGTMAEL – Diversificar. Não só entre os emergentes, mas também entre as suas empresas. Hoje, estamos apostando muito nas firmas conhecidas como small-caps, que têm pequena capitalização, mas grande potencial.