DINHEIRO – Em 1981, os países do Terceiro Mundo pareciam afundar e não emergir. O que o sr. enxergava?
ANTOINE VAN AGTMAELRealmente, se você olhar para a situação dos quatro BRICs em 1981, pareceria loucura falar em emergentes. A Rússia estava sob a cortina de ferro, a China vivia sob a influência da Revolução Cultural, a Índia era um pesadelo e o Brasil estava em crise externa e inflacionária.

DINHEIRO – Como veio então o seu insight?
AGTMAELAinda na década de 70, eu comecei a viajar pela Ásia e já era possível captar a energia e a vontade de progresso que estava presente em vários Entrevista / Antoine van Agtmael países. Depois, fui mandado pelo Bankers Trust para um banco de investimentos na Tailândia. Era nítido o potencial dos mercados de capitais.

DINHEIRO – Mas o que se via na Ásia já podia ser transplantado para outras regiões, como a América Latina?
AGTMAEL Bom, depois disso, eu comecei a trabalhar no International Finance Corporation, um braço do Banco Mundial, e viajei pelo Oriente Médio e também pela América Latina. Já era muito claro o potencial econômico de países como o Brasil e o México. E eu não conseguia aceitar a expressão Terceiro Mundo.

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DINHEIRO – Por quê?
AGTMAELPorque nós, os ricos, éramos do Primeiro Mundo, os comunistas faziam parte do Segundo, e vocês nem lá estavam. Era uma subcategoria, que não refletia a realidade que eu via. Em vez de países de terceira linha, eu via países que emergiam.

DINHEIRO – Quando foi que a expressão mercados emergentes pegou? AGTMAELNão sei precisar ao certo. Mas em poucos anos, ela passou a fazer parte do léxico econômico do mundo, sendo usada por governos, pelas Nações Unidas e por publicações como o The Wall Street Journal.

DINHEIRO – E por que o sr. escreveu um livro definindo o século XXI como a era dos emergentes?
AGTMAELQuando se lê sobre a história econômica, percebe-se o dinamismo do mundo. Antes da Revolução Industrial, China e Índia eram as potências e passaram a ser imitadas pelos países do Ocidente. Os que inovaram mais sobressaíram. Agora, percebe-se uma tremenda transformação. E o mais surpreendente é que isso ocorre depois de crises profundas.

DINHEIRO – O sr. se refere ao colapso de moedas na Ásia, Rússia e Brasil?
AGTMAELClaro. Países que estavam no pior dos mundos passaram a liderar o que eu chamo de século dos emergentes. Depois de chegar ao fundo do poço, seja pelo comunismo, seja pela hiperinflação ou pelas crises cambiais, Rússia, Brasil e os asiáticos decidiram buscar um novo caminho.

DINHEIRO – O caminho da ortodoxia e do Consenso de Washington? AGTMAELDe certa forma, sim. Um dos maiores insights que eu tive foi num encontro com uma pessoa que ocuparia um papel importante no primeiro governo Lula. Quando ele descreveu o que faria no governo, eu me dei conta de que era o Consenso de Washington.

DINHEIRO – Quem era essa pessoa?
AGTMAEL Antônio Palocci.

DINHEIRO – Quando se olha para a lista dos bilionários ou das maiores empresas do mundo, parece que o século dos emergentes já começou, não? AGTMAEL Certamente. O livro aborda 25 multinacionais que terão um papel dominante nos próximos anos. Quatro delas vêm do Brasil. Eu incluí a Embraer, a Vale, a Aracruz e a Petrobras, mas poderia ter selecionado muitas outras. Preferi pegar empresas de ponta em setores distintos. A Embraer esteve quase falida e hoje está na vanguarda de um segmento de alta tecnologia. A Vale é um caso óbvio de um líder global. A Aracruz é um exemplo de inovação no setor florestal. E a Petrobras, embora estatal, já está se tornando uma das maiores empresas de energia do mundo.

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DINHEIRO – Hoje, que outros nomes fariam parte da sua lista?
AGTMAEL Muitos outros. Mas a Am- Bev é talvez o melhor exemplo desse século dos emergentes, que conquista o Velho Mundo. É uma empresa gerida por brasileiros que acaba de comprar um ícone americano, a Budweiser.

DINHEIRO – Mas a reação política é muito forte no Velho Mundo, não? AGTMAEL Na verdade, não. O que existe é barulho e não uma reação concreta. Alguns anos atrás, quando uma companhia chinesa tentou adquirir a empresa de energia Unocal, houve muita preocupação. Mas depois ninguém se importou quando a Vale levou a Inco, no Canadá. E o caso da AmBev é mais parecido com este da Vale. Até porque a principal concorrente da Budweiser, a Miller, já pertence a uma empresa sul-africana.

DINHEIROO que o sr. pensa do conceito dos BRICs?
AGTMAELOs BRICs representam quatro histórias de grandes transformações econômicas. Eu ponho a ênfase nas palavras grande e transformação. Outros países também compõem o século dos emergentes, mas não são tão grandes quanto os quatro BRICs.

DINHEIRO – O crescimento desses países não torna obsoletas instituições do Velho Mundo, como o G8?
AGTMAELEu não sou um marxista, mas muitas vezes Marx acertou. Principalmente quando disse que transformações econômicas produzem transformações no mundo político. Os Estados Unidos não são mais a única superpotência e nem tampouco um país de risco de crédito inquestionável.

DINHEIRO – Como os líderes americanos devem reagir a isso?
AGTMAEL Existem dois caminhos. O primeiro é se assustar e buscar o protecionismo. O segundo é encarar o mundo no olho, mostrar confiança, e buscar ainda mais inovação. Esse deve ser o caminho dos Estados Unidos.

DINHEIRO – E quem está mais bem equipado para esse novo mundo: Barack Obama ou John McCain?
AGTMAEL Na minha visão pessoal, Barack Obama tem uma melhor compreensão. John McCain é um homem do século XX. Obama é o primeiro líder americano realmente sintonizado com o século XXI. Mas isso não significa que ele será eleito presidente, porque a questão continua em aberto.

DINHEIRO – Como a crise americana irá afetar os emergentes?
AGTMAEL Como nós vivemos numa economia globalizada e interconectada, a tese do descolamento é para idiotas. Eu tenho uma equação que eu chamo de menos dois, menos um, menos um. Isso significa que, durante algum tempo, os Estados Unidos perderão dois pontos de crescimento, a Europa perderá um ponto e o resto do mundo também perderá um ponto porcentual.

DINHEIRO – E como o sr. interpreta o fracasso da Rodada de Doha, na OMC?
AGTMAELMais uma vez, é o século dos emergentes em ação. Pela primeira vez, China, Índia e Brasil foram capazes de negociar de igual para igual com os ricos. Isso mostra que o centro de gravidade do mundo mudou.

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DINHEIRO – No Brasil, fala-se numa diplomacia Sul-Sul. Isso é bom? AGTMAEL – Falo disso no livro e acredito que o grande crescimento do comércio mundial nos próximos anos ocorrerá nas rotas Sul-Sul. Isso pode ser visto nos contratos internacionais da Vale, nas parcerias entre China e África e em muitos outros fenômenos.

DINHEIRO – Qual será a participação dos emergentes na riqueza global? AGTMAEL Pelos meus cálculos, em 25 anos metade da economia mundial será controlada por nações emergentes. Hoje, a participação é de 25%.

DINHEIRO – E que nações estão perdendo o bonde? A Venezuela? AGTMAEL Eu classifico Hugo Chávez como um dom-quixote, preso a uma ideologia que não funciona mais. Os argentinos também passam a impressão de que acreditam poder enganar o mundo não apenas uma, duas ou três vezes, mas quem sabe quatro.

DINHEIRO – E o caso de Lula? Ele o surpreendeu?
AGTMAELNa verdade, não. Eu dava muito pouco crédito ao presidente Lula até o dia em que conheci Antônio Palocci. Naquele momento, percebi que o Brasil abraçaria, sem dizer a ninguém, o Consenso de Washington.

DINHEIRO – Com uma pitada social?
AGTMAEL Mas o que Lula fez de diferente nessa área?

DINHEIRO – Distribuição de renda, aumentos reais do salário mínimo… AGTMAELEsse processo de redistribuição da renda começou, a meu ver, na gestão anterior. O ponto importante é outro. Assim como Richard Nixon foi à China, Lula foi a Washington.

DINHEIRO – O Brasil está livre de vez do populismo?
AGTMAEL As pessoas se deram conta no Brasil de que crescimento forte e inflação baixa, que são reflexos da política econômica atual, ajudam não só os ricos, mas a população como um todo. Isso não significa que o Brasil fez tudo que deveria. Em termos competitivos, vocês ainda estão atrás de outros concorrentes, especialmente devido à falta de um programa intensivo na área educacional. É um país que melhorou, mas que segue abaixo do seu potencial.

DINHEIRO – O sr. é também um gestor de fundos, focado em mercados emergentes. Como tem sido o desempenho?
AGTMAEL Vínhamos tendo um retorno médio de 35% ao ano. No ano passado, como tínhamos grandes posições nas bolsas da China, o resultado caiu um pouco e ficou em 25%. Nada mal.

DINHEIRO – E qual a melhor estratégia de investimento hoje?
AGTMAELDiversificar. Não só entre os emergentes, mas também entre as suas empresas. Hoje, estamos apostando muito nas firmas conhecidas como small-caps, que têm pequena capitalização, mas grande potencial.