13/04/2005 - 7:00
Qualquer um que conheça o economista Francisco Lopes recebeu com espanto a sentença da juíza Ana Paula de Carvalho, que o condenou a 10 anos de prisão. Afável e inteligente, o ex-presidente do Banco Central se parece muito com o que é ? um professor de economia apaixonado pelos números ? e muito menos com um criminoso que deva ser afastado do convívio social. A juíza, contudo, o acusa de ter agido ?de forma imoral? e de permitir ?relações promíscuas? do BC com a iniciativa privada.
Daí a severidade da punição, que se estendeu a outros diretores do BC e aos proprietários e executivos de dois bancos privados. Lopes vai apelar da sentença em liberdade.
O caso e seu contexto são conhecidos. Em 13 de janeiro de 1999, diante do desmoronamento da política cambial, os bancos Marka e FonteCindam pediram ajuda ao presidente do BC. As duas instituições haviam acreditado no dólar a R$ 1,32, apostaram na contramão do mercado e não tinham como honrar compromissos quando a moeda brasileira esfarinhou. Lopes concordou em lhes vender dólar barato, causando ao BC um prejuízo que a juíza calcula em R$ 1,55 bilhão. Ele alega que fez isso para evitar o chamado risco sistêmico. Se alguma instituição quebrasse naquele momento explosivo, poderia disseminar-se o pânico, com resultados imprevisíveis. A juíza discorda. Sustenta que, a despeito da ameaça de risco sistêmico, Lopes teria agido por motivação incompatível com o exercício da função pública, embora a sentença não deixe claro qual seria essa motivação. Lopes, afinal, foi inocentado da acusação de corrupção.
Mesmo seis anos depois, essa é uma discussão difícil. Risco sistêmico existe, mas não é certo que andasse pelas ruas com um saco nas costas em janeiro de 1999. Depois de meses de agonia do real, o mercado naqueles dias estava confortavelmente instalado contra o governo. Os bancos esperavam apenas que o real flutuasse, como ocorreu em 15 de janeiro, para ganhar ainda mais dinheiro. Aquele foi o ano em que jovens operadores do mercado financeiro compraram modelos Ferrari com os bônus que haviam obtido às custas da viúva. Olhando em retrospecto, é possível dizer que a ruína do Marka significaria, provavelmente, desgraça apenas para Salvatore Cacciola. Vale o mesmo para o FonteCindam. Mas se a situação era dúbia e os bancos envolvidos, nanicos, por que o dinheiro saiu fácil? Talvez porque os banqueiros tenham chegado perto demais do presidente do BC. Lopes não poderia ter permitido que o drama de Cacciola entrasse em sua sala pela mão de um velho amigo. Da mesma forma, teria de evitar que um executivo do FonteCindam, ex-funcionário do BC, usasse contatos na instituição para proteger seu patrimônio. Mesmo no calor da hora, a tese de risco sistêmico teria de ser discutida apenas tecnicamente, ao largo de injunções pessoais. A juíza conclui que Lopes não sacou vantagem econômica do epsisódio, mas o acusa de ter permitido que o erário fosse prejudicado. É duro, mas faz sentido.
Levada ao pé da letra, a sentença abre um enorme precedente. Serão indiciados todos que causaram ou venham a causar prejuízos contábeis ao País? Se assim for, alguém pode levar a juízo o financista Gustavo Franco. Antecessor de Lopes, ele é acusado de ter queimado R$ 40 bilhões em reservas, tentando evitar a desvalorização. No limite, pode-se convocar ao banco dos réus Henrique Meirelles. Sob seu olhar complacente, o Banco Central está colocando em prática a mais ortodoxa política de juros da história do País. Ela transfere R$ 2 bilhões aos rentistas a cada meio ponto de elevação da Selic e é considerada excessiva por oito em cada dez economistas. Como Meirelles já é alvo de um inquérito sobre evasão de divisas e lavagem de dinheiro ? e goza de fórum especial, como se fosse ministro ?, seu advogado teria apenas um pouco mais de trabalho. Ainda que seja absurda, a sentença contra Chico Lopes tem o mérito de lembrar que economistas do setor público não estão acima da lei. Se médicos e engenheiros podem ter seus registros caçados, a imperícia econômica também precisa ser julgada. Houve gente na história do Brasil, como Zélia Cardoso de Mello, que atirou o País no abismo e foi criar os filhos nos Estados Unidos. Se a juíza Ana Paula estivesse por perto, talvez Zélia pegasse 40 anos. Seria excessivo, mas por outro lado…