03/09/2025 - 8:19
Regime ostenta poder em desfile militar com presença de Xi Jinping e líderes autocráticos de todo o mundo, ao mesmo tempo que amplia sua influência econômica e política no Sul Global.É uma demonstração de força e poderio militar: o desfile de 12 mil soldados, os sistemas de armas de última geração aptos a serem usados em qualquer lugar do mundo, os sobrevoos de modernas aeronaves e, acima de tudo, o presidente Xi Jinping como líder poderoso e inquestionável na Porta de Tiananmen, acima do enorme retrato do fundador da nação, Mao Tsé-Tung. Essas são as imagens enviadas pela China ao mundo nesta quarta-feira (03/09) na cerimônia que, oficialmente, celebrou os 80 anos do fim da Segunda Guerra Mundial.
Vinte e seis chefes de Estado e de governo da Ásia, Oriente Médio, África e América Latina testemunharam o espetáculo, com Xi posicionado ao centro, tendo a sua direita o presidente russo, Vladimir Putin, e à esquerda o ditador norte-coreano, Kim Jong-un. Vindos da Europa, além de Putin e seu aliado de Belarus, Alexander Lukashenko, estavam presentes o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, e o presidente sérvio, Aleksandar Vučić.
Da América Latina participou o presidente cubano, Miguel Díaz-Canel. Já o Brasil foi representando pelo diplomata Celso Amorim, assessor especial da Presidência da República. A ex-presidente Dilma Roussef, hoje presidente do Banco do Brics, também esteve presente à cerimônia. A instituição tem sede em Xangai.
“O rejuvenescimento da nação chinesa é imparável e a nobre causa da paz e do desenvolvimento da humanidade certamente triunfará”, declarou Xi, num discurso perante dezenas de milhares de pessoas reunidas na Praça da Paz Celestial. “O mundo volta a enfrentar uma escolha entre a paz e a guerra, o diálogo e o confronto”, acrescentou o líder chinês, em meio às crescentes tensões geopolíticas e desafios à ordem internacional do pós-Guerra.
Papel de liderança
A mensagem de Xi é clara: projetar a China como alternativa à ordem internacional dominada pelos EUA. Numa futura ordem mundial, a China quer definir as regras do jogo. “Desfiles militares como esse fazem parte do conjunto de ferramentas usado em autocracias para demonstrar uma força suposta ou real”, afirma o consultor Eberhard Sandschneider, professor emérito de ciências políticas na Universidade Livre de Berlim.
Graças ao seu boom econômico, a China está expandindo seu papel político internacional. Sob o comando de Xi, essa iniciativa ganhou um impulso significativo. O chefe de Estado chinês tem uma visão clara. Os processos de modernização em andamento devem ser concluídos até 2049, ano do centenário da fundação da República Popular. Até lá, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, para uma população de 1,4 bilhão, deverá atingir o nível de uma nação industrializada de médio porte.
De acordo com cálculos de diversas consultorias, o gigante da Ásia Oriental poderá ultrapassar os EUA como a maior economia do mundo talvez já em cinco ou, no máximo, em 15 anos.
Entrelaçamento entre negócios e política
Em paralelo, a China amplia sua liderança política internacional por meio de organizações como o grupo do Brics e a Organização para Cooperação de Xangai (OCX) ou por meio do projeto global de infraestrutura conhecido como Nova Rota da Seda.
Com 153 países participantes, a Nova Rota da Seda atrai cada vez mais países ligados ao Ocidente, por exemplo com o corredor econômico CPEC através do Paquistão, a ferrovia de alta velocidade e alta capacidade SGR no Quênia e, mais recentemente, o porto de águas profundas Porto de Chancay, no Peru.
Esse entrelaçamento entre negócios e política serve ao propósito chinês de criar uma ordem mundial paralela no chamado Sul Global. O Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) ou outros bancos estatais chineses concedem empréstimos sempre que o Partido Comunista solicitar, para atingir os objetivos de política externa do regime. Durante a recente cúpula da OCX foi anunciada a criação de mais um banco de desenvolvimento.
Exigências relativas às proteções trabalhista e ambiental geralmente existem apenas no papel. Empreiteiras chinesas recebem dinheiro chinês e enviam trabalhadores chineses para todo o mundo. Os países parceiros arcam com a dívida, o que eleva a dependência: mais dívidas obrigam a uma maior obediência a Pequim.
Quem criticar as graves violações de direitos humanos na região autônoma do Tibete ou entre a minoria muçulmana uigur em Xinjiang fica de fora. Já quem reconhecer Taiwan como uma província chinesa ganha o contrato, com processamento rápido e eficiente e recursos financeiros assegurados.
Esse “Modelo Chinês” é criticado no mundo ocidental, mas ganha cada vez mais apoio no Sul Global. O ex-presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo apelou aos países africanos para que aprendam com o “Modelo Chinês”. O notável progresso da China nas últimas décadas é “uma fonte de inspiração e de oportunidades para a Nigéria e a África”, declarou Obasanjo à agência de notícias chinesa Xinhua.
Os Estados Unidos, anteriormente o mais importante doador internacional, suspenderam quase toda a sua ajuda ao desenvolvimento sob o novo governo de Donald Trump. Após o fechamento da agência de desenvolvimento USAID, o presidente americano retirou na semana passada do orçamento os quase 5 bilhões de dólares já aprovados pelo Congresso.
Centralismo chinês para exportação?
O objetivo de Xi é “democratizar” as relações internacionais e se opor à “hegemonia”, afirma o analista Claus Soong, do Instituto Mercator de Estudos Chineses, em Berlim. “Porém, essa abordagem não está enraizada numa ordem liberal ou em ideias liberais. Sua origem reside unicamente no estatismo [defesa da autoridade do Estado], nos interesses nacionais.”
Diplomatas do Ministério do Exterior da China trabalham num plano para reformar a “governança global”. A China quer assumir um papel de liderança “na mudança e no desenvolvimento de novas formas da governança internacional”. Isso seria necessário porque as crises globais estão se tornando mais frequentes e as relações internacionais de poder estão mudando.
Sandschneider diz não acreditar que Pequim queira exportar seu modelo de governo nesse processo. “Um Partido Comunista que governou sozinho por mais de 70 anos criou um sistema próprio peculiar. Também não consigo ver a China tomando medidas concretas [para isso], como nós, no Ocidente, tentamos repetidamente promover a exportação da democracia.” Segundo ele, a China não interfere na ordem política de outros países. “O que a China precisa, ela busca. Isso são, acima de tudo, recursos e hoje também acesso a mercados.”
Em meio a isso, a Europa luta para defender suas democracias enquanto seu principal parceiro, os Estados Unidos, com seu presidente imprevisível, causam alvoroço global com uma guerra comercial. Em países-membros da União Europeia (UE), partidos políticos se desdobram para formar maiorias governamentais e impedir que extremistas de direita cheguem ao poder. Mesmo assim, sete dos 27 países já têm governos com a participação de extremistas.
“A democracia deve ser defendida contra desafios internos e externos”, diz Soong. “Ela é ameaçada quando regimes autoritários se expandem e exigem que abandonemos a democracia em favor da autocracia.”