27/11/2002 - 8:00
Desde que a nova direção do Partido Comunista da China tomou posse, na semana passada, as atenções mundiais se concentraram sobre Hu Jintao, um simpático burocrata de 59 anos que substituiu o veterano Jiang Zemin no posto de secretário-geral do partido. Entronizado como líder de uma potência nuclear de 1,3 bilhão de habitantes e PIB de US$ 1,2 trilhão, Hu é, sem dúvida, um homem importante. Mas é possível que no futuro o 16º congresso dos comunistas chineses seja melhor lembrado pela promoção de um outro ?militante? ao comitê central do partido, de 356 membros: Zhang Ruimin, presidente da Haier, a maior fábrica chinesa de geladeiras. Zhang é o primeiro capitalista a integrar a direção do Partido Comunista. Sua presença revela, para além de qualquer dúvida, que a organização criada por Mao Tsé-tung para conduzir a revolução comunista de 1949 já não é a mesma. ?O partido mudou de cor?, constata o estudioso
Jean-Pierre Cabestan, diretor do centro de estudos chineses de Hong-Kong. ?Ele não se importa mais com o povo comum. Preocupa-se apenas com a elite.?
Em um país com sistema político aberto, a admissão de capitalistas no comitê central do PC seria apenas um motivo de piadas. Na China é diferente. Ali partido e governo são a mesma coisa. Funciona no país uma organizada ditadura stalinista na qual o Partido Comunista ainda é o centro das decisões. Ele nomeia autoridades, emite licenças, autoriza a instalação de empresas, veta a formação de joint-ventures, prende e manda soltar. Por suas artérias trafegam todas as decisões econômicas e políticas de importância, em todos os níveis da administração e da vida nacional. Logo, para os empreendedores chineses, ter acesso à direção máxima do partido pode significar a diferença entre a vida e a morte de seus negócios. Sobretudo porque o capitalismo à chinesa envolve uma dose brutal de corrupção ? e também nesse ramo de negócio, que equivale a 14% do PIB chinês, o partido tem monopólio.
Desde a década de 80, quando Deng Xiaoping lançou o país na direção da privatização e das reformas capitalistas, o partido transformou-se no centro nevrálgico da corrupção. Seus membros recebem propinas, participam de fraudes, organizam contrabando e desviam impostos. Uma pesquisa realizada pelo próprio PC constatou que 78% dos suspeitos em fraude são membros do partido. Mais do que admitir capitalistas em seu seio, os comunistas da China estão usando seu poder para se converter eles mesmos em capitalistas, usando o velho modelo oriental da família. Os dirigentes influentes do partido mandam seus filhos estudar no exterior e depois os instalam na direção de novas empresas privadas ou grandes estatais. São os taizi, ou nobrezinhos. Entre eles está Jiang Mianheng, filho do agora ex-secretário-geral. O rapaz estudou nos Estados Unidos e é conhecido como ?príncipe da tecnologia?, por causa dos seus laços com as empresas do setor. Como ele há centenas de milhares. A mesma pesquisa que constatou a elevada incidência de fraudadores no PC chinês descobriu que 98% dos integrantes da direção do partido têm parentes dirigindo empresas do governo ou negócios privados. O nepotismo sem freios, inserido em uma economia que cresce 8% ao ano e não conta com regulamentos ou controles, irrita os chineses comuns e ameaça transformar a China na maior cleptocracia do planeta, um sistema político dominado por ladrões.
Na semana passada, quando foram conhecidos os nomes dos nove integrantes da direção permanente do partido, ficou claro que a reforma capitalista vai seguir seu curso ? e que a corrupção permanecerá com ela. Hu, o novo homem forte do país, prometeu continuar a abertura econômica e a liberalização. E autorizou os investidores estrangeiros a comprarem ações e bônus de empresas emitidos na China, na moeda local. O mercado não ficou eufórico com a decisão, mas compreendeu que se trata de mais um passo na direção da liberdade econômica. Ao mesmo tempo, os analistas da cena chinesa constataram que três dos novos dirigentes da direção permanente estão implicados em corrupção, diretamente ou através de familiares imediatos. Por melhores que sejam as intenções de Hu ? que prometeu combater a corrupção endêmica ? está claro que desse ponto de vista o seu mandarinato começou mal.