20/02/2023 - 18:14
A ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, revelou nesta segunda-feira (20/02) que teve conversas com diplomatas chineses exortando Pequim a não enviar à Rússia itens bélicos ou produtos que possam ter uso militar na guerra na Ucrânia. Essas conversas foram realizadas durante a Conferência de Segurança de Munique, disse a jornalistas.
+ China nega que esteja considerando enviar armas para a Rússia, como afirmam os EUA
A declaração da ministra alemã vem um dia após o secretário de Estado americano, Antony Blinken, ter dito que Washington tem informações de que Pequim estaria considerando enviar apoio militar letal à Rússia.
“Até ao momento, empresas chinesas […] forneceram apoio não letal à Rússia para uso na Ucrânia. Agora estamos preocupados com a informação de que estão considerando fornecer apoio letal”, disse numa entrevista à emissora CBS News, sublinhando que esse cenário teria “sérias consequências”.
O chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell, também advertiu nesta segunda-feira que uma eventual decisão de Pequim de fornecer armas à Rússia ultrapassaria uma “linha vermelha”.
Como a China respondeu a Blinken?
Pequim negou que Moscou tenha solicitado o fornecimento de material militar, disse ter uma posição de neutralidade e de apelo à paz na guerra na Ucrânia, e criticou os Estados Unidos por seu envolvimento no conflito.
Nesta segunda-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Wang Wenbin, acusou Washington de “inflamar as chamas e provocar confrontos” ao fornecer armas à Ucrânia, com o objetivo de lucrar.
“São os Estados Unidos que ficam fornecendo armas ao campo de batalha, e não a China […]. O princípio que orienta a China na questão da Ucrânia pode ser simplesmente resumido como: promover conversas pela paz.”
Wang frisou que a China “nunca aceitaria acusações e coerções” a respeito da relação entre Pequim e Moscou, que segundo ele baseia-se nos princípios de não-alinhamento e não-confrontação: “Os Estados Unidos não estão em nenhuma posição de fazer exigências à China.”
Qual é a posição da China sobre a guerra?
O debate sobre um possível envolvimento de Pequim no conflito bélico surge às vésperas de a guerra completar um ano, e após vários meses sem grandes evoluções nas frentes de combate.
A China até o momento vem tentando manter uma linha tênue e dúbia em relação à guerra na Ucrânia. Por um lado, se recusa a criticar a Rússia pela guerra e não usa palavra “invasão” da Ucrânia, sinalizando simpatia para com Moscou.
Pequim também já declarou que a Rússia teria sido provocada a agir diante da expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), uma narrativa propagada por Moscou. Algumas semanas antes do início da invasão, o presidente chinês, Xi Jinping, e seu homólogo russo, Vladimir Putin, divulgaram um comunicado conjunto comprometendo-se com uma “amizade sem limites” entre seus países.
Desde o início da guerra, em 24 de fevereiro de 2022, a China também manteve suas relações comerciais com a Rússia, incluindo a compra de petróleo e de gás, importante fonte de recursos para o regime de Putin.
Ao mesmo tempo, a China reitera que a soberania e a integridade territorial de todas as nações devem ser respeitadas, e até o momento não confirmou um convite, aguardado por Putin, para que ele faça uma visita oficial a Pequim no primeiro semestre do ano corrente.
China apoiou materialmente a Rússia na guerra?
Até agora, o apoio da China à Rússia tem sido político e retórico, inclusive em instâncias multilaterais como nas Nações Unidas.
A afirmação de Blinken de que os EUA teriam informações de que Pequim esteja considerando oferecer “apoio letal” à Rússia na guerra foi feita um dia depois de ele se reunir com Wang Yi, a mais alta autoridade em política externa do Partido Comunista Chinês.
“Era importante para mim compartilhar muito claramente com Wang Yi que isso seria um problema sério”, disse Blinken, referindo-se ao potencial apoio militar à Rússia. A embaixadora dos EUA nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, também expressou preocupação com qualquer esforço dos chineses para armar a Rússia, o que “seria uma linha vermelha”.
As forças russas e chinesas têm realizado exercícios militares conjuntos desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, e recentemente enviaram navios para participar de exercícios com a Marinha sul-africana numa rota de navegação importante ao largo da costa da África do Sul.
Em Kiev, nesta segunda-feira, o ministro da Defesa Oleksii Reznikov expressou dúvidas sobre se as apreensões de Blinken procedem: “Não tenho certeza, porque a Rússia também precisa de capacetes, coletes salva-vidas, etc. Acho que, se a China os ajudará, não será com armas. Será com alguns tipos de roupa, etc..”
Não há até o momento comprovações públicas de que a China estaria fornecendo ajuda militar direta à Rússia, da mesma forma como, por exemplo, o Irã vem fazendo, ao vender drones militares de baixo custo a Moscou.
O que aconteceria se a China apoiasse militarmente a Rússia?
Blinken declarou durante uma visita a Ancara, na Turquia, que haveria “consequências reais” se a China fornecesse apoio material letal à Rússia ou ajudasse Moscou a contornar sanções internacionais “de forma sistemática”, e sublinhou que países aliados aos EUA tomariam medidas semelhantes – mas não detalhou quais seriam as consequências.
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, foi mais longe e numa entrevista publicada pelo jornal alemão Die Welt nesta segunda-feira, e disse que, se a China apoiar militarmente a Rússia, isso provocaria uma guerra mundial.
“Para nós, é importante que a China não apoie a Federação Russa nesta guerra. Na verdade, gostaria que ela estivesse do nosso lado […] No momento, porém, não acho que seja possível”, disse o chefe de Estado.
“Mas vejo uma oportunidade para a China fazer uma avaliação pragmática do que está acontecendo aqui […] Porque, se ela se aliar à Rússia, haverá uma guerra mundial, e acho que a China está ciente disso.”
Nesta segunda-feira, o presidente americano, Joe Biden, fez uma visita surpresa a Kiev onde se reuniu com Zelenski.
As relações entre Estados Unidos e China estão num de seus momentos mais tensos em décadas. Washington vem procurando limitar o acesso chinês a microprocessadores e máquinas mais modernas, e desafia as reivindicações territoriais de Pequim no Mar do Sul da China.
Para os chineses, a questão mais delicada é o apoio dos EUA a Taiwan, a ilha democrática autogovernada que Pequim considera seu território, podendo ser ocupada por força militar, se necessário. Taiwan é um grande cliente das armas defensivas americanas e vem recebendo altas autoridades do país ocidental, para desagrado do governo chinês.
bl/av (Reuters, AP)