23/07/2018 - 10:16
A China, principal parceiro comercial do Brasil, multiplica e diversifica seus investimentos na maior economia da América Latina e a relação pode se estreitar ainda mais diante da pressão da política protecionista dos Estados Unidos.
Os investimentos diretos chineses no Brasil se concentravam até 2010 em projetos voltados para garantir o abastecimento de alimentos e energia da segunda economia mundial. Mas, nos últimos anos, têm como alvo cada vez mais as telecomunicações, a indústria automotiva, a energia não convencional e os serviços financeiros.
De 2005 a 2017, o Brasil recebeu 55% dos investimentos de empresas chinesas na América Latina, segundo a CEPAL (Comissão Especial para a América Latina e o Caribe).
De acordo com números do ministério do Planejamento, as empresas chinesas investiram 53,9 bilhões de dólares no Brasil de 2003 a junho de 2018, em uma centena de projetos. Em 2017, esses capitais totalizaram US$ 10,8 bilhões.
Este ano, esses investimentos estão diminuindo, segundo os analistas, em razão das incertezas ligadas às eleições de outubro, mas o ritmo deve retomar: o Brasil precisa de investimentos para impulsionar sua economia lenta e reduzir seu déficit fiscal, enquanto a China segue ávida por matérias-primas e determinada a se tornar uma potência em setores de ponta.
“A China pode desempenhar um papel muito importante para ajudar a economia brasileira a sair da estagnação”, diz Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial China-Brasil (CEBC).
Um dos exemplos mais marcantes da diversificação foi a compra por 297 milhões de dólares, anunciada em janeiro, do serviço brasileiro 99 Taxis pela empresa chinesa de transporte compartilhado Didi Chuxing.
A China também faz sentir sua presença no setor bancário. “Para entrar pesado, (as empresas chinesas) querem ter financiamento próprio”, aponta Lia Valls, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE).
Em março, a China Communications Construction Company (CCCC) começou as obras de um porto em São Luís do Maranhão, financiado em 70% pelo ICBC (Banco Industrial e Comercial da China).
– Sinodependência? –
O Brasil obteve nos últimos anos, apesar de sua grave crise, contas externas saudáveis graças aos superávits comerciais recordes, principalmente com a China (+20.166 bilhões em 2017).
O faturamento dos produtos brasileiros para a China representava menos de 2% do total de suas exportações em 2000, 15% em 2010, 22% em 2017 e 26% no primeiro semestre deste ano, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC).
Alguns analistas veem nessa fonte aparentemente inesgotável de moeda estrangeira um risco de desindustrialização, dado que o faturamento vem em 86% dos produtos básicos (soja e ferro principalmente), enquanto a quase totalidade (97,3% em 2017) das importações brasileiras da China são de produtos manufaturados.
Castro Neves rejeita esses temores, argumentando que as vantagens comparativas do Brasil no setor do agronegócio se devem ao fato de que também tem “um valor agregado crescente”. “Produzir soja hoje envolve muita tecnologia e muitas atividades relacionadas”, diz ele.
Outras objeções à crescente presença chinesa surgem de práticas que não respeitam as leis ambientais e trabalhistas.
Mas, segundo Castro Neves, “esse não é um problema chinês. O chinês costuma respeitar as regras do local onde está. O problema é nosso. Nós devemos ter regras claras e cumpri-las. (Mas será que) temos um quadro regulatório claro, simples e atraente? O que falta é que temos que fazer nosso dever de casa”.
– Estratégia global –
O presidente do CEBC lamenta a falta de uma estratégia brasileira para colocar esses fluxos de capital a serviço do desenvolvimento.
“Os países latino-americanos, inclusive o Brasil, têm uma atitude passiva em suas relações com a China. Os chineses sabem exatamente o que querem, mas nós sabemos o que queremos dos chineses, além de vender mais?”, questiona.
A China lançou vários planos complementares de fortalecimento como potência global em tecnologia e indústrias de ponta, como o programa de infraestruturas “Novas Rotas da Seda” e o plano de desenvolvimento industrial “Made in China 2025”.
Na América Latina, o presidente Xi Jinping propôs, durante uma viagem em 2014, um modelo de “cooperação prática 1+3+6”: um planejamento coordenado, com três motores (comércio, investimento e financiamento) e seis áreas prioritárias (infraestrutura, tecnologia da informação, cultura, indústria manufatureira, energia e recursos e inovação científica e tecnológica).
Esses projetos, que visavam a reduzir a dependência das tecnologias ocidentais, adiantaram-se às medidas protecionistas do presidente Trump.
A China espera reduzir o impacto dessas medidas estreitando sua cooperação com o grupo BRICS de potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que esta semana realizará uma cúpula em Joanesburgo.
Pequim tenta fortalecer a coordenação macroeconômica dos BRICS, em resposta aos “desafios colocados pelas mudanças nas políticas de alguns países desenvolvidos”, declarou em junho o vice-chanceler Zhang Jun.