27/12/2024 - 15:52
Por Mei Mei Chu e Roberto Samora
PEQUIM/SÃO PAULO (Reuters) – A China iniciará uma investigação sobre as importações de carne bovina, informou o Ministério do Comércio nesta sexta-feira, uma vez que o maior importador e consumidor de carne do mundo está enfrentando um mercado com excesso de oferta que levou os preços domésticos a mínimas de vários anos.
Qualquer medida comercial para tentar reduzir as importações de carne bovina atingiria os maiores fornecedores da China, como Brasil, Argentina e Austrália.
Mas isso, caso venha a acontecer, não é algo que possa ser esperado no curto prazo, na avaliação da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), que representa empresas como JBS, Marfrig e Minerva, que atuam no Brasil e outros países, incluindo os Estados Unidos.
A investigação chinesa vai se concentrar em importações entre 1º de janeiro de 2019 e 30 de junho de 2024, disse o ministério em um comunicado, acrescentando que isso foi feito após uma solicitação da Associação de Criação de Animais da China e outros grupos do setor pecuário.
Para o presidente da Abiec, Roberto Perosa, nada muda no momento para a exportações do Brasil, maior exportador global de carne bovina e o principal fornecedor da China, ofertando cerca de metade do que o país asiático importa.
“É um negócio para longo prazo, para daqui a um ano ter uma decisão (da investigação), porque o documento fala em oito meses (de investigação) renováveis. Não dá tempo de fazer um estudo desses em oito meses, com todas as informações que pediram”, afirmou Perosa, à Reuters.
“Então não muda nada hoje, continua do mesmo jeito”, destacou, dizendo que, por conta disso, o movimento chinês não deve impactar preço da carne ou da arroba do boi.
“O comércio de carne bovina com o país asiático, portanto, prossegue normalmente”, acrescentou em nota a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), outra entidade do setor.
As importações totais de carne bovina da China atingiram 14,2 bilhões de dólares em 2023, um aumento em relação aos 8,2 bilhões de dólares de 2019, segundo dados alfandegários. O Brasil foi responsável por 42% do valor total do comércio, seguido pela Argentina, com 15%, e pela Austrália, com 12%.
De janeiro a novembro de 2024, o Brasil exportou 1,21 milhão de toneladas de carne bovina para a China, com alta de 11% na comparação anual, segundo dados divulgados no início do mês pela Abrafrigo. O país asiático respondeu por pouco mais de 40% das exportações brasileiras do produto.
Perosa, da Abiec, explicou que o mercado de carne bovina na China gira em torno de 12 milhões de toneladas, enquanto as importações de todos os países somam 2,5 milhões de toneladas ao ano, com o Brasil ofertando cerca de 50% do total importado.
“Acho que é ação para atender demandas de produtores internos da China, porque a China não tem capacidade de produção para o que ela consome hoje. E, se aumentar o consumo, aí que ela não vai ter condições mesmo”, disse.
Entre as possíveis consequências da investigação, ele citou a imposição de uma cota e uma tarifa maior para o que extrapolar o volume intracota.
“O pode acontecer é algo que aconteceu com a Austrália, depois de um ano eles disseram que teria uma cota, e acima dessa cota aumentava a tarifa”, afirmou o presidente da Abiec.
Hoje a carne importada pelo Brasil já paga uma tarifa de 12%. “Pode ser que depois de uma cota de 1 milhão de toneladas, acima disso viraria uma tarifa de 20%”, exemplificou hipoteticamente.
Perosa buscou tranquilizar o mercado dizendo que a investigação não tem qualquer relação com dumping — que poderia ter eventualmente uma consequência mais severa –, mas sim com salvaguarda. “É uma coisa tranquila, é um direito do país de avaliar isso, mas a gente quer cooperar”, disse ele.
Questionado se o processo pode interferir em novas habilitações de frigoríficos do Brasil para exportação, ele disse que não. “Não muda nada, é uma coisa diferente da outra.”
A investigação não é direcionada a países ou regiões específicos, não distingue a origem dos produtos e não afetará o comércio normal enquanto estiver em andamento, destacou o Ministério do Comércio chinês.
“É muito cedo para assumir qualquer impacto relevante para o país”, disse o Itaú BBA em relatório, citando que o poder de barganha da China no setor parece estar se enfraquecendo um pouco, à medida que a produção chinesa de gado diminui, e o Brasil vem exportando cada vez mais aos Estados Unidos.
COOPERAÇÃO
Em nota, o governo brasileiro afirmou que buscará, em conjunto com o setor exportador, “demonstrar que a carne bovina brasileira exportada à China não causa qualquer tipo de prejuízo à indústria chinesa, sendo, pelo contrário, importante fator de complementariedade da produção local chinesa”.
O governo brasileiro ressaltou que “não há, em princípio, a adoção de qualquer medida preliminar, permanecendo vigente a tarifa de 12% “ad valorem” que a China aplica sobre as importações de carne bovina.
A exportação de carne bovina do Brasil está em patamares recordes neste ano, com os embarques totais caminhando para superar 3 milhões de toneladas, segundo dados oficiais citados pela Abrafrigo, que apontou aumento de mais de 30% de janeiro a novembro.
As receitas geradas com os embarques brasileiros para todos os destinos já superaram 12 bilhões de dólares, alta de mais de 23%, enquanto a China importou equivalente a mais de 5,4 bilhões de dólares no ano até novembro (+3,4%).
OTIMIZAÇÃO DO REBANHO
Os produtores chineses que pediram a investigação disseram que um aumento acentuado nos volumes de importação durante o período havia “prejudicado seriamente” a indústria doméstica da China, segundo o ministério.
As importações de carne bovina em 2023 pela China foram quase 65% maiores do que em 2019, de acordo com dados da alfândega, e as importações no primeiro semestre de 2024 foram mais do que o dobro das do primeiro semestre de 2019.
Os preços das carnes na China, incluindo carne suína, bovina e de aves, caíram à medida que os consumidores, lutando contra uma economia em desaceleração, compram menos.
“A maioria das fazendas de gado de corte na China está em situação de prejuízo”, disse a Associação de Criação de Animais da China em um relatório da mídia estatal.
O preço da carne bovina caiu para o nível mais baixo dos últimos cinco anos, e o preço do gado vivo caiu para o nível mais baixo dos últimos 10 anos, disse a associação.
Os preços médios da carne bovina no atacado caíram 22%, para 59,82 iuanes (8,20 dólares) o quilo no final de dezembro, de 77,18 iuanes há dois anos, segundo dados do Ministério da Agricultura.
Em junho, Pequim procurou conter os preços pedindo aos fazendeiros que limitassem e otimizassem o tamanho de seus rebanhos de gado bovino, mas os preços continuam em declínio em meio a um aumento nas importações, principalmente da Argentina.
As importações de carne bovina do produtor sul-americano durante os primeiros 11 meses de 2024 aumentaram 10% em relação ao mesmo período de 2023, para 533.005 toneladas métricas.
“O setor reflete que as importações excessivas de carne bovina causaram danos substanciais à indústria de gado de corte do meu país”, disse a China Animal Husbandry Association no relatório.
“O setor pede veementemente que o país tome medidas de controle sobre a carne bovina importada para proteger os meios de subsistência dos fazendeiros e a segurança do setor”, afirmou.
A China também está considerando restrições comerciais às importações de produtos lácteos e suínos da União Europeia, embora, nesses casos, a investigação antidumping e antissubsídios seja uma resposta contra o plano tarifário do bloco para veículos elétricos fabricados na China, segundo analistas.
(Reportagem de Ella Cao, Ryan Woo e Roberto Samora em São Paulo)