03/02/2020 - 10:48
Os habitantes da cidade de Wuhan, epicentro do novo coronavírus, têm sido perseguidos no restante da China como criminosos, sendo alvo de denúncias com pagamento de recompensa, ou de duros interrogatórios.
Com o fim das férias do Ano Novo lunar, aumentaram as preocupações de uma maior propagação do vírus, já que muitos habitantes que viajaram voltaram para suas casas.
Alguns bairros de Pequim estão entrincheirados – às vezes atrás de barreiras improvisadas – para conter os visitantes.
Um bairro de Shijiazhuang, uma cidade situada ao sudoeste de Pequim, oferece cerca de 2.000 iuanes (288 dólares) de recompensa para quem denunciar pessoas que foram, nas últimas duas semanas, a Wuhan, capital de Hubei.
Na entrada de um bairro de Pequim, um agente de segurança consultado sobre a política aplicada àqueles procedentes de Hubei, diz à AFP: “Embora viva aqui, não pode entrar”.
“Podem trazer a infecção. Se vier de lá, deve informar ao comitê do bairro”, acrescentou.
– “Nem entrar, nem sair” –
Em todo país, nestes últimos dez dias, têm sido aplicadas medidas drásticas para tentar conter a epidemia. Já são 361 mortos na China e mais de 17.000 pessoas contaminadas. Destas, 11.177 vivem em Hubei, isolada do mundo desde 23 de janeiro.
Das 57 mortes registradas nas últimas 24 horas, 56 foram em Hubei. Pequim registra 191 casos de contágio.
Embora Hubei esteja em quarentena, cinco milhões de pessoas teriam saído antes do Ano Novo Lunar, segundo o prefeito de Wuhan.
Os governos locais sofrem pressões para expulsar as pessoas procedentes de Hubei.
“Se não os conheço, ou estiverem com uma mala, vou pedir que se registrem”, explica uma mulher que trabalha em um condomínio em Pequim.
Depois de identificados os que chegam de Wuhan, ou de Hubei, são submetidos a um rígido controle.
“Não podem entrar nem sair. Se precisarem comprar comida, o comitê do bairro pode fazer isso por eles”, disse à AFP a secretária do Partido Comunista de um bairro de Pequim, Xu Aimin.
– “Nosso inimigo é o vírus” –
Os habitantes procedentes de Hubei também recebem telefonemas diários e devem verificar a temperatura corporal por duas semanas, frisou Xu.
Ela acrescentou que seu comitê de bairro, que administra um complexo de apartamentos de 2.400 famílias, bateu em cada porta para verificar a situação dos habitantes.
“Nossas informações vêm da base. Queremos que todos sejam uma fonte de informação”, disse Xu.
Se os moradores “não confiam na pessoa ao lado, devem ligar imediatamente” para o comitê de bairro.
As autoridades estão preocupadas, porém, com esta forma de isolar alguns bairros a todos os visitantes. No sábado, lembraram os líderes dos comitês de que não têm “nenhum poder” para impedir as pessoas de entrarem, depois do controle de temperatura.
Isso não impediu que Gou Hairong, uma moradora de Pequim de 24 anos, recém-chegada da província de Sichuan, não tivesse acesso a sua casa. Foi bloqueada em uma estação de trem da capital chinesa.
Todo esse quadro levanta preocupações quanto aos riscos de estigmatização.
“A forma como você considera Wuhan é como o mundo verá a China”, tuitou uma pessoa na Weibo, a rede social chinesa.
Lucy Huang, uma diretora de documentários de 26 anos que vive em Pequim e nasceu em Wuhan, diz-se “muito ferida”.
“Nosso inimigo é o vírus. Não deveria ser a população de Hubei, ou de Wuhan”, desabafou, em conversa com a AFP.