06/09/2020 - 14:34
Descrever Wuhan como vítima heroica do coronavírus ou lançar dúvidas sobre a real origem do vírus: o governo chinês quer retomar o controle da narrativa da pandemia em um contexto em que o planeta olha com desconfiança para o gigante asiático.
A enorme operação de relações públicas ocorre principalmente por meio da campanha da mídia estatal elogiando Wuhan, onde se suspeita que a pandemia tenha surgido.
Falam do renascimento desta cidade do centro da China e elogiam os esforços do governo para controlar a epidemia, numa época em que o vírus não dá trégua nos Estados Unidos.
Na semana passada, as escolas primárias voltaram a receber alunos em grande estilo e Wuhan recebeu a visita de dezenas de chefes de multinacionais, como a japonesa Panasonic ou a finlandesa Nokia.
“Atualmente, existem poucos lugares no mundo onde você não precisa usar máscara ou onde pode realizar reuniões”, disse uma autoridade chinesa, Ling Songtian.
“Esta é uma prova do triunfo de Wuhan sobre o vírus e de que [a cidade] retomou os negócios”, acrescentou.
Mas essa mudança narrativa é feita sem levar em conta o fato de que um mercado em Wuhan é suspeito de ser o epicentro da origem da pandemia.
O chanceler chinês, em viagem pela Europa, deu a entender no dia 28 de agosto que talvez o vírus não tivesse surgido na China.
Segundo analistas, a operação mostra que o país está ciente dos danos que a covid-19 causou à sua imagem e tenta tirar proveito do sua relativa remissão.
A China enfrenta críticas do exterior por sua gestão da epidemia, especialmente por causa das tentativas iniciais das autoridades de Wuhan de disfarçá-la.
“O governo chinês quer que a história seja: nós controlamos [a pandemia], podemos ajudá-los a controlá-la e – esperamos – seremos os primeiros a ter uma vacina que funcione”, disse Kelsey Broderick, analista para a Ásia do Eurasia Group.
“É realmente a única forma de a China abafar a ideia de que a crise surgiu em um mercado de Wuhan”, acrescenta a analista.
– Gestão problemática nos EUA –
Por outro lado, a gestão problemática da pandemia nos Estados Unidos representa uma oportunidade para Pequim, segundo Yun Jiang, diretor do Centro de Estudos Políticos da China da Universidade Nacional da Austrália.
“O fato de os Estados Unidos não só não fazerem o suficiente, mas também irem contra os interesses americanos, é uma grande ajuda para a China”, explica.
Membros da imprensa estrangeira estiveram presentes numa visita de três dias a Wuhan, que terminou no sábado.
Na agenda: uma excursão a um mercado de alimentos, apresentado como um modelo de desinfecção, uma apresentação de ópera e balé tradicionais por crianças em idade escolar, ou um cruzeiro no rio Yangtze sob as luzes das telas de Wuhan, que falam da cura da cidade.
Mais de 80% das 4.634 mortes por covid-19 na China ocorreram nesta cidade de 11 milhões de habitantes, transformada em uma cidade fantasma durante o confinamento no início da pandemia.
Há meses nenhum contágio local é registrado, os engarrafamentos voltaram, bem como os jantares nos terraços.
Uma festa em uma piscina de Wuhan no mês passado atraiu milhares de pessoas, um símbolo, de acordo com o governo, do sucesso da China no controle do coronavírus.
Mas nem todos estão convencidos. Muitos expressam preocupação com uma retomada desigual, enquanto persiste o medo de uma nova onda epidêmica.
“A economia realmente se deteriorou. O interesse em vir trabalhar é discutível”, disse Yi Xinhua, um vendedor de tofu de 51 anos no mercado de produtos frescos de Wuhan.
Uma reclamação comum entre os comerciantes de Wuhan, que atribuem isso ao medo das pessoas de sair, e à ideia amplamente difundida de que milhões de residentes deixaram a cidade no início da epidemia e ainda não voltaram.