17/09/2021 - 12:50
Os cientistas cartografaram pela primeira vez um vento galáctico, o reservatório de gás de uma galáxia, e assim observaram parte de sua matéria “perdida”, de acordo com um estudo divulgado na quinta-feira (16).
“As galáxias raramente são ilhas passivas de estrelas”, mas sim estruturas dinâmicas, cuja formação e evolução são difíceis de estudar, afirma o astrofísico Nicolas Bouché, entrevistado pela AFP.
Uma compreensão que se torna ainda mais difícil porque, segundo a teoria, as galáxias são constituídas sobretudo por uma misteriosa matéria escura, de natureza desconhecida e, portanto, invisível, e por apenas cerca de 16% de matéria bariônica, a dos átomos e moléculas do Universo visível.
Como se isso não bastasse, a observação de galáxias revela apenas 20% dessa matéria bariônica. O resto – a matéria “perdida” – seria enviada de volta ao espaço pelo vento galáctico, uma nebulosa de gás e poeira causada pela explosão de estrelas dentro da galáxia.
Uma equipe internacional liderada por pesquisadores do Centro de Pesquisa Astrofísica de Lyon (Cral) mapeou essa nebulosa de matéria perdida usando o espectrógrafo Muse, acoplado ao Very Large Telescope (VLT) do Observatório Europeu Austral instalado no deserto chileno de Atacama.
– Reservatório de matéria –
“É como se víssemos um iceberg pela primeira vez”, comenta Nicolas Bouché, pesquisador do Cral e co-signatário do estudo publicado na prestigiosa revista britânica MNRAS, com seu autor principal, Johannes Zabl, do departamento de astronomia da Universidade Canadense de Saint Nary.
Os pesquisadores já haviam observado nebulosas de galáxias, mas muito mais difusas. Desta vez, a observação de Gal1, uma galáxia bastante jovem com cerca de um bilhão de anos, revelou “uma nuvem de gás produzida por esses ventos galácticos, que escapa dos dois lados do disco da galáxia, por dois cones assimétricos”.
Gigantesca em tamanho, esta nuvem persistente se estende por mais de 80.000 anos-luz do centro de Gal1. Para efeito de comparação, o diâmetro da nossa Via Láctea é de cerca de 100.000 anos-luz.
Apesar de seu tamanho, essa nebulosa de gás representa apenas “cerca de 10 a 20% da massa da galáxia” observada, segundo Bouché. Ela atua como um reservatório de matéria, do qual a galáxia retira para alimentar sua formação de estrelas.
Parte da nuvem cairia de volta no disco galáctico para formar essas estrelas, algumas das quais, eventualmente explodindo, reenviariam matéria de volta à nebulosa e assim por diante.
– “Mapa” –
Os cientistas conseguiram estabelecer um “mapa” dessa nebulosa, fornecendo informações sobre seu volume e massa, graças a uma feliz combinação de circunstâncias e ao notável instrumento Muse.
O espectrógrafo de campo amplo fornece uma imagem tridimensional, na qual às duas dimensões da ótica se soma a da análise da luz, o que permite detectar a presença de elementos primordiais.
Nesse caso, um quasar – objeto particularmente brilhante do Universo – serviu, por sua proximidade com a galáxia Gal1, de “farol”, traindo a presença de magnésio.
“Detectamos então esse mesmo elemento na galáxia e, portanto, a presença do gás associado a ele”, diz Bouché.
A observação dos dois cones de gás foi possível, aliás, apenas porque a galáxia se apresentava quase de perfil para a observação.
Os astrônomos já conheciam este tipo de nebulosa no universo perto de nós, e portanto recente, observa um comunicado de imprensa do CNRS. Mas só se supunha sua existência para galáxias jovens, ainda em formação, como a Gal1, apreendida quando o Universo, mais distante, tinha sete bilhões de anos, ou seja, cerca da metade de sua idade atual.
Os pesquisadores vão agora observar várias galáxias, para “entender por que Gal1 tem nuvem e outras não, e quais as condições que favorecem sua presença”, segundo Bouché.
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