Tudo parecia ótimo. O plano de privatizar os Correios em sua totalidade poderia render até R$ 30 bilhões para União e, principalmente, tiraria do governo federal obrigações financeiras com a estatal. Mas na prática a teoria é outra. A Procuradoria Geral da República (PGR) na figura de Augusto Aras (que sempre foi aliado de Bolsonaro) se colocou contra tal medida após ser interpelado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Se você não está entendendo nada sobre como chegamos até aqui, eu explico.

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1) O argumento da PGR é válido

Em documento enviado ao STF a PGR argumenta não ser possível vender a totalidade dos serviços oferecidos pelos Correios pelo simples fato dos serviços postais e aéreos serem da União (isso significa que a empresa não responde apenas ao chefe do Executivo nacional). Augusto Aras ainda explicou que a Constituição impede a “prestação indireta” dos serviços postais e do correio aéreo nacional.

2) Bolsonaro usou da canetada para mudar o programa de privatização

A privatização dos Correios passou a ser permitida após o Decreto 10.674/2021, de autoria do presidente da República que incluiu a estatal no Programa Nacional de Desestatização (Lei 9.491/1997). O problema é que o STF questionou também a constitucionalidade do decreto, considerando-o uma canetada e que contraria diretamente uma indicação da Carta Magna brasileira. Para que houvesse tal mudança, seria necessária uma Proposta de Emenda Constitucional, realizada pelo Congresso Nacional.

3) Manter os Correios nas mãos do Estado é importante

Pode parecer conversa de quem é contra privatizações, mas em um País continental como o Brasil e com uma população com abissais diferenças sociais, manter público o serviço postal é também uma política pública em direção a uma sociedade mais justa. Na Constituição de 1988, entendeu-se que garantir o acesso postal aos brasileiros independente de onde ele more, seria uma forma de garantir a cidadania de todos. De fato a universalização do serviço postal foi a única efetivamente realizada após a redemocratização (saúde, educação e saneamento ainda estão longe de atender todos de maneira igualitária). Ao privatizar, o governo joga nas mãos de empresas privadas e que visam o lucro a responsabilidade social de tornar todos os brasileiros iguais por meio do acesso ao serviço postal.

4) Vender os Correios também é importante

O governo não tem mais capacidade de lidar com a estrutura postal que criou. A chegada do e-commerce, a digitalização de boa parte do sistema bancário e a mudança de comportamento no uso do serviço (do papel para as caixas) fizeram a empresa crescer de modo exponencial e não ser, nem de perto, a mesma companhia pública pensada na Constituinte. Ainda que a empresa tenha revertido os prejuízos acumulados entre 2016 e 2019 e lucrado mais de R$ 1 bilhão em 2020, a operação é custosa para o governo, que não terá condições de elevar o investimento que o serviço merece para que ele atenda com qualidade todos os lugares do País. Se o plano é avançar com o serviço postal, trazendo mais agilidade, inteligência e qualidade, será preciso um dinheiro que o governo federal não tem para investir.

5) Nenhuma solução apresentada é a ideal

Não será na canetada de Bolsonaro ou na greve dos funcionários que se chegará a uma solução para o problema postal que o Brasil vive (e vai viver no futuro, sendo privatizado ou não). Para que se tome uma solução equilibrada é primeiro preciso largar mão desse sentimento de urgência e desespero que o governo tenta impor nesse frenesi das privatizações. Os Correios lucraram em 2020. A situação não é tão periclitante que precise ser resolvido na canetada ou ter seu andamento questionado no STF. Por outro lado, a realidade não é tão confortável a ponto de esquecer o assunto. Privatizar em fatias e se desfazer aos poucos dos serviços poderia ser uma solução de longo prazo; encontrar parceiros comerciais para assumir a operação em cidades com maior demanda também seria uma saída. Elevar a eficiência, rever quadro de funcionários e repensar gastos figura entre as boas ideias. Mas nenhum desses pontos será atingido na gritaria, na pressa ou na pressão. Na política do quem falar mais alto vence, todos gritam, mas ninguém se escuta.