O ano de 2021 não foi assim tão escasso para o cinema. Nem em número de filmes, nem no retorno sobre o investimento. Houve blockbusters como “Homem-Aranha: Sem Volta para Casa” (US$ 200 milhões de custo/US$ 1,83 bilhões de faturamento), “Ghostubusters: Mais Além” (US$ 75 milhões contra US$ 197 milhões), “Duna” (US$ 165 milhões/US$ 400 milhões), “Eternos” (US$ 200 milhões/US$ 402 milhões), “007 – Sem Tempo para Morrer” (US$ 300 milhões/US$ 774 milhões) e “Viúva Negra” (US$ 200 milhões contra US$ 379 milhões). Uma frustração foi “Matrix Resurrections”, que custou US$ 190 milhões e fez apenas US$ 156 milhões). E o restante, quase 180 longas, se debateu em fazer receita na grande tela para pagar a produção. Lucro mesmo, só quando a receita soma três vezes o custo. Nem James Bond fez isso.

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Com o ano ainda pandêmico de 2021 assolando as salas de cinema, não houve a atração do espectador de antigamente, que tinha o hábito de simplesmente olhar o que estava passando e se preparar para a experiência, que inclui pipoca, refrigerante, doces, duas horas fora das preocupações da vida, no escuro, muitas vezes acompanhado. E vários filmes, incluindo os blockbusters, estrearam na pequena tela junto ou com poucos dias de diferença dos cinemas.

Só que a indústria não está preparada para “desescalar” assim. Ela ainda acredita em uma volta pelo menos parcial e substancial para as milhares de salas de cinema. E a pergunta que se faz é: o que vai acontecer com esses futuros pequenos e médios filmes que não vão ser produzidos por falta de orçamento e retorno? “Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson, é um exemplo. Ambientado na década de 70, tem uma pequena-grande história do primeiro amor, dos erros da juventude, de aprendizados que muitas vezes não levamos para a vida. Indicado a três Oscar, de Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Original, conta a história de um casal que começa um flerte de amizade e amor refratário, construindo um sôfrego primeiro negócio de colchões de água juntos, entrando em confusões e separando-se para se reencontrarem depois.

Thomas Anderson é autor de filmes densos como “Sangue Negro”, com Daniel Day‑Lewis, e “O Mestre”, com Joaquin Phoenix, o que confere um texto acima da média das produções americanas. A escolha dos dois atores, Alana Haim e Cooper Hoffman, “desconhecidos”, fora dos padrões de beleza, mas com um carisma meio torto, é mais uma sacada genial de quem está fazendo um filme para marcar, “de história”, e não de celebridades. O cenário do Vale de San Fernando também contribui e traz aquela nostalgia de filmes como “American Graffiti” (1973), de George Lucas. Então é o típico filme que, de boca em boca, se transforma em um hit que todos querem ver no cinema, ainda mais com indicações ao Oscar.

Mas aí nasce o problema em pleno 2022. Com orçamento de US$ 40 milhões e encerrando carreira na grande tela (ainda está em cartaz no Brasil), só faturou US$ 26 milhões no mundo todo. Se ganhar Oscar, talvez tenha uma nova vida nas bilheterias. Se for para o on-demand, terá mais uma renda. Algumas cópias de Blu-Ray e pronto, secou a fonte. Outros filmes de qualidade também não estão retornando dinheiro para seus produtores.

“O Beco do Pesadelo”, de Guillermo del Toro, custou US$ 60 milhões e faturou US$ 35,7 milhões. “Casa Gucci”, de Ridley Scott, US$ 75 milhões, faturou US$ 152 milhões (quase lá, graças à polêmica construção da vida da grife), “Spencer” (mostrando uma ficcional caracterização da princesa Diana), US$ 18 milhões, somou US$ 21,1 milhões. “Amor, Sublime Amor”, nova versão do clássico, dirigido agora por Steven Spielberg, custou US$ 100 milhões e até agora só fez US$ 70,5 milhões. A conta, pelos antigos patamares de 3×1, não fecha mais.

As grandes produções vão migrar ou já migraram para o on demand. “Matrix”, “Viúva Negra” e “Duna” nasceram assim, com dinheiro das plataformas de streaming. E nem vamos falar das que foram produzidas por elas, como “Alerta Vermelho”, com a Mulher Maravilha Gal Gadot e Dwayne Johnson; “Apresentando os Ricardos”, com Nicole Kidman como Lucille Ball, indicado ao Oscar; “Free Guy: Assumindo o Controle”, com Ryan Reynolds, que praticamente tem um contrato vitalício com a Netflix; e o mais falado de todos em 2021, a comédia “Não Olhe para Cima”, com Leonardo DiCaprio, também da Netflix.

Não que eles não tenham estreado no cinema, pois para concorrer ao Oscar, precisaram: “Não Olhe para Cima” tem quatro indicações, incluindo Melhor Filme, custou US$ 75 milhões e, no cinema, só fez US$ 1,5 milhão. Não há dúvida: para os próximos anos, esse cenário de 2021 não se repetirá com o mesmo bolo de dinheiro no bolso, e com o mesmo número de pequenos-grandes filmes de médio orçamento.