21/08/2002 - 7:00
DINHEIRO ? O acordo com o FMI é bom para o Brasil?
MAURO BENEVIDES FILHO ? Olhando a situação de curto prazo, não havia outra alternativa. É uma fonte de dólares de longo prazo, a um custo barato, e o Brasil vive uma escassez de crédito. Mas a tensão do mercado financeiro nos últimos dias é uma demonstração clara de que isso não basta. É preciso corrigir rapidamente os fundamentos da economia. Não podemos recorrer ao Fundo sistematicamente. Temos que fazer o dever de casa e andar com as próprias pernas.
DINHEIRO ? O que há de errado com os fundamentos?
BENEVIDES ? A dívida interna saltou de R$ 61 bilhões, em 1994, para R$ 650 bilhões, especialmente em razão da política de juros. Todos os anos, o Banco Central prometeu que reduziria a relação entre a dívida e o PIB, mas só errou. Ela saltou de 29% para 58%
do PIB. Qual a mensagem que se transmite? A que o governo não será capaz de honrar suas dívidas e isso assusta o mercado. É por isso que o dólar sobe.
DINHEIRO ? O que o sr. propõe para corrigir o problema?
BENEVIDES ? Os juros são altos em razão do déficit externo, de US$ 20 bilhões, que se soma à necessidade de outros US$ 30 bilhões anuais para rolar a dívida externa privada. Ou seja: a cada ano, o Brasil precisa atrair US$ 50 bilhões e, por isso, tem tido uma economia tão vulnerável aos choques internacionais. Em dois anos, nossa meta é reduzir o déficit externo para US$ 7 bilhões.
DINHEIRO ? Qual a receita para alcançar essa meta?
BENEVIDES ? Nossa reforma tributária irá desonerar completamente a produção. Os tributos irão incidir sobre o consumo, porque o Brasil não pode mais exportar impostos. Além disso, teremos uma política de tarifas para conter e substituir importações.
DINHEIRO ? Isso significa rever a abertura econômica?
BENEVIDES ? Não. Todos os acordos comerciais do Brasil já permitem uma política de tarifas mais agressiva. Mas há um ponto importante: as alíquotas serão declinantes ao longo do tempo, para não gerar ineficiências no setor produtivo. As empresas terão que buscar mais e mais produtividade.
DINHEIRO ? Isso bastaria para reduzir o rombo externo?
BENEVIDES ? Não, tarifas não bastam. É preciso estimular o crédito. Os exportadores terão recursos do BNDES a 6% ao ano. O banco toma recursos do FAT a 3% e não precisa emprestar a 12%, para ter um lucro de R$ 900 milhões no ano. O papel do BNDES será fomentar as exportações.
DINHEIRO ? Num eventual governo Ciro, o País teria uma taxa de câmbio mais desvalorizada para resolver logo o problema das contas externas?
BENEVIDES ? Câmbio flutuante serve para isso, ou seja, para ajustar desequilíbrios externos. Estamos comprometidos com o regime de câmbio flutuante.
DINHEIRO ? O fato de muitas grandes empresas carregarem dívidas pesadas em dólar não o preocupa?
BENEVIDES ? Quem se endividou, o fez porque acreditou
naquela taxa de câmbio do passado. Mas o governo não pode
pagar por dívidas e decisões de cunho privado. Não se pode socializar os prejuízos.
DINHEIRO ? Qual é a reforma tributária que o sr. propõe?
BENEVIDES ? É simples. Teríamos um imposto sobre o consumo, com alíquota superior à média atual do ICMS. Ficaria, portanto, acima de 14%. Parte da receita iria para um fundo de compensação. Assim, Estados que produzem mais do que consomem, como São Paulo, não perderiam arrecadação. Não queremos criar nenhum desequilíbrio na Federação. Teremos também um imposto sobre heranças e doações, outro sobre propriedade, e ainda um tributo seletivo sobre produtos como bebidas, cigarros e serviços como telefonia e energia ? nesses casos, com isenções para a população de baixa renda. Por último, o imposto de renda seria substituído por um imposto apenas sobre a renda consumida.
DINHEIRO ? Como assim?
BENEVIDES ? Todos querem crescer, mas ninguém diz de onde
vem o dinheiro. O imposto sobre a renda consumida serve para estimular a poupança interna. Se uma pessoa ganha R$ 5 mil e poupa R$ 900,00, o imposto incidirá apenas sobre R$ 4,1 mil. Financiar a casa própria, por exemplo, é uma forma de poupança.
DINHEIRO ? Com apenas cinco impostos, seria mantida a mesma base atual de arrecadação?
BENEVIDES ? Já testamos o nosso modelo, e o resultado é animador. O Brasil vive hoje uma situação de grande informalidade, em razão do excesso de impostos. De cada 100 trabalhadores, 57 estão no mercado informal, fora do sistema de previdência. Nossa reforma tem como um dos objetivos centrais ampliar a base de arrecadação e reduzir a informalidade. Ao final, a carga tributária sobe de 34% para 35,8% do PIB. Com um detalhe: quem hoje paga, pagará menos no futuro. A diferença é que aqueles que estão fora passarão a contribuir.
DINHEIRO ? E a reforma da Previdência?
BENEVIDES ? Hoje, o déficit do INSS é de R$ 16 bilhões e
há outro de R$ 24 bilhões no sistema público federal. Nós
teremos um regime de capitalização com contas individuais,
parecido com o modelo chileno. Será um fundo público, gerido
por representantes do governo, trabalhadores, empresários e aposentados. Nele, o teto das aposentadorias será único,
valendo tanto para o setor privado quanto para o setor público. Acima disso, só na previdência complementar.
DINHEIRO ? Haverá alguma tentativa de taxar os inativos?
BENEVIDES ? Não, porque os direitos adquiridos serão respeitados. Mas quem ainda não se aposentou passará por uma regra de transição.
DINHEIRO ? Apesar da promessa de fazer as reformas, Ciro ainda inspira desconfiança em parte do empresariado. Por quê?
BENEVIDES ? Essa desconfiança não faz sentido. No nosso
projeto, tudo de errado estará sendo consertado: o problema externo, a desordem fiscal e o rombo da Previdência. Mudando a perspectiva, haverá um choque de confiança no País, com mais crescimento e mais emprego. Mas, é bom que se diga, trata-se
de um choque ortodoxo.
DINHEIRO ? E o alongamento da dívida? Fica no programa?
BENEVIDES ? Continua e será fruto do choque de confiança. O Banco Central, na gestão do Armínio Fraga, ampliou o prazo de vencimento dos títulos públicos de 11 meses para 36 meses, mas não conseguiu mais porque perdeu credibilidade. Nós queremos chegar a emitir títulos de 10 anos.
DINHEIRO ? Vocês também pretendem mudar o regime de metas de inflação?
BENEVIDES ? Vamos aperfeiçoar o modelo. A idéia é definirmos os juros com base em dois indicadores: inflação e desemprego. Hoje, o Banco Central leva em conta apenas os preços. Nós pretendemos somar os dois indicadores e estipular uma meta declinante ao longo dos quatro anos do governo. É parecido com o que se faz nos Estados Unidos.
DINHEIRO ? Isso reduziria os juros?
BENEVIDES ? No nosso governo, a taxa nominal será de 9%, já em 2004. Como isso é possível? Vamos fazer as reformas, reduzir o déficit externo, criar um choque de confiança e considerar também o nível de atividade econômica na hora de definir a política monetária. No futuro, poderemos até pagar um prêmio, com uma taxa de juros maior, para quem quiser comprar títulos de longo prazo.
DINHEIRO ? Vocês pretendem impedir a remessa de dólares, fechando as contas CC-5?
BENEVIDES ? Ninguém falou em fechar as contas CC-5. O Ciro só disse que irá acompanhar de perto o sistema para acabar com a farra e coibir as remessas de dinheiro ilegal, como do narcotráfico. Que mal há nisso?
DINHEIRO ? Como o sr. viu a iniciativa do presidente de convocar os candidatos para debater a crise?
BENEVIDES ? O mercado colocou o País no corner porque o Brasil demonstra incapacidade de honrar seus compromissos. O culpado até 31 de dezembro de 2002 é o presidente Fernando Henrique Cardoso. Nós vamos chegar para negociar, no dia 1º de janeiro, com as reformas prontas e detalhadas. São reformas, pedidas pela sociedade e pelo mercado, para dar solvência ao Brasil e evitar o default. É um choque de confiança, um choque ortodoxo.?
DINHEIRO ? E por que se fala num risco Ciro Gomes?
BENEVIDES ? O risco é a continuidade do atual modelo, que está explodindo com o País. O Ciro será visto como o homem que irá processar as reformas. Ele foi prefeito, governador e ministro da Fazenda. Nunca quebrou contratos. Olhem o passado.
DINHEIRO ? Como seria formada a equipe econômica num eventual governo Ciro?
BENEVIDES ? Ninguém conhece a máquina tão bem quanto o Ciro. Não falta gente boa disposta a colaborar com o País. Muitos técnicos do setor público já estão conosco, mas não aparecem com medo de represálias.
DINHEIRO ? O sr. pensa em ser ministro?
BENEVIDES ? Isso não está em discussão. Minha colaboração atual é com o programa de governo.
DINHEIRO ? Vocês terão apoio político para fazer as reformas?
BENEVIDES ? As reformas não serão vistas como uma briga de situação e oposição, mas sim como uma estratégia para salvar o País. Nunca o Congresso faltou ao presidente da República e não faltará desta vez, tendo em vista a gravidade da conjuntura nacional e internacional.