04/11/2019 - 16:31
“Lamento, não posso deixá-los passar sem ordens”, diz um civil iraquiano, que vigia um posto de controle improvisado a um policial, incrédulo, que lhe faz sinais em Bagdá.
Depois de um mês desafiando os toques de recolher oficiais e o fechamento de rodovias para protestar, os iraquianos mudaram as regras.
Uma tarde, dias atrás, policiais ergueram obstáculos de cimento nas ruas, isolando o acesso à praça Tahrir, centro nevrálgico dos protestos na capital.
Os manifestantes, um deles em um triciclo motorizado conhecido como ‘tuk tuk’, entraram em ação, perseguindo a polícia.
O ‘tuk tuk’ de cor vermelha parou em frente ao caminhão e bloqueou sua saída. Na ocasião, alguns jovens pressionaram os agentes para que voltassem a abrir a via até a Tahrir.
Surpreendentemente, os policiais cederam e o enorme caminhão recuou para levantar as barreiras, seguido pelo vitorioso ‘tuk tuk’.
“Reaberto por ordem do povo!” dizia o cartaz que os manifestantes se apressaram em pendurar.
As manifestações começaram em 1º de outubro em protesto contra a corrupção e o desemprego. A violenta repressão resultou em dezenas de mortos. Foram retomadas no fim do mês, com campanhas de resistência não violenta.
– “Fechado por ordem do povo!” –
No sul do país, os iraquianos organizam protestos sentados em escolas, rodovias, pontes e perto de edifícios do governo.
“Sem país? Não tem aula!” é o slogan repetido por milhares de estudantes que se negam a voltar às salas de aula até verem reformas radicais.
E o sindicato de professores prorrogou sua greve apesar das ameaças de consequências legais.
A maioria das administrações das grandes cidades estão fechadas com cartazes em que se lê: “Fechado por ordem do povo!”
Em Diwaniya, 200 km ao sul de Bagdá, a sede provincial do governo virou um lixão.
O prédio está fechado desde que, em outubro, manifestantes o invadiram. Agora, diariamente, caminhões e moradores jogam ali seu lixo.
E em Rumaitha, cidade do sul conhecida por desencadear a revolução de 1920 no Iraque contra o mandato britânico, os moradores estão fazendo o governo provar do próprio veneno.
Em um protesto recente, um manifestante pegou um megafone para dizer: “declaramos toque de recolher para todos os funcionários e veículos do governo, e o fechamento de todos os quartéis-generais do partido!”. Ao seu redor, as pessoas cantavam vivas.
As cidades e povoados do sul impuseram toques de recolher em uma tentativa de reprimir os protestos, mas como o movimento prosseguiu, os moradores os ignoraram.
– Desafios –
Em Bagdá, o Exército anunciou na semana passada que começaria a impor um toque de recolher da meia-noite às 6 da manhã.
Na ocasião, ocorreram os protestos noturnos mais multitudinários já vistos na praça Tahrir. Uma maré humana desafiou a ordem.
As pessoas permaneceram acampadas na praça, montaram barracas de camping e ocuparam um prédio de 18 andares. Dali, jovens observam a multidão se reunir na praça Tahrir e na ponte Al Jumhuriya, que leva à Zona Verde.
A tropa de choque da Polícia ergueu barricadas ao longo dessa ponte para evitar que os manifestantes entrem na área, que abriga escritórios do governo e embaixadas.
Os que observam de cima ficam em uma posição privilegiada, que aproveitam para monitorar e debochar das forças de segurança.
“Bem-vindos ao turno da manhã!”, gritam pelos alto-falantes às unidades da Polícia.
Abaixo, os manifestantes entregam documentos de identidade falsos. No campo nacionalidade, lê-se “iraquiano honesto” e no da profissão, “manifestante pacífico”.
Os protestos adquiriram um tom mais sério nos últimos dias. Grupos falam de política e economia ou debatem a Constituição, artigo por artigo.
Alguns defendem o retorno do sistema presidencialista, outros consideram que o país precisa de um ditador. Mas convergem nas críticas do sistema atual.
“As pessoas competentes estão aqui em Tahrir, não lá”, comenta um manifestante, apontando para a Zona Verde.