Nas últimas semanas, o presidente da Fiat na América Latina, Cledorvino Belini, foi uma voz solitária no Brasil. Enquanto muitos de seus colegas do meio empresarial, economistas, líderes políticos, diretores de associações setoriais, consultores, analistas, experts embarcavam no discurso alarmista, Belini não se deixou levar pelo pessimismo. Os brasileiros passaram a comprar menos carros? Os números estão aí e não dão margem a dúvida. Os próximos meses serão incertos? Sim, ele reconhece. Há empresas em dificuldade? Belini, obviamente, sabe disso. O que o incomoda, e que faz com que o presidente da Fiat desperte certa polêmica, é a maré de lamentações. ?É preciso olhar para a frente?, diz. ?O lado psicológico está causando mais estragos do que a crise em si. Tem gente entrando em desespero por nada.? Belini coloca os números na mesa: 2008, acredite, será o melhor ano da história da indústria automobilística no País. A subsidiária brasileira da Fiat encerra o ano na liderança do mercado e com lucro, pela quarta vez consecutiva. Todos os planos de investimento da montadora no Brasil, que somam R$ 5 bilhões até 2010, serão rigorosamente mantidos. Entre lançamentos e versões, a Fiat colocou em 2008 dez novos produtos na praça ? o maior volume em muito tempo. Por essas razões, Belini foi eleito Empreendedor do Ano na categoria Indústria. ?Sou um otimista por natureza e acho que isso ajuda muito na vida de qualquer um.?

Belini divide o ano de 2008 em dois períodos distintos. Até julho, a indústria viveu em euforia, com crescimento de vendas acima de 30% ante 2007. Em agosto, o mercado começou a mudar. Nos meses seguintes, como resultado da crise financeira global, houve uma completa transformação. Segundo dados divulgados na semana passada pela Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), em novembro as vendas de veículos novos caíram 24,95% em relação ao mesmo mês do ano passado. Em outubro, primeiro mês do ano com retração nesse comparativo, a queda havia sido de 2,1%. É uma crise feia? Para Belini, não. ?Em unidades vendidas, já superamos a marca de 2007, que havia sido excepcional?, diz o presidente da Fiat. ?Acredito que podemos fechar 2008 com uma evolução em torno de . Dá para chamar isso de ruim?? Tudo indica que o mercado terá performance parecida, com alta também na casa dos . Se a projeção se confirmar, significa que o Brasil terá absorvido algo como 2,7 milhões de carros, o melhor desempenho da história. Sérgio Reze, presidente da Fenabrave, acha que o número pode ser mais animador. ?A tendência de queda foi amenizada?, afirma. Na quarta semana de novembro, foram vendidos 9.392 carros. Na terceira, 7.051.

Para um executivo inquieto como Belini, olhar para os números não é o suficiente. A sua forma de trabalhar é outra. ?É preciso ter um compromisso permanente com o futuro?, diz. ?Não se deve remoer problemas. Quem faz isso corre o risco de ficar paralisado.? Por isso mesmo, o grande projeto de Belini tem a ver com os próximos anos da montadora. Está em andamento um dos maiores ciclos de investimento da montadora no País. Até 2010, a Fiat vai injetar R$ 5 bilhões no Brasil ? e nenhum centavo será reduzido, assegura o presidente da subsidiária brasileira. ?Conversei com Sergio Marchionne, nosso CEO mundial, e não enxergamos razão nenhuma para diminuir o ritmo de investimentos?, diz Belini. Boa parte do dinheiro está sendo aplicada na ampliação da fábrica da Fiat em Betim, Minas Gerais. Quando a obra for concluída, a planta terá aumentado sua capacidade de produção das atuais 700 mil para 800 mil unidades e passará a ser a quarta maior da Fiat no mundo. Belini vem acompanhando as reformas de perto, de forma quase obsessiva. A ampliação foi planejada para ser concluída em 2009 e o presidente não quer nem ouvir falar em atrasos. ?As paredes foram erguidas, o telhado está posto, o piso já foi feito. Só falta instalar as máquinas?, diz Belini. O restante do dinheiro, segundo ele, será destinado para o desenvolvimento de produtos e melhoria de processos.

Belini coordenou em 2008 um dos lançamentos mais ambiciosos da Fiat nos últimos anos. Colocado nas concessionárias em outubro ? no calor da crise, diga-se ? , o Linea simboliza a volta da empresa ao segmento dos sedãs médios, no qual estreou bem com o Tempra, na primeira metade dos anos 90, mas se deu mal com o sucessor Marea, aposentado há um ano. Belini não só achou que havia espaço para o Linea como lutou, junto à matriz, pelo seu lançamento no Brasil, algo que ainda despertava dúvida nos italianos. A palavra de Belini tem grande peso na Itália. Ele é o responsável direto pela manutenção do Uno no mercado brasileiro. Quando o Palio foi lançado, em 1996, a direção mundial fez grande pressão para que o Uno fosse retirado do mercado brasileiro. Na lógica estrangeira, não fazia sentido manter em circulação dois carros populares, pois havia risco de canibalização. ?Insisti e acho que acertei?, diz Belini. O Uno é ainda hoje o segundo carro mais vendido do Brasil, atrás do Gol. O Palio está em terceiro lugar.

Os italianos respeitam Belini porque ele é conhecido como um executivo que ?entrega? resultados. Num relatório recente, o Morgan Stanley afirmou que a filial brasileira da Fiat foi o principal trunfo da companhia italiana em um bem-sucedido plano de recuperação. ?A Fiat Auto continua a ser salva pelo Brasil?, afirma o documento. Belini assumiu a presidência da montadora em fevereiro de 2004, depois de comandar uma reestruturação bem-sucedida na Magneti Marelli Cofap. Ele assumiu a Fiat brasileira com a responsabilidade de reverter um quadro de prejuízos. No primeiro ano de sua gestão, a montadora deu lucro. O segredo? ?Havia uma cultura de busca obsessiva pela liderança, o que acabou colocando o resultado financeiro em segundo plano.? Belini cortou custos, mudou processos, instituiu programas focados na performance financeira. Hoje, de forma mais do que justa, é reconhecido como um dos executivos mais talentosos da Fiat no mundo.