04/01/2023 - 11:49
O corpo ministerial do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é menos heterogêneo do que a frente ampla defendida pelo presidente ao longo da campanha eleitoral, avalia o cientista político Fernando Limongi.
“A frente ampla da campanha apareceu apenas parcialmente na escolha ministerial e a expectativa era maior nesse sentido. Não que a composição feita nos ministérios seja estreita. Mas o que nós temos neste início de governo é mais uma coalizão necessária para governar”, afirma em entrevista à DW Brasil.
Ao longo da disputa presidencial, Lula reuniu apoios vindos da esquerda à centro-direita para derrotar Jair Bolsonaro. Dos 37 ministérios, 10 estão nas mãos do PT, oito em partidos que não o apoiaram na eleição (MDB, União Brasil e PSD) e 11 com ministros sem filiação partidária. Há ainda cargos com Rede, PCdoB, PSB, PSOL e PDT.
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Para Limongi, que é professor aposentado de ciência política da USP e docente na Escola de Economia de São Paulo da FGV, dado que o PT ocupa a maior parte dos cargos, a coalizão está mais à esquerda do que ao centro.
“Está bem distante do que é a composição da Câmara e do Senado atualmente, que é de centro-direita. Mas é preciso esperar para ver como essa centro-direita vai se organizar a partir de agora e como essa força estará ao redor do governo”, afirma.
O cientista político acredita que a coalizão desenhada por Lula neste momento deve se expandir ao longo do governo, diante da necessidade de aprovar projetos no Congresso. “A tendência é que essa composição se amplie com o tempo, ainda que de forma mais pragmática”, pontua.
A composição ministerial, segundo Limongi, também pode servir de preâmbulo para a disputa presidencial nas eleições de 2026. “Simone Tebet e Geraldo Alckmin podem se constituir em possibilidades de candidaturas de centro em relação ao Fernando Haddad ou qualquer outro nome que venha do PT. Esses dois também podem ser uma força contrária ao nome que surgir do núcleo bolsonarista”, avalia.
DW Brasil: A frente ampla defendida por Lula durante a campanha apareceu na escolha do corpo ministerial?
Fernando Limongi: A frente ampla da campanha apareceu apenas parcialmente na escolha ministerial e a expectativa era maior nesse sentido. Não que a composição feita nos ministérios seja estreita. Mas o que nós temos neste início de governo é mais uma coalizão necessária para governar.
Partidos que não apoiaram Lula nas eleições (MDB, União Brasil e PSD) foram contemplados com oito ministérios. O que esse número representa na prática para a governabilidade?
O arranjo feito por Lula lhe dá 51% dos votos na Câmara (cerca de 262 deputados) e 55% do Senado (cerca de 45 senadores). É uma maioria bem estreita. Óbvio que tem mais partidos a serem integrados com distribuição dos cargos de segundo escalão, mas essa tem de a ser a característica dos primeiros anos de primeiro mandato em todos os governos. Uma coalizão mais estreita no começo e uma abertura maior depois.
O Fernando Henrique Cardoso começa com uma composição menor e depois é forçado a incorporar o PP e ter uma maioria mais confortável para aprovar a reforma da Previdência, após uma derrota na comissão especial encarregada de analisar a proposta. A mesma coisa aconteceu com o Lula, que começa o governo sem o PMBD e depois vai incorporando o partido à sua base para integrar o governo, até chegarmos em um momento catalisador que foi o mensalão. A tendência é que essa composição se amplie com o tempo, ainda que de forma mais pragmática.
Existem condições que diferenciam este governo de outros?
A eleição foi bastante polarizada, dividida e a vitória do Lula foi apertada. Ao mesmo tempo, houve a eleição de uma grande bancada de direita comandada pelo Jair Bolsonaro e com uma votação surpreendente no primeiro turno. Agora, muitos desses partidos que pularam na canoa do bolsonarismo vão precisar rever sua estratégia. Assim, vai se depurando aquilo que será oposição e o que será governo. Essas forças demoram um pouco a se organizar, então ainda teremos trocas de partido e definições partidárias que podem mudar o rumo do que estamos vivendo agora, e essas acomodações são naturais do processo político. Esse início de lua de mel vai se transformando. Lula precisou pagar dívidas agora e quem se provar incapaz ou sem capacitação de entregar, vai dançar.
A composição ministerial com PSD, União Brasil e MDB é benéfica para o PT no Congresso? A partir da nomeação de ministros, ficam garantidos votos de parlamentares dessas legendas a projetos do Executivo?
Esses partidos são pragmáticos, ainda que o União Brasil tenha alguns elementos estranhos ao PT, como o ex-juiz Sergio Moro, que se elegeu senador pelo Paraná e não vai compor com o governo de forma nenhuma. Mas a tendência é de que, firmado o acordo desse tipo entre os partidos em nível nacional, e ainda que com algumas dissidências regionais, sejam siglas confiáveis e entreguem os votos para aprovar projetos no Congresso. O que nós ainda precisamos esperar é a forma como os partidos vão se posicionar à medida que o governo for definindo a sua linha política, o discurso e como ele vai se relacionar com os grupos políticos.
Lula deu ao PT ministérios-chave, como Fazenda, Casa Civil, Educação, Desenvolvimento Social e Relações Institucionais. Como o senhor analisa tais escolhas?
O partido do presidente vai centralizar os postos-chave e ministérios importantes porque sabe que ali estão os processos decisivos para o país. É uma forma de controlar o dinheiro, as ações de maior impacto e deixar marcas da gestão perante o eleitorado.
O senhor acredita que nomes como os de Fernando Haddad, Simone Tebet e Geraldo Alckmin, nomeados ministros, iniciam seus mandatos já de olho nas eleições de 2026?
A disputa começou assim que a urna em 2022 foi fechada. Esses três nomes estão no páreo. Em geral, nos dois primeiros anos de governo essa luta é menos aberta. É uma tentativa de ocupar espaço, marcar posição e em algum momento se definem campos e grupos mais definitivos. Lula já disse que está com idade avançada e que não será candidato à reeleição. A partir daí, as peças se movem.
Tebet e Alckmin podem se constituir em possibilidades de candidaturas de centro em relação ao Haddad ou qualquer outro nome que venha do PT. Esses dois também podem ser uma força contrária ao nome que surgir do núcleo bolsonarista. Tem muita água para rolar ainda. Políticos pensam nisso, mas quem se apreça demais corre o risco de se queimar.
Em 2002, por exemplo, quem apostaria na figura da Dilma para ser sucessora do Lula em 2010? Todos imaginavam que seria o José Dirceu. Ela chefiou a Casa Civil, houve o mensalão e ganhou espaço internamente no partido. Mas ainda é muito cedo para prevermos algo.
Ao olhar para o corpo ministerial atual, pode-se dizer que o governo fez uma composição mais à esquerda ou ao centro?
Dado que o PT ocupa a maior parte de cargos, a coalizão está mais à esquerda do que ao centro. E está bem distante do que é a composição da Câmara e do Senado atualmente, que é de centro-direita. Mas é preciso esperar para ver como essa centro-direita vai se organizar a partir de agora e como essa força estará ao redor do governo. São forças que estão se delineando. A liderança da centro-direita sempre foi exercida pela dupla PSDB-PFL. O PSDB praticamente desapareceu, e o PFL, que se transformou em DEM, desembocou no União Brasil. O União está indo em direção a Lula, mas esse movimento não pode ser brusco, leva tempo. Ou seja: os movimentos estão acontecendo.
Partidos como PP, PL e Republicanos podem compor com o PT em pautas específicas ou isso é improvável?
Não acredito que PP, PL ou Republicanos entrem para o governo ou apoiem o governo sem contrapartida. Eles vão se consolidar como partidos de oposição. Mas a situação da oposição é ainda mais indefinida que a do governo, porque eles estão sem rumo desde que o Bolsonaro deixou a vida pública. Ainda não sabemos se e como ele pretende liderar essa oposição como uma alternativa para 2026.
De qualquer forma, são grupos que podem encontrar apoio em governos estaduais nos próximos quatro anos: Minas Gerais, com Romeu Zema, Rio de Janeiro, com Cláudio Castro, e São Paulo, com Tarcísio de Freitas.
A oposição tem como sobreviver e se organizar. A questão é quem vai liderar isso. Quanto menos organizada a oposição estiver, mais fácil será para o governo Lula fazer alianças e conquistar votos no Congresso.