30/04/2008 - 7:00
ESSE É NÚMERO DE CAIXAS da bebida Coca-Cola vendidas no Brasil no ano passado. Resultados dessa magnitude são freqüentes quando se trata da multinacional americana, uma das marcas mais valiosas do mundo, com US$ 142 bilhões de valor de mercado, US$ 28,8 bilhões em vendas globais e presença em 200 países. Tudo na Coca é gigantesco. Dessa vez, não foi diferente. Essa venda astronômica tornou- se recorde histórico de desempenho da empresa no País. O resultado acaba de ser apresentado em relatório mundial do grupo em Atlanta, nos EUA. Como cada caixa armazena uma certa quantidade do produto, estima-se que foram mais de 5,6 bilhões de litros consumidos pela população brasileira no ano passado. Cada brasileiro bebeu no ano 30 litros de Coca-Cola, em média. É quase meio litro por semana. Acha pouco? Em três anos, entrou 1/3 a mais de Coca na geladeira de cada consumidor por aqui. E a contagem continua. Neste ano, até março, a fabricante vendeu 11% acima do apurado no primeiro trimestre de 2007 (incluindo todas as bebidas). Se repetir a dose do ano passado, o Brasil terá consumido até 6,5 bilhões de Cocas light, Zero ou tradicionais em 2008, calculam os especialistas. Que o brasileiro continua enchendo o copo, não há dúvidas. Somos há anos o terceiro maior mercado do grupo no mundo, em volume vendido (perdemos para os americanos e mexicanos). Agora, além disso, eles ainda passaram a lucrar muito mais no País. O grupo das subsidiárias latinoamericanas tornou-se o segundo mais rentável para a fabricante no mundo. O fato é que Neville Isdell, o CEO mundial da empresa, tem dito que não anda nada satisfeito com os números da Coca nos EUA e na Europa Ocidental. Quando questionado sobre o potencial dos mercados emergentes, o tom é outro. ?Brasil, China, Índia e Turquia tiveram incrível alta de dois dígitos nas vendas de bebidas com gás?, informou Isdell em carta ao mercado. ?Há uma enorme oportunidade ali?, disse ele, uma semana atrás, à imprensa local. ?Será graças ao crescimento nessas regiões e aos benefícios do dólar fraco que deveremos registrar nova expansão global em 2008?, completou o executivo.
“Boa parte dos bons resultados é reflexo da diversificação de portfólio”
BRIAN SMITH, PRESIDENTE NO BRASIL, em comentário recente
É a primeira vez que a América Latina (turbinada pelos resultados de Brasil e México) ocupa a segunda posição no ranking geral de lucratividade. Não é o único dado inédito. Apenas um ano após o lançamento da Coca Zero por aqui, o Brasil tornou-se o segundo país que mais consome o produto no mundo. Nessa, desbancou de uma vez só 54 países ? perdemos apenas para a mãe da marca, os Estados Unidos. O produto tornou-se o melhor lançamento da fabricante nos últimos 25 anos, admite o grupo no último relatório de resultados mundiais. No Brasil, o desempenho pegou de surpresa o próprio comando da subsidiária, representanda por Brian Smith, presidente da Coca-Cola Brasil. Quem o conhece confidencia que nem ele achava que a demanda cresceria tão rápido. Em 12 meses, a Coca Zero passou de 0,2% de participação (em março de 2007) para 4% em março passado no segmento de refrigerantes. São R$ 560 milhões a mais no caixa da Coca em um ano ? cada ponto equivale a R$ 140 milhões. Foi o único refrigerante (de cola) da marca que ganhou mercado dos rivais no último ano ? ele já é maior que a versão light da marca. ?Foi um lançamento extremamente bem planejado pela empresa. Ela precisava ser posicionada como algo realmente inovador, ou não funcionaria?, diz Marco Simões, diretor de Comunicação Corporativa da empresa. Depois que A Coca Zero foi para a rua, a linha light e a versão tradicional perderam participação. Com a bebida sem calorias, o share passou de 3,3% para 1,3% e com a normal, de 37,6% para 37,3% entre março de 2007 e 2008. Essa perda foi o preço pago pela empresa para tentar ampliar o seu próprio mercado de atuação. Havia o claro risco de canibalização dos produtos light com a entrada da Zero. Enquanto o primeiro tem dois adoçantes na fórmula, o outro possui três ? o que faz, de alguma forma, o sabor se aproximar ainda mais do modelo com açúcar, acreditam os consumidores. O interessante aí é que o tombo da Coca Light era esperado pela empresa, apurou a DINHEIRO. Esperavase que a venda alcançasse 1,8 vezes o volume mensal da versão light. O número atingido foi três vezes maior. Para a marca era preferível perder participação para ela mesma do que para a Pepsi ? caso esta entrasse com um produto com o mesmo apelo no País. Essa diversificação, que poderia ter se transformado num tiro no pé, foi fundamental para a companhia. Brian Smith já disse isso recentemente. ?Eu credito boa parte desse resultado à ampliação de nosso portfólio. Isso foi essencial?, tem repetido ele em reuniões internas, sobre a carteira de bebidas em geral. Foi investido pela marca R$ 1,3 bilhão no ano passado no País e será aplicado mais R$ 1,5 bilhão em 2008. Após o lançamento da Coca, a concorrência se mexeu. A AmBev jura que não há relação entre as fatos, mas ela decidiu tirar a palavra diet da embalagem de seu Guaraná Antarctica no ano passado. Agora, há só a palavra ?zero? estampada na lata.
Em um ano, os refrigerantes da Coca ganharam 1,5 ponto de participação de mercado
Sustentada na sua versão zero calorias, a Coca ganhou participação de mercado. Dos cerca de R$ 14 bilhões movimentados pelo segmento de refrigerantes no País no ano passado, a companhia (apenas com a linha cola) era dona de 42,6% das vendas em março. Há um ano, a participação atingia 41,1%, segundo dados da consultoria ACNielsen obtidos pela DINHEIRO. Esse crescimento é o gás extra de que o grupo mundial precisava. Aos 122 anos de idade, a Coca-Cola passou alguns anos tropeçando nos próprios passos. Enquanto os rivais antecipavam lançamentos de sucesso (Pepsi Twist e H2O! são ótimos exemplos) e jogavam boa parte das fichas nos mercados de sucos, chás e águas, a Coca parecia perdida. ?Quando o mágico começa a acreditar na própria mágica, então há algo errado. Estávamos burocráticos demais, andávamos devagar demais e as pessoas não estavam focadas no próprio trabalho?, disse Neville Isdell à imprensa estrangeira na semana passada. Contratado em 2004 para tirar a companhia do marasmo, Isdell nem havia sentado na cadeira quando decidiu publicar um documento ao mercado batizado de ?Manifesto pelo Crescimento?. Nele, falava o que faria para revitalizar a companhia até 2014. Três anos depois da publicação, o grupo fechou o ano passado com alta de 20% nas vendas, o lucro subiu 18% (ambas são as melhores taxas dos últimos cinco anos) e o ganho por ação subiu 19%. A boa fase não eliminou alguns problemas sérios, no entanto.
?As vendas de refrigerantes continuam caindo nos EUA e acredito que, mesmo diante de alguns números positivos, o ano de 2008 será difícil para a Coca e Pepsi?, diz o analista americano Greggory Warren. ?As commodities estão subindo de preço e essas empresas têm custos elevados com açúcar, por exemplo. Além disso, os consumidores estão buscando bebidas mais saudáveis e esses produtos ainda representam parcela menor das vendas dessas companhias?, afirma Gregory Estes, analista da Intrepid Capital Management.
No Brasil, a fabricante também passou por alguns maus bocados. Em meados da década de 90, a empresa perdeu espaço nas gôndolas para as marcas populares, produzidas regionalmente. Com preços agressivos e numa economia com renda em queda e desemprego em alta, as chamadas tubaínas abocanharam o share da Coca. Na década seguinte, a retração da economia em 2001 e 2002 fez a classe média mudar a cesta de compras. Marcas como Omo, da Unilever, e Nescau, da Nestlé, foram substituídas por outras mais baratas. A Coca-Cola também sentiu a mudança. ?Ela levou um tombo por aqui, mas já se levantou?, diz Eugenio Foganholo, sócio-diretor da Mixxer Consultoria. ?Porém, a Coca precisa ficar muito atenta. O brasileiro está mudando de forma acelerada o perfil de compras e está muito atento a novidades mais saudáveis?, diz ele. Dos seus 60% de participação no início dos anos 90, a empresa fechou a década com menos de 48% do mercado. Por isso, os resultados recentes têm a sua importância. Há agora uma reafirmação de que o passado pode ter ficado para trás.