Pilar da economia brasileira nos últimos anos, as robustas reservas cambiais ­— que atingiram US$ 343,6 bilhões em junho, ou pouco mais de R$ 1,6 trilhão — têm ajudado o Brasil a melhorar seus indicadores econômicos e contribuído de forma ativa para dissipar o temor internacional em relação ao futuro da economia. Isso é fato. Mas não é essa dinheirama toda que explica a solidez da economia aos olhos dos investidores.

Uma parte significativa desse dinheiro, o chamado “colchão de liquidez”, é o que mais tem gerado tranquilidade no mercado. Isso porque o Tesouro Nacional vem mostrando empenho em preservar cerca de R$ 1 trilhão como uma espécie de reserva de emergência (sem comprometimento do valor com endosso de dívidas do governo) para cobrir quedas pontuais de arrecadação ou para uma eventual necessidade de garantir a emissão de novos títulos públicos federais.

Enquanto o colchão de liquidez do Tesouro serve para gestão das contas públicas internas (como gastos e tributação), as reservas cambiais existem para a gestão das contas externas (exportações e importações). As duas estão no mesmo cofre, mas têm funções distintas. E as duas estão muito bem, na avaliação de especialistas ouvidos pela DINHEIRO. “A questão é simples como para uma pessoa física. Só dá para começar a investir se tiver uma reserva de três a seis vezes sua renda mensal”, disse o economista Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos.

“Agora, com a melhora das perspectivas fiscais e de mercado, pode-se até pensar em reduzir esse colchão de liquidez e colocar o dinheiro para trabalhar.”
Rodrigo Marcatti, CEO da Veedha Investimentos.

Bons números da economia ajudam Lula e Haddad nos projetos do governo, enquanto Rogério Ceron (abaixo) busca o equilíbrio para as reservas do Tesouro
(Valter Campanato/Agência Brasil)

É por isso que o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, apesar de ter definido como meta preservar ao máximo esse número mágico de R$ 1 trilhão, vê como desafio a manutenção de uma cifra tão elevada diante da necessidade de promover o crescimento dos gastos público.

“O colchão é feito para ser usado, não tem sentido ele ficar num patamar tão elevado. Esse é o ponto principal. Ele custa também”, disse Ceron, em uma entrevista ao jornal Valor.

Segundo ele, é esperada uma queda do colchão de liquidez para algo em torno de R$ 800 bilhões ou R$ 900 bilhões nos próximos meses, em razão dos juros altos e devido ao elevado nível de vencimentos, mas o objetivo é que seja recomposto logo em seguida.

Em junho, o colchão de liquidez ficou em R$ 1,118 trilhão, o suficiente para cobrir 8,52 meses de vencimentos de títulos à frente. O valor está bem acima do recomendado, de três a seis meses.

A combinação de cofre cheio, melhora generalizada dos números da economia e até elevação do rating do Brasil pela agência Fitch encorajou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a prever que o Brasil pode conquistar o grau de investimento (investment grade) até o fim do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao site Metrópoles, na quarta-feira (26), ele garantiu que o governo está determinado a recompor a base fiscal.

Selic sob ataque

O cenário favorável para a economia, somado à robustez das reservas do Tesouro, coloca ainda mais pressão nos ombros do Banco Central por uma redução da taxa básica de juros nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom).

A razão é que Selic alta se justifica em ambientes de grande incerteza e alta volatilidade, realidade distante do que ocorre hoje, segundo a economista Paula Pena, da Fundação Getulio Vargas (FGV).

“O cenário econômico está muito positivo no Brasil. A Reforma Tributária, que vai facilitar muito a vida da indústria, e a expectativa de início de um ciclo de queda da taxa de juros, ajudam muito a elevar o otimismo”, afirmou.

Outro programa importante é o Desenrola, que vai retomar uma quantidade muito considerável de pessoas que vão voltar para o mercado consumidor, segundo ela. “O dólar está num patamar muito bom, as expectativas de crescimento do PIB beiram 3%”, disse.

Não bastassem todos esses argumentos contra os juros altos, a inflação está negativa. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em -0,08% em junho, o menor índice para um mês desde 2017.

Os grupos alimentação e bebidas e transportes foram os que mais ajudaram a puxar os preços para baixo no período, segundo o IBGE.

Na avaliação do professor Jorge Cavalcanti, do Departamento de Análise Econômica da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o BC não terá muitos argumentos para manter a Selic no patamar atual de 13,75% ao ano.

“A inflação está em uma trajetória decrescente desde fevereiro, e o acumulado em 12 meses está em 3,16%, bem no centro da meta de inflação. Como a taxa Selic é para se atingir esta meta, a cobrança pela redução deve ganhar força.”
Jorge Cavalcanti, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro