28/09/2005 - 7:00
As ruas de Buenos Aires são repletas de referências arquitetônicas e culturais européias, mas recentemente os argentinos estão tendo de conviver com outra tendência ? a da crescente presença brasileira na sua economia. Nos últimos três anos, empresas tupiniquins investiram mais de US$ 10 bilhões na economia local.O Grupo Brasil, que reúne os investidores brasileiros na Argentina, estima que já são quase 400 empresas brasileiras instaladas no país. O último lance dessa invasão pacífica e benéfica foi dado na semana passada pela Gerdau. Em uma operação cercada por sigilo, o grupo desembolsou US$ 40,5 milhões para assumir o controle da Sipar, laminadora de aços localizada na Província de Santa Fé. A siderúrgica gaúcha aproveitou a brecha que se abriu com os desentendimentos entre as famílias Giovagnoli, Mosconi e Censabella ? antigas controladoras ? e abocanhou as ações que lhe deram o comando. E a Gerdau promete avançar. Quer crescer no mercado argentino e, ao mesmo tempo, barrar investimentos que a rival Belgo Mineira possa fazer no país. Há quatro anos, a concorrente comprou por US$ 74,5 milhões o controle da Acíndar e tornou-se a brasileira mais forte no setor. Fontes argentinas garantem que a Gerdau prepara para os próximos meses a compra da Acer-Brag, dona de 27% do mercado argentino de ferro. A siderúrgica brasileira desconversa. ?Não é só a Gerdau. Várias empresas de seus país têm mostrado furor na expansão sul-americana?, diz Ricardo Schefer, do Centro de Estudos Macroeconômicos da Argentina, o Cema.
A lista de investidas brasileiras na fronteira sul é grande. O maior negócio ocorreu em julho de 2002 ? a Petrobras arrematou por US$ 1 bilhão a gigante do setor de energia Peréz Companc. Ela tinha um valor de mercado de US$ 4 bilhões mas carregava dívidas que somavam a metade disso. Em abril deste ano, o grupo Camargo Corrêa desembolsou US$ 1 bilhão para ficar com a Loma Negra, a maior fábrica de cimentos do país vizinho. Antes disso, já haviam desembarcado por lá a catarinense WEG, que em 2000 comprou a Morbe, fabricante de motores elétricos ? e a Tigre, que arrematou a Santorelli em 1999, passando a controlar 23% do mercado argentino de tubos e conexões. ?Estamos prontos para nos transformar em mais um estado brasileiro?, já havia previsto, em 1995, o empresário Francisco Macri, o grande barão da indústria argentina. Sua profecia parece estar se realizando. Em 2003, foi a vez da AmBev assumir o controle da Quilmes, a maior cervejaria do país. Para consolidar o desfalque, no mês passado, o Friboi arrematou o maior frigorífico, o Swift Armour, por US$ 200 milhões.
Todo esse entusiasmo tem explicação histórica: a conversibilidade implantada em 2001 sucateou as empresas e levou a uma recessão que fez o PIB despencar 20% entre 1999 e 2002. Apesar da recuperação econômica dos últimos anos, a renda da população e o desempenho da indústria local ainda não voltaram aos patamares de 1998. As empresas argentinas seguem endividadas e continuam presas fáceis da cobiça brasileira. ?O Brasil tem usado a Argentina como campo de experiências para suas investidas no mercado externo?, analisa o economista portenho Ricardo Fuentes, da consultoria Ecolatina. A proximidade geográfica e cultural, somada ao potencial do mercado argentino, tornam o país uma opção de investimento natural. Os argentinos nem sempre vêem a presença brasileira com entusiasmo. “Esses aventureiros no governo estão destruindo tudo que construímos?, vocifera Ricardo Cravero, um ex-motorista de ônibus que se sustenta vendendo artesanato na Recoleta. Entre os mais jovens é diferente. A procura por cursos de português tem crescido e pessoas como o estudante de Direito Hugo Melo não vê problemas na presença brasileira. “Não interessa quem comande as empresas desde que elas continuem trazendo dinheiro para o país e criando empregos”, diz ele.