Muitos jovens precisam escolher entre descansar do trabalho ou estudar. Programa se transformou em armadilha estrutural.Sentada no ônibus, voltando da escola, ouvi uma conversa entre estudantes: “Não fiz a atividade, não recebi nota. Cheguei tarde do serviço ontem. Ou eu dormia, ou estudava. Eu precisava descansar.”

Essas palavras ecoaram em mim, revelando uma realidade que muitos preferem ignorar: o programa Jovem Aprendiz, na prática, representa um atraso educacional. Parte da Lei de Aprendizagem (10.097/2000), a proposta é integrar o estudo e a prática, dar uma oportunidade de primeiro emprego e qualificar mão de obra – assim como acontece com o sistema dual de ensino na Alemanha .

Na teoria, o Jovem Aprendiz deveria garantir formação técnico-profissional de jovens entre 14 e 24 anos, e de pessoas com necessidades especiais, e estimular a permanência na escola. Por isso, por exemplo, a jornada de trabalho do estudante não pode passar de seis horas diárias. A carga horária precisa levar em consideração o tempo necessário para estudar.

Na prática, porém, o que se vê é um mecanismo que frequentemente impõe aos jovens uma rotina dupla e exaustiva , dividindo suas energias entre o emprego e os estudos, e muitas vezes esvaziando o propósito educativo que o originou.

É preciso escolher entre trabalhar ou estudar?

O discurso de oportunidade e responsabilidade do Jovem Aprendiz mascara uma realidade de cansaço, evasão e abandono.

Muitos jovens precisam escolher entre descansar do trabalho ou se dedicar aos estudos . O programa, que deveria ser uma ponte entre a educação e a experiência profissional, tornou-se uma armadilha estrutural.

Mariana*, minha colega, vive essa rotina. Acorda às seis da manhã, vai para a escola e sai às 11h25. Às 13h, começa o expediente como jovem aprendiz e só chega em casa às 19h. Enfrenta longos trajetos de ônibus, chega exausta às aulas e, muitas vezes, dorme durante as explicações. “O povo fala que é bom, mas parece que eu estou perdendo minha juventude dentro de um escritório. Eu não sei o que fazer. Estou muito cansada, mas também quero ter o meu dinheiro para comprar as minhas próprias coisas. Sou tratada como nada naquele lugar, mesmo fazendo muito. Recebo pouco”, desabafou à coluna.

Nesse contexto, o Programa Jovem Aprendiz atua como um agravante: ele institucionaliza o cansaço, normalizando a ideia de que é aceitável para um adolescente suportar uma rotina que o priva de aprender. Ao mesmo tempo, após uma jornada exaustiva de trabalho, o participante do programa ainda é pressionado a manter um bom desempenho escolar.

As empresas, sob o pretexto de “formar novos profissionais”, exploram os jovens aprendizes como mão de obra barata, reduzindo custos e aumentando lucros. Para elas, o jovem não é visto como estudante em formação, mas como peça substituível.

O Brasil não precisa de jovens cansados ou zumbis produtivos – precisa de jovens conscientes, críticos e com tempo para aprender.

Falta de fiscalização enfraquece programa

Ainda assim, é inegável que o programa é essencial para muitos jovens de baixa renda, que o veem como única forma de sustentar a casa, ajudar nas despesas familiares ou garantir o próprio alimento. Não se trata de desconsiderar essa realidade; seria injusto e insensível fazê-lo.

No entanto, mesmo nesses casos, a falta de fiscalização transforma o Jovem Aprendiz em uma rotina de exaustão: esses jovens passam mais tempo trabalhando do que estudando e acabam privados do direito à formação que o programa deveria assegurar. O trabalho, que deveria complementar o aprendizado, passa a substituí-lo.

O problema não está no programa em si, mas na ausência de fiscalização real sobre seu funcionamento. No papel, o Jovem Aprendiz exige que o participante mantenha vínculo escolar e tenha acompanhamento formativo, mas, na prática, isso raramente é verificado.

É preciso, portanto, fortalecer a fiscalização: é dever do Estado, das empresas e das instituições de ensino garantir que o jovem realmente estude, que sua jornada seja compatível com a aprendizagem e que seu direito à educação não seja negociado em nome da produtividade.

Somente assim o programa poderá cumprir o que promete: ser uma ponte, e não uma prisão.

*nome fictício

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito pela estudante Camila Gabriel Augusto e reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.