A implementação da lei que baniu uso do aparelho nas escolas está indo surpreendente bem. Apesar de alguma resistência, os alunos estão fazendo sua parte. Mas é preciso que os professores também deem o exemplo.”Se eles estivessem no celular vendo outra aula de português porque não gostam da minha eu até entenderia, mas não. Eu estava competindo com jogos, redes sociais e qualquer outra aleatoriedade. Não era justo e eu nunca ganharia”, diz Jozelma, professora de português na rede pública paraibana.

Nas últimas semanas, visitei dezenas de salas de aula em colégios públicos de algumas cidades do Nordeste para entender como anda a implementação da lei que proíbe o uso do celular nas salas de aula.

A desintoxicação abre uma janela de oportunidades

Se eu disser que as escolas se transformaram em um verdadeiro paraíso, no estilo Adão e Eva, estarei mentindo. Brincadeiras à parte, é óbvio que ainda há certa resistência dos alunos. No entanto, considerando o tamanho do vício que os aparelhos exercem, o quadro é surpreendentemente bom.

Os professores são unânimes: há sim uma maior atenção para com as aulas. Vi até mesmo alguns alunos no intervalo com livros literários na mão.

A verdade é que antes muitos alunos nem se permitiam olhar para a cara do próprio professor ou, ainda que minimamente, prestar atenção na aula. Sem o celular nas mãos, ainda que devido a uma regra e não por genuína vontade, os alunos estão, pela primeira vez em anos, mais presentes na sala de aula. Ou seja, abriu-se uma janela para que o verdadeiro trabalho pedagógico seja feito com eles. É a oportunidade que os professores tanto desejavam.

É importante que todos apoiem

Com todo o respeito, preciso trazer aqui um outro ponto que merece atenção. Em mais da metade das salas que entrei, no momento em que comecei a falar com os alunos, professores responsáveis pelas classes foram rapidamente sentar para usar seu celular, responder mensagens e até ouvir áudios.

Minha intenção não é generalizar e tampouco incentivar ódio aos professores, mas precisamos ser realistas e aceitar o fato de que não somente os jovens, mas também boa parte dos adultos são viciados no uso do celular. Não é justo culpabilizar apenas os jovens enquanto seguimos usando o aparelho em todas as dependências da escola – enquanto eles não podem. Entendo que há sim padrões de uso diferentes, mas ainda assim não justifica.

Precisamos dar o exemplo antes de fazer cobrança. Isso não é trivial.

Já está na hora de flexibilizar ou ajustar?

Os alunos foram unânimes: não é o fim do mundo não poder usar na sala de aula, mas eles gostariam muito de poder fazer uso no intervalo. Por um lado, entendo que permitir isso possa dificultar o banimento na sala de aula e sobrecarregar o professor. Por outro, temo que tamanha proibição simplesmente aumente a resistência à adaptação.

Não somente os professores e gestores usam o aparelho para questões importantes do dia a dia. Há alunos com responsabilidades de adulto e que precisam de algum nível de comunicação via celular.

Há pessoas favoráveis a não usar o celular em espaço algum dentro das escolas, como também há pessoas a favor de um uso no intervalo. Ambos com bons argumentos. Então vale a provocação e pensar sobre uma possível flexibilização que favoreça uma adaptação.

Há potencial por trás da lei, ainda que de forma fabricada e não natural. Os alunos estão de olhos abertos para as aulas e estão, dentro do possível, fazendo a parte deles. Agora, é preciso que todos os outros agentes envolvidos na educação também cumpram com suas respectivas responsabilidades.

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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto foi escrito por Juliana Cristina da Silva Ramos, graduanda em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.