25/06/2025 - 14:36
País é um modelo de soberania energética sustentável, porém o Ocidente só se concentra na devastação amazônica. Cabe aos brasileiros cuidar para que seu papel pioneiro seja reconhecido – e até faça escola.Diante das guerras no Oriente Médio, nos últimos dias cresce o temor de que o preço do petróleo volte a atingir picos históricos. Isso seria ruim para a conjuntura mundial, pois combustível mais caro impulsiona a inflação, os bancos centrais seriam obrigados a aumentar seus juros. A consequência seria a estagnação da economia mundial, com inflação alta.
No Brasil tais cenários são vistos com menos dramaticidade do que na Europa ou na Ásia, as quais dependem de importações de petróleo. Por um lado, por o país ser, ele mesmo, um grande produtor do combustível fóssil. Por outro, pelo fato de a agricultura cobrir grande parte da demanda energética nacional: 30% da eletricidade e combustíveis do país provém das fazendas.
Trata-se de uma situação única, em todo o mundo. Nações como Índia, Tailândia ou China, que investem igualmente em bioenergia, apresentam percentagens muito mais baixas. Na Alemanha, que por longos anos subvencionou projetos de biogás com dinheiro dos contribuintes, apenas de 7% a 8% da energia provém dos campos.
Como mostra uma análise recém-publicada do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), nas fazendas a energia é produzida de diversas formas, todas substituindo o petróleo.
Cana-de-açúcar fornece etanol. Milho e soja são utilizados como combustível em forma de biodiesel puro ou combinado com outras fontes. Além disso, os conglomerados de cana alimentam a rede elétrica com a incineração de biomassa; em outras instalações, resíduos orgânicos são transformados em biogás.
Potencial de modelo para outras economias agrárias
A parcela da energia dos campos vai crescer no Brasil. A segunda geração da produção de etanol está apenas engatinhando, com a utilização de enzimas para extrair a substância das fibras de cana-de-açúcar.
Também cresce vertiginosamente o bioetanol a partir do milho, já tendo sido dada a partida para os primeiros projetos de combustível de aviação sustentável (SAF, sustainable aviation fuel). Cada vez mais empresas agrícolas injetam sua energia diretamente na rede elétrica, ou se tornam autônomas através de painéis solares. Assim, também participarão do desenvolvimento do hidrogênio combustível verde.
A Europa quase não registra essa autonomia energética sustentável brasileira. Mas também no país ela é subestimada – um dado surpreendente, pois, perante as atuais reviravoltas geopolíticas, a autonomia energética se torna, para as empresas, um fator cada vez mais importante na escolha de sua locação.
A Europa volta a vivenciar mais uma vez como é dependente de energia importada, seja gás natural russo, seja petróleo do Oriente Médio. Desde as “crises do petróleo” de meio século atrás, o continente não conseguiu reduzir essa dependência.
Por sua vez, o Brasil é basicamente independente, além de ostentar uma das produções de energia mais sustentáveis do mundo, cobrindo mais da metade do consumo nacional. Sua matriz energética é decentralizada, de cunho agrário e independente de combustíveis fósseis.
Nas negociações com os parceiros globais, o país deveria apostar mais fortemente em sua soberania energética, e seu modelo poderia servir de base para outros países agrários emergentes. Infelizmente, o Brasil se apresenta antes na defensiva, no âmbito internacional.
Com o argumento da devastação da Amazônia, seu papel pioneiro na sustentabilidade é obliterado. Sobretudo por nós, europeus, pois a China vê a situação de modo bem diferente, mostrando-se muito interessada em adaptar para si partes do sistema brasileiro de energia agrária.
Porém é também verdade que o boom agrário do Brasil transcorre em parte à custa do meio ambiente – ou seja, da floresta tropical e de outros biomas. Enquanto o país não reconhecer claramente a corresponsabilidade do agronegócio nos desmatamentos e não se opuser a ela com eficácia, nos grêmios internacionais ocidentais ele será classificado antes como pecador ecológico, não como pioneiro ambiental. Cabe exclusivamente ao próprio Brasil mudar essa situação.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.