18/06/2025 - 12:13
Finalmente, um plano municipal busca reverter o abandono do Centro do Rio. É um exemplo que outras cidades deveriam seguir.Recentemente passei algum tempo caminhando pelo Centro do Rio de Janeiro para resolver diversos assuntos. Mais uma vez me chamou atenção a grande discrepância entre o enorme potencial do bairro e sua triste realidade, algo comum às grandes cidades brasileiras de relevância histórica. De um lado, ainda existem milhares de edifícios com grande qualidade histórica, arquitetônica e estética. Do outro, essas construções se deterioram, são negligenciadas e permanecem cinzentas, tristes e abandonadas. Muitos edifícios têm lojas ou restaurantes no térreo, mas os andares superiores estão em decadência. Quanto espaço residencial e comercial foi desperdiçado e acabou migrando para shoppings ou subúrbios?
No Rio, muitos prédios que antes eram belíssimos foram espremidos entre as construções feias e funcionais da arquitetura da segunda metade do século passado, que hoje, infelizmente, dominam o Centro. Essa cacofonia visual é a expressão mais clara da relação de muitos brasileiros com a história do país, especialmente da classe empresarial e dos políticos que a apoiam. Ignora-se e destrói-se a história em nome da crença de que é possível lucrar mais de outra forma. Trata-se de uma ilusão tola.
A verdade é justamente o contrário: preservando o patrimônio histórico pode-se gerar, no mínimo, o mesmo lucro – se quisermos falar apenas de economia. Quem já visitou os maravilhosos centros históricos restaurados de cidades como Cartagena (Colômbia), Oaxaca (México) ou Santo Domingo (República Dominicana) sabe bem do que estou falando. Esses locais são verdadeiros ímãs que atraem milhões de visitantes interessados na atmosfera histórica única.
Contudo, durante décadas, no Rio não foram priorizadas a memória, a preservação, a beleza ou a coerência arquitetônica dos bairros, mas sim a maximização do uso do espaço. O resultado é uma arquitetura feita para investidores: alta, feia, funcional e fria.
Em alguns lugares do Centro não há mais diferença perceptível entre o Rio e as inúmeras cidades inexpressivas e feias do interior brasileiro – que são muito mais jovens. O horrível mix arquitetônico, resultado da ausência de regras, fica especialmente evidente ao olhar para o Teatro Municipal – atrás do qual se ergue a parede nua de um prédio de concreto horroroso. Pelo menos, seria possível ali – a exemplo de várias fachadas em Manaus – criar enormes murais artísticos.
Questão de planejamento urbano
A indústria imobiliária sempre exerceu enorme influência política no Rio para fazer valer seus interesses. Por isso, é necessário e corajoso que, agora sob o prefeito Eduardo Paes, se tente abrir um novo capítulo.
Há poucas semanas, a Prefeitura do Rio lançou a iniciativa “Reviver Centro Patrimônio Pró-APAC”, que visa promover a restauração de imóveis históricos em áreas selecionadas do Centro da cidade, muitos deles abandonados ou degradados. O programa oferece um subsídio de R$ 3.212 por metro quadrado para a restauração desses imóveis, com a condição de que as obras sejam concluídas no prazo estipulado. Caso contrário, o imóvel retorna à posse da cidade, que então poderá assumir a responsabilidade pela restauração ou atribuir outras finalidades, visando preservar a integridade histórica da região.
Especialmente relevante é o último ponto: a redistribuição fundiária e a desapropriação daqueles que deixam prédios históricos apodrecerem. Edifícios deteriorados não são apenas um risco para a segurança pública, como demonstrado recentemente pelo desabamento de dois prédios no Rio, que resultou em uma morte, mas também refletem irresponsabilidade e desrespeito à sociedade.
Por muito tempo, no Rio e no restante do Brasil, os interesses privados de poucos prevaleceram sobre os interesses públicos. Na construção e planejamento urbano prevalece um capitalismo sem regras, sem lógica nem compreensão sobre bairros feitos para pessoas, e não para carros ou investidores. Um exemplo disso é a ausência geral de grandes praças públicas bem iluminadas, seguras, limpas e verdes, onde as pessoas se sintam confortáveis mesmo após anoitecer (uma exceção que me ocorre é a Praça São Sebastião, em frente ao Teatro Amazonas, em Manaus).
Agora, pela primeira vez no Rio, busca-se romper com essa lógica. Os custos não ficarão apenas a cargo da prefeitura. A iniciativa APAC – Área de Proteção do Ambiente Cultural, um nome que esperamos ser efetivamente concretizado – pretende atrair investidores privados dispostos a restaurar imóveis históricos, segundo a descrição oficial. Espera-se que o programa não termine em esquemas de corrupção habituais. Além disso, torce-se pela continuidade, para que o próximo prefeito não o abandone ou descontinue por interesses eleitorais.
Por isso, é importante obter resultados rapidamente, mostrando claramente as possibilidades: transformar o centro histórico do Rio, atualmente negligenciado, decadente, escuro e sujo, em um espaço vivo, iluminado, seguro e vibrante. Parece que, sob Eduardo Paes, a prefeitura reconheceu finalmente o potencial cultural, urbano e econômico da antiga região central, desperdiçado por décadas.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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