30/10/2025 - 10:21
Quantos profissionais qualificados são preteridos em detrimento de quem tem seguidores, mas sem formação?De acordo com relatos de diversos portais da imprensa internacional, uma lei que entrou em vigor na China agora no final de outubro prevê que influenciadores não poderão falar de áreas como direito, medicina, finanças e educação sem comprovar uma formação ou especialização.
A regulamentação teria sido emitida pela pela Administração Estatal de Rádio e Televisão (SART), em conjunto com o Ministério da Cultura e Turismo da China (MCT).
Embora eu não tenha conseguido verificar a informação de forma independente, a regulamentação chinesa me fez lembrar de uma problemática que eu também vejo assolar o Brasil: a quantidade de influenciadores se tornando referência em áreas nas quais não tiveram nenhum tipo de formação.
Contexto brasileiro
Não é novidade que a educação no Brasil é desvalorizada e essa desvalorização é tão enraizada que assume os mais diversos formatos, alguns mais explícitos e outros mais sutis.
Paralelo a isso, as redes sociais criaram a oportunidade de qualquer indivíduo se tornar conhecido e referência em alguma área. Assim, naturalmente, elas trouxeram novas possibilidades de mobilidade social.
Dentro deste contexto, se é possível e legalizado eu abrir um perfil no Instagram para falar sobre nutrição, economia, educação ou qualquer outra área sem ter uma formação, por que ir pelo caminho de cursar uma graduação?
Afinal, sejamos honestos, os valores estão tão invertidos que muitas vezes o que torna um profissional confiável nas redes sociais não é o seu diploma, mas sim a quantidade de seguidores. Se o perfil profissional não tem muito engajamento, views e seguidores, a interpretação é que não se trata de um bom profissional. Nesse contexto, por que ficar quatro anos numa universidade quando posso gastar esse tempo pensando em formas de engajar minha página?
Desrespeito com o público e com os profissionais
O resultado é uma infinidade de perfis profissionais de pessoas que nunca se formaram nas áreas sobre as quais falam. Na verdade, o desrespeito é tanto que muitos fazem questão de acrescentar o termo “especialista” na biografia das redes sociais.
Passei por uma fase meio fitness e o algoritmo me sugeriu uma grande quantidade de perfis vendendo cursos e dietas de emagrecimento. Muitos deles, pesquisando um pouco, não tinham nenhum tipo de formação em nutrição ou afins, mas tinham milhares de seguidores e um alto engajamento. Provavelmente, faturam milhões.
Aqui estamos diante de um completo desrespeito com o público que os segue, mas, sobretudo, com os verdadeiros profissionais e com a educação brasileira.
Quantos profissionais altamente qualificados são preteridos em detrimento de quem tem seguidores, mas sem formação? Isso não pode ser banalizado.
Quantos profissionais, para além de todas as demandas, precisam pensar em formas de tentar ter algum tipo de engajamento nas redes para validar a própria qualidade? Isso é cruel.
O que o Brasil deve fazer?
Acredito que a essência da regulamentação chinesa deva servir de exemplo para o Brasil. Entendo que há uma interpretação de que a plena liberdade para a criação de perfis e venda de cursos/produtos pareça assumir uma forma de inclusão, mas as externalidades negativas não são triviais.
Inclusão, nesse recorte, devem ser as políticas que garantam o acesso e a permanência na universidade.
Indivíduos que não acreditam na educação, abriram mão da formação acadêmica e desejam tentar o caminho via redes sociais não podem simplesmente seguir esse caminho produzindo conteúdo sobre a área cuja formação optaram por banalizar. É absurdo, fere a sociedade, os profissionais e a própria ideia de conhecimento.
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Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.
O texto eflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.
