22/10/2025 - 13:26
As ameaças americanas contra Venezuela, Colômbia e Nicarágua são condenadas instintivamente na América Latina. Mas só fica nisso, o que encobre a própria inércia do continente.O desfile militar americano no Caribe e as ameaças dos EUA a países como Venezuela, Colômbia e Nicarágua causaram inquietação também em Brasília. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que manter a América Latina e o Caribe como uma zona de paz é prioridade para o Brasil.
“Somos um continente livre de armas de destruição e massa, sem conflitos étnicos ou religiosos. Intervenções estrangeiras podem causar danos maiores do que o que se pretende evitar”, disse Lula.
No momento, não está claro se os Estados Unidos planejam, além do abatimento de supostos barcos que carregariam drogas, outras ações como um ataque ao território venezuelano. E se o governo de Donald Trump pretende apenas lutar contra o narcotráfico ou deseja derrubar o ditador Nicolás Maduro? Especialistas duvidam que Maduro seja o poderoso chefão do tráfico como os EUA o pintam. Porém, é evidente que seu governo é ilegal e sua turma, corrupta.
O novo alvo de Trump é agora o presidente colombiano, Gustavo Petro. Recentemente, um barco colombiano que estaria supostamente transportando drogas foi afundado. Petro acusou os EUA de terem matado um pescador colombiano em uma ação anterior. Trump, por sua vez, acusou Petro de ser um peixe grande no narcotráfico internacional. De qualquer forma, é incontestável que a Colômbia é o maior produtor mundial de cocaína.
Contra a Nicarágua, os EUA aplicaram tarifas de 100% por “violações de direitos trabalhistas, direitos humanos e liberdades fundamentais, além do desmantelamento do Estado de Direito”. Embora o ditador nicaraguense Daniel Ortega não tenha entrado pessoalmente na mira de Trump – pelo menos retoricamente –, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, declarou o país como “inimigo da humanidade”, assim como Venezuela e Cuba.
Crises na região
Em alusão à situação na Venezuela, Lula disse há alguns dias que nenhum presidente de outro país “tem que dar palpite de como vai ser a Venezuela” e que cabe ao povo venezuelano ser “dono do seu destino”. Lula sabe exatamente, porém, que esse não é o caso. O povo venezuelano rejeitou Maduro nas eleições do ano passado. Mas ele se recusa a deixar o poder.
Devido à violência estatal e à grave crise econômica, cerca de 8 milhões de venezuelanos fugiram seu país. A Colômbia tem milhões de deslocados no próprio país devido à violência interna. Centenas de milhares de colombianos, assim como nicaraguenses, deixaram seus países.
Milhões de pessoas fogem da América Central e do Caribe por causa da corrupção, violência e pobreza. Também de Cuba, especialmente depois dos distúrbios sociais de julho de 2021, que foram brutalmente reprimidos pelo governo.
A intromissão e até as intervenções dos EUA na região contribuíram muitas vezes para essas crises. Também agora, sua diplomacia de canhoneiras deve ser condenada. Seria mais sensato combater o tráfico e consumo de drogas em território americano e impedir o contrabando de armas americanas para a América Latina.
No entanto, também é preciso se perguntar o que as elites latino-americanas pretendem fazer para resolver os conflitos. Aparentemente nada, e por boas razões: os migrantes da América Central e Caribe financiam os seus países natais com suas remessas, que muitas vezes correspondem a 25% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, enquanto ONGs estrangeiras, igrejas e recursos de ajuda ao desenvolvimento vindo de países ocidentais cuidam das injustiças sociais. Assim, muitos governos da região podem se dar ao luxo de não fazer nada contra a migração e suas causas.
Integração do crime organizado
E o Brasil? Em seus dois primeiros mandatos, Lula defendeu a integração econômica da América Latina. Não sobrou muito disso. Em contrapartida, o crime organizado está cada vez mais integrado.
Costa Rica, Equador e Chile também vivenciaram ondas de violência nos últimos anos devido à expansão de gangues. Elas também se expandem na Argentina e Uruguai. Enquanto isso, organizações criminosas brasileiras atuam no Paraguai e Bolívia.
Não se esqueça: eu escrevo essa coluna de uma cidade onde cerca de um quinto do território é controlado por grupos armados. Isso não parece incomodar muitos políticos em Brasília. Por outro lado, se condena instintivamente a intromissão dos EUA na região, especialmente na ala da esquerda. Isso deve se intensificar na campanha eleitoral das eleições no próximo ano. Denunciar o imperialismo americano dá votos, especialmente porque a oposição de direita se gaba de sua proximidade com os EUA.
Em vez de frases marcantes e barulho eleitoral, seriam necessárias iniciativas panamericanas para o combate ao crime organizado, bem como uma postura comum contra ditaduras da região. É preciso deixar claro aos ditadores da Nicarágua e Venezuela que o tempo deles acabou.
Se não quiser que os EUA cuidem disso, é preciso tomar as rédeas da situação. Uma integração panamericana das forças democráticas é necessária, e o Brasil, como maior país da região, deveria liderar esse processo.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há mais de 25 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, desde então, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há doze anos.
O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente da DW.