05/08/2025 - 4:24
Meninas jovens estão transformando o simples ato de ir para a cama em uma rotina exaustiva e cheia de sacrifícios em nome de uma suposta “beleza”. A pressão estética agora não dá descanso nem na hora do… descansoO que uma mulher faz antes de dormir? Bem, as que eu conheço passam uns cremes, escovam os dentes e… dormem. Mas algumas meninas jovens estão transformando o simples ato de ir para a cama em uma rotina exaustiva e cheia de sacrifícios em nome de uma suposta “beleza”. Ou seja, a pressão estética agora não dá descanso nem na hora do… descanso.
Estou falando sério e tenho provas. O produto do momento nas redes sociais (e que já teve todas as vendas esgotadas) é um modelador facial, ou uma “cinta para rosto”, lançado pela Skims, a controversa marca da supercelebridade Kim Kardashian na semana passada. Trata-se do Seamless Sculpt Face Wrap (“faixa modeladora facial contínua”, em tradução livre).
O produto é uma espécie de bandagem, tipo aquelas de cirurgia plástica, que envolve queixo, bochechas e pescoço, com fechos de velcro e uma tira inferior e promete “modelar o rosto”. Ele é indicado para ser usado ao dormir. Só que médicos dizem que o sacrifício não tem eficácia.
Nas fotos de divulgação do produto, as modelos que usam a “máscara” parecem ter vindo de um filme distópico. E, nas redes sociais, muitos reagem com choque: “Mesmo dormindo não podemos mais ser nós mesmas?”, comenta uma. “Isso não é inovação, isso é opressão”, diz outra. Concordo.
A grife de Kardashian vive provocando polêmicas justamente por lançar produtos que lucram (e contribuem) com a insegurança feminina, mas, agora, parece ter passado dos limites, já que o “modelador” facial da moda deve ser usado durante o sono. Ou seja, nem dormir em paz uma garota pode mais.
Para ficar bonito, diz um antigo provérbio, é preciso sofrer. Em tempos de superprodutividade, não se pode perder tempo, então o sofrimento precisa durar 24 horas.
O produto causou tanto choque e sensação que o ator Anthony Hopkins, famoso, entre outras coisas, por interpretar o psicopata Hannibal Lecter, no filme O Silêncio dos Inocentes, fez um vídeo usando a máscara e brincando com o personagem. Sim, o tal modelador parece mesmo saído de um filme de horror.
Terror noturno
A gente pode culpar a marca Skims por muita coisa, mas não por ser a única responsável por literalmente atrapalhar o sono de mulheres. Eles seguem uma tendência do momento, encampada com força pela “Geração Z”, a de rotinas de beleza complicadíssimas e, mais precisamente, dos rituais feitos antes de dormir. O caso mais radical dessa moda é uma tendência viral no TikTok chamada morning shed (descarga matinal, em tradução livre).
Nesses vídeos, jovens e adolescentes mostram como se preparam para “dormir feias” para “acordar bonitas”, o que envolve colocar um adesivo nos lábios (como elas conseguem dormir com a boca colada?, como conseguem respirar?), uma espécie de cinta similar à fabricada pela Skims, e máscaras de rosto variadas.
O cabelo é cuidadosamente penteado, preso e envolto em tocas. Sim, parece que estamos vendo personagens de …E O Vento Levou, mas em uma versão apocalíptica. O espartilho, usado por mulheres no século 19, parece quase inocente perto de tanta autoflagelação moderna.
Os vídeos dessa tendência assustam quem, como eu, cresceu admirando mulheres que “queimaram sutiãs” e se empolgando com movimentos como o “corpo livre”.
Nós, mulheres mais velhas, achávamos que as novas gerações sofreriam menos pressão estética do que sofremos. Isso porque, nos últimos tempos, parecia que movimentos que falavam em “se aceitar” e “se amar do jeito que se é” tinham vencido. Parecia que as coisas estavam melhorando, de fato.
Talvez a gente tenha sido ingênua nesse otimismo. Essa indústria é extremamente lucrativa e parece ter se tornado ainda mais especializada em criar insatisfações para mulheres. E, claro, tudo fica mais complicado quando temos as redes sociais promovendo rituais torturantes em troca de likes, e fazendo com que meninas encontrem suas iguais e sintam que pertencem a uma turma.
O pior de tudo: enquanto muitas meninas literalmente perdem o sono, marcas que promovem a insatisfação continuam lucrando. Até quando?
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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.