21/03/2025 - 6:48
21 de março marca o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, em lembrança a massacre durante o Apartheid. É também uma oportunidade para lembrar o protagonismo das mulheres negras na luta contra o racismo.No dia 21 de março de 1960, cerca de 20 mil pessoas negras se encontraram no bairro de Sharpeville, em Joanesburgo, África do Sul, para realizar um protesto pacífico. A razão da manifestação era a Lei do Passe, que exigia que toda a população negra do país usasse um pequeno caderno no qual deveria estar escrito os locais onde elas poderiam ir.
É importante lembrar que no ano de 1960, a África do Sul vivia o Apartheid, um regime de segregação racial em vigor desde 1948. A resposta do governo veio na velocidade e violência da rajada de metralhadoras: 180 feridos e 69 pessoas mortas naquele que entrou para a história, como o Massacre de Sharpeville.
O massacre foi um ponto de inflexão na história, e a opinião pública, que até então parecia tímida nas suas críticas ao regime do Apartheid, começou a mudar sua opinião.
Nove anos depois, com a intensificação da luta negra na África e nas Américas, a ONU declarou que 21 de março seria o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial. Uma data que segue sendo celebrada.
Sem dúvidas que, de lá para cá, muita coisa mudou. Graças à luta histórica das populações negras, os regimes segregacionistas foram derrubados, dando lugar para a construção (continua e complexa) de sociedades mais democráticas, nas quais a população negra pudesse ter direitos básicos garantidos.
Um dos momentos mais emblemáticos foi a eleição de Nelson Mandela, o primeiro presidente democraticamente eleito por toda a população na África do Sul. Outra eleição igualmente importante foi a do presidente Barack Obama nos Estados Unidos. Entre finais do século 20 e começo do século 21, dois países que tiveram no passado regimes abertamente segregacionistas elegeram democraticamente dois presidentes negros.
E o Brasil?
Aqueles pouco afeito às discussões raciais, podem se perguntar: “E o que isso tem a ver com agente, aqui no Brasil?” e minha primeira resposta seria: absolutamente tudo.
Mas para ser um pouco mais didática, diria que é fundamental lembrar que as transformações citadas acima que não diziam respeito apenas à África do Sul e aos Estados Unidos, e nos obrigam a entender a luta negra de maneira transacional e articulada.
Outra parte da resposta seria lembra que o racismo é um monstro faminto e insaciável. E que por aqui, ele segue de boca escancarada.
Me detendo aos episódios funestos do mês de março, poderia citar, a título de exemplo, aa manhã de 16 de março de 2014, quando Cláudia Silva Ferreira, mulher negra casada, mãe de quatro filho e trabalhadora foi baleada e arrastada por um carro da polícia no Rio de Janeiro, num crime bárbaro, mas que não chocou o país na devida medida, afinal ela era apenas mais uma mulher negra trabalhadora que morria de forma violenta.
Quatro anos depois, na noite de 14 de março de 2018, a vereadora Marielle Franco foi brutamente assassinada a mando de influentes políticos brasileiros. Crimes hediondos que se somam a tantas outras mortes violentas causadas pelo racismo brasileiro, muito parecido com aquele dos Estados Unidos de da África do Sul.
O papel das mulheres negras
Mas nesse 21 de março, em que seguimos – ainda bem – celebrando o Dia Internacional Contra a Discriminação Racial, considero fundamental lembrar como as mulheres negras brasileiras tiveram e seguem tendo protagonismo e liderança na luta contra o racismo. E ao contrário do que costumo fazer nessa coluna – que muitos já devem ter percebido, costuma fala sobre pessoas importantes, mas já falecidas -, quero falar de quem está aqui e agora na linha de frente do combate.
Cito aqui A campanha 21 Dias de Ativismo Contra o Racismo, uma mobilização nacional que visa conscientizar a sociedade sobre o racismo estrutural e promover ações concretas para combatê-lo, coordenada por Luciene Lacerda.
Realizada anualmente no Brasil, a campanha ocorre entre o início de março e o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, em 21 de março, e envolve debates, eventos culturais, palestras e atividades educativas. Essa iniciativa busca articular diferentes setores da sociedade, incluindo instituições públicas, movimentos sociais e a academia, para fortalecer o compromisso com a igualdade racial. Além de denunciar as desigualdades raciais, a campanha valoriza a memória, a cultura e a resistência da população negra, incentivando políticas públicas e ações afirmativas que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.
E a boa notícia é que essa campanha é um dos exemplos da luta das mulheres negras de hoje. Vale lembrar o Geledés – Instituto da Mulher Negra, fundado por Sueli Carneiro que trabalha com a defesa dos direitos das mulheres negras e o combate ao racismo estrutural. O Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT) coordenado por Cida Bento que atua tua na promoção da equidade racial e de gênero no ambiente de trabalho. A Criola, coordenada por Lúcia Xavier, que atua no enfrentamento das desigualdades raciais e de gênero, promovendo ações de empoderamento para mulheres negras e populações periféricas.
Temos também a Anistia Internacional Brasil, sob a direção de Jurema Werneck, que atua contra denúncia de violações dos direitos humanos, com foco na violência policial contra a juventude negra e na luta por justiça racial. Temos o Odara Instituto da Mulher Negra em Salvador, o Bamidlê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba, além Articulação de Organizações de Mulheres Negras Brasileiras (AMNB) que reúne diversas lideranças femininas do movimento negro para fortalecer políticas de enfrentamento ao racismo e ao sexismo. Organizações, Institutos e coletivos liderados por mulheres negras que bem sabem o quão afiados são os dentes do racismo
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Mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017), Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020) e Racismo brasileiro: Uma história da formação do país (Todavia, 2022), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.
O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.