13/08/2025 - 6:22
De tarifas a ataques contra o STF, Trump repete no Brasil lógica autoritária que corrói instituições dos EUA — e que no passado sustentou golpes na América Latina. Receber lições de democracia de tal governo é um insultoSob Donald Trump, o governo dos Estados Unidos retomou a pior tradição da política externa norte-americana para a América Latina. Se sob Barack Obama e Joe Biden predominava o desinteresse, Trump volta a tentar impor a vontade de Washington à região. Insere-se, assim, na linha da política imperialista que, ao longo do século 20, resultou em ditaduras, guerra civis, miséria, deslocamentos forçados e sociedades desestruturadas.
Trump impôs ao Brasil tarifas de 50% para pressionar pela suspensão do processo contra o seu aliado Jair Bolsonaro. A ameaça já nasceu absurda: acreditar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria qualquer instrumento jurídico para interromper o julgamento — o que exigiria violar a Constituição — é pura fantasia.
Torna-se ainda mais escandalosa diante das provas esmagadoras contra Bolsonaro, acusado de planejar um golpe de Estado. Vários militares — entre eles seu próprio ajudante de ordens e os comandantes do Exército e da Aeronáutica — confirmaram os preparativos golpistas. Falar em “caça às bruxas” significa, portanto, apoiar as intenções autoritárias da extrema direita brasileira e desprezar a democracia do país.
Torna-se absolutamente ridículo, porém, quando o governo Trump, por meio de Christopher Landau, o vice-secretário do Departamento de Estado dos EUA, afirma que a separação democrática dos poderes “é a maior garantia de liberdade já concebida pelo espírito humano”. Foi assim que Landau publicou na rede X. Ele escreveu: “Nenhum poder — e nenhuma pessoa — pode acumular poder demais, se for controlado pelos outros. Mas uma separação formal de poderes nada significaria se um deles tiver a possibilidade de intimidar os demais.”
Receber lições de democracia de Trump é um insulto
É preciso lembrar que Landau é um representante do governo de Donald Trump, o próprio símbolo da intimidação ao Legislativo e ao Judiciário. Trump já convocou seus apoiadores a invadirem o Capitólio; ameaça congressistas de seu próprio partido; pressiona e ataca publicamente juízes cujas decisões o contrariam; afasta procuradores e altos funcionários da Justiça quando investigações se aproximam de seu círculo; demitiu o diretor do FBI e outros chefes de agências federais; aciona a Guarda Nacional contra cidadãos. Nas ruas americanas, sob Trump, pessoas são sequestradas por homens mascarados em veículos sem placas e desaparecem por dias.
Agora, o presidente exige redesenhar distritos eleitorais para garantir vitórias futuras de seus aliados. Além disso, normalizou a mentira como método político — um vício que já contamina o Brasil, onde a falsidade passou a ser tratada como “liberdade de expressão”. Mas liberdade exige responsabilidade e acordo social: se todos os motoristas ignorassem as leis de trânsito sob o argumento de que limitam sua liberdade, o tráfego seria impossível. Para Trump e seus seguidores, contudo, liberdade significa apenas o direito do mais forte.
Receber lições de democracia de tal governo é um insulto. É verdade que o Brasil é uma democracia com falhas graves, enraizadas na desigualdade extrema e na corrupção endêmica. Mas também os Estados Unidos são classificados pela Economist Intelligence Unit como uma “democracia com falhas” (flawed democracy), com déficits em liberdade de imprensa, degradação da cultura democrática e um processo legislativo cada vez mais capturado por ricos e grupos de interesse.
Brasil não tem a aprender com os EUA
Não é o Brasil que precisa aprender com os EUA sobre democracia. Ao contrário: enquanto as eleições americanas são frequentemente marcadas por caos e contestação, o processo eleitoral brasileiro é seguro, rápido e confiável. Mais importante: no Brasil, a maioria escolhe o chefe de Estado.
Nos EUA, um sistema eleitoral arcaico permite que uma minoria conservadora e provinciana eleja o presidente contra a vontade da maioria. Foi assim em 2016, quando Donald Trump chegou à Casa Branca apesar de Hillary Clinton ter obtido quase três milhões de votos a mais. A distorção é ainda maior no Senado: os dois senadores do conservador estado de Wyoming (600 mil habitantes) têm o mesmo peso que os dois da progressista Califórnia (40 milhões!). E são justamente o presidente desse país e seus representantes que pretendem dar lições de democracia aos brasileiros?
A tentativa de atacar o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes segue o manual já aplicado por Trump nos EUA: descredibilizar e ameaçar juízes, questionar cada decisão sob a acusação de motivação política e, assim, corroer a separação de poderes. É isso que destrói o equilíbrio institucional.
Trump aplica antiga receita
As semelhanças são evidentes: a desestabilização já foi, ao longo do século 20, a receita utilizada por Washington na América Latina para derrubar governos que tentavam limitar a exploração da região por empresas norte-americanas. A riqueza da América Latina deveria beneficiar o seu próprio povo. Sob o pretexto de defender “a liberdade e a democracia”, tais governos eram rotulados por Washington de “socialistas” ou “comunistas” e alvos de intervenções. Hoje, o governo Trump evoca o mesmo discurso de “liberdade e democracia”, enquanto, na prática, fortalece justamente seus inimigos.
Por isso, os brasileiros deveriam valorizar o papel de Moraes, que atua como muralha contra as tendências autoritárias do bolsonarismo. Suas ações cumprem o mandato constitucional do STF de proteger a democracia — ainda que algumas possam soar duras e excessivas —, mas o fato de o governo Trump dar ouvidos a Eduardo Bolsonaro, herdeiro de um clã sustentado há décadas por dinheiro público e cujo “negócio” é o extremismo e a divisão social, diz muito. Não se trata de defesa da democracia ou da liberdade, mas de promover, a partir de Washington, a agenda da extrema direita brasileira.
Alguns historiadores veem Donald Trump como o símbolo do último espasmo do império americano em declínio. Quando impérios se desfazem, costumam reagir com violência, agir de forma irracional e tentar, a qualquer custo, retornar a uma fase que consideram gloriosa — sem jamais conseguir. “Quando o velho morre e o novo não pode nascer”, escreveu Antonio Gramsci, “nesse interregno surgem os monstros.” O movimento trumpista MAGA é um desses monstros, e o Brasil, bem como o resto do mundo, faria bem em manter distância de suas garras.
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Philipp Lichterbeck queria abrir um novo capítulo em sua vida quando se mudou de Berlim para o Rio, em 2012. Desde então, colabora com reportagens sobre o Brasil e demais países da América Latina para jornais da Alemanha, Suíça e Áustria. Ele viaja frequentemente entre Alemanha, Brasil e outros países do continente americano. Siga-o no Twitter em @Lichterbeck_Rio.
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