Após a divulgação de que o governo fechou 2023, primeiro ano da nova gestão Lula, com o segundo maior rombo nas contas públicas da série histórica, iniciada em 1997, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o principal fator para o resultado foi o pagamento de precatórios e da compensação a governadores pela queda de arrecadação com o ICMS, dívidas causadas pelo governo anterior, segundo ele.

Os dados foram divulgados nesta segunda-feira, 29, pelo Tesouro Nacional, com o déficit primário (resultado das receitas menos as despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida pública) em R$ 230,5 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB.

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“Em primeiro lugar, o que a gente tem que considerar é que esse resultado é a expressão de uma decisão que o governo tomou, de pagar o calote que foi dado tanto em precatórios quanto nos governadores em relação ao ICMS sobre combustíveis. Então, desses 230 bilhões, praticamente a metade disso é pagamento de dívida do governo anterior, que poderia ser prorrogada para 2027 e que nós achamos que não era justo com quem quer que fosse o presidente”, disse Haddad em entrevista a jornalistas na saída da sede do ministério.

De acordo com o ministro, essa decisão e a tese da pasta perante o Supremo Tribunal Federal de que o calote é inconstitucional já eram de conhecimento público e, por isso, o gesto do governo de acertar as contas ainda no primeiro ano de mandato deveria ser levada em consideração ao analisar o resultado primário.

Sem esses gastos, no raciocínio de Haddad, o déficit primário de 2,1% do PIB se aproximaria do resultado buscado pela Fazenda no ano passado, de déficit de 1%.

O resultado primário para 2024 também é um ponto de preocupação para a área econômica do governo, que tem encontrado dificuldade de impulsionar a arrecadação para alcançar a meta de déficit zero neste ano. Em meio a críticas sobre a possível necessidade de alterar a meta fiscal para acomodar as receitas do governo, o ministro afirmou que os números do resultado primário não dependem apenas da pasta.

Contas públicas têm 2º maior rombo da história em 2023

O déficit primário de R$ 230,5 bilhões em 2023 é oposto ao resultado do ano anterior, quando a conta havia ficado positiva – um superávit de R$ 54,1 bilhões, um número considerado “fora da curva”. O pior resultado da série histórica foi registrado em 2020, primeiro ano da pandemia da covid-19, quando o déficit primário chegou a R$ 939,5 bilhões (em números corrigidos pela inflação).

A meta traçada para este ano pela equipe econômica é de déficit zero, mas o resultado registrado em 2023 fortaleceu no mercado as projeções de novo rombo. Já o secretário do Tesouro, Rogério Ceron, fala em “reversão da tendência” no médio prazo.

O pagamento dos precatórios estava represado em razão da chamada “PEC do Calote”, que “pedalou” o pagamento desses débitos da União, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, até 2026. A PEC foi proposta em 2021 para enfrentar o que o então ministro da Economia, Paulo Guedes, chamou de “meteoro”: uma fatura de R$ 89 bilhões que teria de ser honrada ainda em 2022, durante o período eleitoral, com Bolsonaro buscando a reeleição.

Em dezembro do ano passado, porém, o governo Lula editou uma medida provisória que abriu um crédito extraordinário – fora do limite de despesas – de R$ 93,1 bilhões para quitar esse estoque de precatórios represados, e conseguiu autorização do STF para desconsiderar essas despesas da aferição da meta fiscal.

Projeções para as contas públicas em 2024

Podendo ou não descontar os gastos com precatórios da meta fiscal, os números mostram o tamanho do desafio do governo para este ano, quando a meta a ser perseguida é de zerar o déficit, de acordo com as regras previstas no novo arcabouço fiscal. No mercado financeiro, é praticamente unânime a avaliação de que a meta terá de ser reformulada em algum momento para acomodar um rombo que, para muitos, seria inevitável.

O equilíbrio orçamentário é importante para a redução da dívida pública, o que acaba tendo impacto na inflação, nos juros e na atração de novos investimentos. Mas, tirando o superávit extraordinário registrado em 2022, o País convive com déficits nas contas desde 2013.

A XP Investimentos, por exemplo, projeta novo déficit primário para o governo central (conceito que engloba Tesouro, Previdência Social e Banco Central) de 0,6% do PIB em 2024. Para o economista da corretora Tiago Sbardelotto, as medidas recém-aprovadas pelo governo para tentar aumentar a arrecadação deverão ter efeitos positivos, mas não o suficiente para alcançar a meta de déficit zero neste ano.

“Algumas receitas incluídas no Orçamento permanecem altamente incertas, como os R$ 34,5 bilhões das concessões ferroviárias e os R$ 35 bilhões da mudança nos subsídios do ICMS”, disse Sbardelotto, em nota.

Ele acrescenta que a eventual extensão do programa de desoneração da folha de pagamento (tema que está em discussão no Congresso) pode impor um viés de baixa nas receitas previdenciárias esperadas pelo governo. “Além disso, ainda vemos pressão proveniente de gastos relacionados à previdência e assistência social, o que poderia exigir algum bloqueio nas despesas discricionárias (mas não deve aumentar o gasto total).”

Já o economista-chefe do Banco BMG, Flavio Serrano, projeta um déficit primário de pouco menos de 1% do PIB. Segundo ele, em um cenário otimista, com o efeito da elevação de receitas pretendido pelo governo, o saldo negativo diminuiria para cerca de 0,6% do PIB. Mesmo assim, ainda ficaria acima da margem de tolerância admitida no arcabouço fiscal, que é de um déficit de 0,25% para uma meta zero.

O governo precisa divulgar em março o primeiro relatório de receitas e despesas do ano.