O grupo político do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), poderá, pela primeira vez, definir a “cara” do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Até o final de 2025, quatro dos sete integrantes do órgão vão se aposentar por idade e darão espaço a uma indicação direta do governador e outras três de aliados na Assembleia Legislativa, conforme antecipado pela Coluna do Estadão. O número de mudanças em uma gestão é recorde desde a redemocratização.

Responsável por fiscalizar os atos do governo e dos municípios paulistas – com exceção da capital -, o TCE também delibera sobre a legitimidade das operações do Estado. O órgão julga, por exemplo, se o governador tomou decisões que foram economicamente viáveis aos cofres públicos e não apenas se seguiu a lei, além de aprovar ou não as contas das gestões estadual e municipais.

Há 50 dias no comando do Palácio dos Bandeirantes e ainda em adaptação aos meandros da política paulista, Tarcísio deve recorrer à experiência do secretário de Governo, Gilberto Kassab (PSD), para bater o martelo sobre os nomes com o desafio de indicar técnicos. Mesmo as indicações do Legislativo costumam ter forte influência do governador. Há 11 anos uma vaga não se abria no tribunal.

ATENÇÃO

Deputados estaduais ouvidos pelo Estadão dizem acreditar que o deputado André do Prado (PL), que deve assumir a presidência da Alesp no mês que vem com a bênção do governador, também terá poder decisório no processo. A base aliada quer assegurar um nome de confiança, mas que também passe pelo crivo dos demais parlamentares – o escolhido precisa da aprovação do plenário.

Aliados de Tarcísio afirmam que o assunto ainda não está definido internamente, mas que o tema já é tratado com atenção no governo. De acordo com a legislação, aposentam-se compulsoriamente, até setembro de 2025, na ordem, os conselheiros Edgard Rodrigues, Robson Marinho, Roque Citadini e Sidney Beraldo. Todos completarão 75 anos. O substituto de Citadini será indicado por Tarcísio, e os dos demais, pela Alesp.

Os deputados ainda não se debruçaram formalmente sobre o tema. Diferentemente do Congresso, a nova legislatura só toma posse em 15 de março, quando Tarcísio passará a contar com ampla base de apoio. Só o PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocupará 19 das 94 vagas da Casa.

Na Alesp, o processo relativo ao TCE segue ritos próprios. As bancadas partidárias devem apresentar um abaixo-assinado com os nomes preferidos, que são publicados e levados em consideração na elaboração de um projeto de decreto legislativo a ser levado à apreciação do plenário.

TÉCNICO

Para o presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas (ANTC), Ismar Viana, o equilíbrio fiscal das contas públicas passa pela forma com os tribunais se estruturam. Segundo ele, o desafio imposto a Tarcísio e a outros governadores é o de seguir a legislação na proposição de um nome que contemple requisitos de idoneidade moral, reputação ilibada, notórios conhecimentos jurídicos, contábeis e de administração pública, além de mais de dez anos de atividade profissional nessas áreas.

Os pressupostos citados foram definidos na Constituição para as indicações ao Tribunal de Contas da União (TCU). Mas há jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) que prevê simetria para que os tribunais estaduais sigam os mesmos preceitos. “O técnico consegue transitar no ambiente político, é sensível às demandas sociais, mas é responsável com a legalidade”, disse Viana. Ele também destacou que indicações que não respeitem critérios técnicos agravam o sistema de controle no Brasil.

Conselheiros do TCE-SP, por exemplo, já foram citados em investigações. Em 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) tomou como suspeitas de prática de lavagem de dinheiro transações do ex-presidente do TCE Fulvio Julião Biazzi.

Também ex-conselheiro, Eduardo Bittencourt foi citado por delatores da Andrade Gutierrez, Odebrecht e OAS por supostamente exigir uma porcentagem de contratos do Metrô em troca de votos favoráveis aos consórcios. Ele chegou a ser afastado do cargo, assim como Robson Marinho, em agosto de 2014, por supostamente ter uma offshore na Suíça com saldo de US$ 3 milhões. Todos sempre negaram qualquer irregularidade.

Conselheiros terão de avaliar regras de concessões e renúncias fiscais

Se as promessas de campanha de Tarcísio forem cumpridas, o novo conselho do TCE terá de se debruçar, nos próximos anos, sobre contratos de concessões e privatizações, além de uma demanda há tempos cobrada dos gestores paulistas: transparência na definição do programa de renúncias fiscais direcionado a determinados setores econômicos.

Relutante sobre o tema ao longo da campanha, Tarcísio afirmou, depois de eleito, que tem a intenção de privatizar a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). O governador determinou estudos sobre o negócio, mas adiantou que pretende seguir o modelo usado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na venda da Eletrobras.

A formulação do negócio – o maior planejado por Tarcísio – deverá envolver equipes do governo e do TCE, a fim de evitar problemas durante o leilão. Ampliar o acesso às informações requisitadas pela Corte de contas será um dos principais desafios que o governo terá de enfrentar com a atual composição do TCE, assim como a futura. Já neste início de gestão, Tarcísio precisará reavaliar contratos e editais de concessão propostos por antecessores no cargo, mas suspensos pelo tribunal.

Entre novembro e dezembro, os conselheiros suspenderam um edital aberto pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran-SP) para contratar serviços de Tecnologia da Informação e Comunicação que totalizavam R$ 890 milhões. O motivo alegado foi o de a concorrência ter “fortes indícios” de direcionamento.

Os conselheiros também interromperam um edital aberto pela Secretaria de Orçamento e Gestão para a concessão de serviços de loteria pelo prazo de 20 anos. O valor estimado do contrato era de R$ 906 milhões. Entre os motivos da suspensão, o órgão questionou a formulação do estudo de viabilidade econômico-financeira.

ISENÇÕES

A concessão de benefícios fiscais é objeto de análise sistemática pelo TCE dada a falta de transparência, segundo o órgão, na divulgação de informações sobre os valores usufruídos pelos beneficiários das renúncias.

Desde 2017, recomendações são feitas pela Corte a fim de superar as inconsistências, mas sem sucesso. O caso já foi parar até na Justiça por iniciativa de deputados da oposição. Os governos tucanos alegam sigilo fiscal ao não divulgar os dados.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.