17/12/2002 - 8:00
DINHEIRO ? O que se deve esperar da economia em 2003?
ANTÔNIO PALOCCI ? Recuperação, tanto da economia
mundial quanto da brasileira. Vamos fazer uma travessia
deste ano para o próximo com algumas dificuldades no
Orçamento e no aspecto macroeconômico. Estou otimista. A demonstração que o Brasil deu em suas contas externas neste
final de ano é de que a economia nacional está forte e viva. Tem condições de superar as dificuldades.
DINHEIRO ? O que será prioridade no governo do PT?
PALOCCI ? O intenso envolvimento do governo e da sociedade na busca de uma solução para o problema social, a partir da questão da fome. É uma prioridade estabelecida pelo presidente eleito desde seu primeiro pronunciamento, feito após a eleição. Todos os ministérios ? os da área social, da área econômica e de infra-estrutura ? terão isso em mente.
DINHEIRO ? E na economia? O que esperar do futuro governo petista?
PALOCCI ? A criação de um círculo virtuoso. Valorizadas as exportações, haverá melhora nas contas externas. Isso permite maior confiança no País. Assim, haverá facilidade na condução da política macroeconômica e condições de estabelecer políticas de crescimento, além da ampliação do mercado interno.
DINHEIRO ? A inflação voltou com força maior do que a esperada e deve ser um dos principais problemas econômicos em 2003. Como o sr. vê tal questão?
PALOCCI ? A taxa de inflação inchou a partir dos problemas com o câmbio. De certa forma, foi contaminada momentaneamente. Assim como o aumento do dólar teve um efeito negativo no processo inflacionário, a sua queda também terá reflexos positivos. Como não haverá a reindexação de salários, acredito que a crise inflacionária pode ser controlada num curto espaço de tempo. Na crise de 1999 também houve esse movimento. Cresceu o IGP, o IPCA, mas depois tudo se estabilizou.
DINHEIRO ?Alguns sindicatos e mesmo empresários começam a pensar em gatilhos. Como o PT pretende inibir a indexação?
PALOCCI ? Sempre que há uma crise inflacionária, voltam a falar em indexar preços e salários. É preciso renunciar a essa pressão ou o cenário ficará muito difícil. O governo terá de atuar de forma dura para evitar a indexação. Definitivamente, não aceitaremos gatilhos.
DINHEIRO ? E o regime de câmbio?
PALOCCI ? Permanece o mesmo e intacto. Continuaremos no sistema flutuante, sem bandas de controle. Não mudaremos a prática adotada desde 1999, com a chegada do Armínio Fraga. O modelo é sadio e positivo para a economia.
DINHEIRO ? O sr. considera que o regime de metas de inflação deu certo, apesar de as metas não terem sido atingidas nos dois últimos anos?
PALOCCI ? Sim. O erro do governo foi outro: o de se fixar apenas nas metas inflacionárias e não elaborar uma política econômica para o País. O arcabouço, todavia, é bom.
DINHEIRO ? E quanto à condução da política monetária?
PALOCCI ? É desejável que os juros caiam, pois crescimento pressupõe taxas menores. Agora, queda de juros não é expressão de uma vontade, mas de condições macroeconômicas equilibradas. Acho que é possível reduzir as taxas em 2003. Após controlar a inflação, o passo seguinte é trabalhar a queda dos juros. Um cenário positivo para a economia permite a criação de um círculo virtuoso de produção e ampliação do mercado interno.
DINHEIRO ? Voltando à inflação. Economistas e empresários trabalham com taxas de dois dígitos para o próximo ano. Isso preocupa?
PALOCCI ? Não. Existem ações reais e existem projeções econômicas. São coisas muito diferentes. Sociedade civil, empresas e governo podem exercer um controle efetivo da inflação. O cidadão tem um papel preponderante, à medida que desfavoreça setores que remarcam preços acima do razoável.
DINHEIRO ? Mas há um limite para os empresários compensarem a inflação usando margem de lucros…
PALOCCI ? Se houver uma retomada do crescimento, como deverá haver, o repique inflacionário perde o sentido. O principal é manter a ajuda do varejo, que tem resistido à inflação.
DINHEIRO ? O controle da inflação será feito a partir de medidas recessivas ou há outra saída?
PALOCCI ? O desejável é equilíbrio econômico pelo crescimento econômico, por uma economia mais saudável. Isso, contudo, exige um período de transição onde poderão ser exercidas medidas clássicas de políticas monetária e fiscal.
DINHEIRO ? Como choque de juros, por exemplo?
PALOCCI ? Acho que a política fiscal pode responder melhor do que o uso da ferramenta monetária. O Brasil não se dá bem com juros altos. É um País que depende de política fiscal. Se houver austeridade, com superávits nas contas públicas condizentes com as necessidades do País, haverá uma melhora importante.
DINHEIRO ? O sr. considera que um superávit equivalente a 3,75% do Produto Interno Bruto é suficiente para acalmar investidores?
PALOCCI ? É cedo para se afirmar isso. Se for necessário um porcentual maior, não deixaremos de trabalhar por ele. Lula já falou várias vezes que teremos o superávit necessário para declinar a relação entre dívida pública e PIB. Isso é algo a ser reavaliado constantemente.
DINHEIRO ? No momento, o presidente eleito está sendo beneficiado por uma onda de confiança enorme. Por quanto tempo o sr. acredita que essa trégua irá durar?
PALOCCI ? Os brasileiros não só darão o tempo necessário ao presidente, como ajudarão, de forma ativa, a mudar o País. A população não terá uma postura de expectativa e, sim, de participação. Veremos uma grande mobilização, envolvendo cidadãos, empresários e governo para superar as dificuldades. Além disso, recebemos muita solidariedade de outros governos.
DINHEIRO ? O que é possível esperar em termos de crescimento nos próximos anos?
PALOCCI ? Prefiro não arriscar números.
DINHEIRO ? Mas quanto é desejável?
PALOCCI ? Queremos estabilidade com crescimento razoável, portanto, é bom que o Brasil retome um crescimento de, pelo menos, 5% anuais. O País chegou a crescer 7% ao ano sob políticas inflacionárias.
DINHEIRO ? O pacto social é algo realmente viável ou estopim para uma grande fogueira de vaidades?
PALOCCI ? Se houver uma perspectiva da sociedade de aguardar que o governo, sozinho, resolva os problemas do País, as soluções não virão. Todas as vezes que o Brasil superou dificuldades foi por meio de mobilização ? industrial, econômica ou social. Combinar ações positivas da sociedade e do governo é a melhor garantia de atravessar turbulências.
DINHEIRO ? As aparições do presidente eleito têm tido um quê de messianismo. Isso não será uma armadilha na hora de aprovar medidas pouco palatáveis?
PALOCCI ? Lula foi eleito por um movimento. Não acho que as pessoas tenham esperança ?no? Lula, mas no País. O povo vê nele, isso sim, uma liderança capaz de mobilizar as forças motrizes da sociedade. Se o governo entender essa dimensão da política e transformar-se em indutor da integração, todos os desafios serão transpostos.
DINHEIRO ? Existe previsão de que o Tesouro Nacional arrecadará 10% a menos em 2003. Como os petistas lidarão com o desafio de cumprir as promessas de campanha com menos dinheiro em caixa?
PALOCCI ? Se fosse fácil, o povo não elegeria Lula presidente. O PT foi chamado para enfrentar esse desafio: fazer mais, em uma situação muito pior. Avaliando a política fiscal ao longo dos últimos anos, chega-se à conclusão de que o resultado foi positivo, mas de forma relativa, porque foi obtido a partir do comprometimento da qualidade. Ainda há espaço grande para melhorar o equilíbrio fiscal, no que tange às receitas e despesas.
DINHEIRO ? Na realocação de recursos, o que não será
deixado de lado?
PALOCCI ? No Brasil, é impossível negligenciar investimentos nas áreas social e de infra-estrutura. Ou, na hora da expansão econômica, acontece o de sempre: não temos fôlego para avançar por tempo razoável. Um bom exemplo é o setor energético. Hoje, se o Brasil crescer de forma razoável faltará energia para sustentar o desenvolvimento. Por isso há necessidade de investimentos. Para acabar com os gargalos.
DINHEIRO ? A carga tributária brasileira é uma das maiores do mundo. Por que os contribuintes vêem tão poucos resultados práticos dos impostos que pagam?
PALOCCI ? Existe baixa qualidade do ajuste fiscal e corrupção, além da dispersão dos programas sociais. Hoje, eles estão espalhados. É preciso haver coesão para que o resultado apareça. E o combate à corrupção não custa dinheiro, gera recursos.
DINHEIRO ? Como será a Receita Federal do PT?
PALOCCI ? O primeiro passo é melhorar a qualidade dos
impostos. O Brasil tributa investimentos, o que não é inteligente, pois constrange o produtor. O ideal é taxar a renda e recuperar o perdido em evasão, sonegação e outros crimes. Não falta inteligência à Receita, falta inteligência nos impostos. Atualmente, existem impostos complexos, como o ICMS, que tem 44 alíquotas e é regido por 27 leis. É preciso simplificar a legislação. Ou seja, é um imposto burro. Será modificado.
DINHEIRO ? O que o PT pretende com a reforma tributária?
PALOCCI ? Simplificação e melhora da administração tributária. Não é aumento de carga. A sociedade está no limite, já paga muito. Impossível aumentar ainda mais os impostos.
DINHEIRO ? Há alguma ação específica para a cobrança da dívida ativa da União?
PALOCCI ? Isso não é algo tão simples. Os valores brutos não expressam o real, pois muitas empresas estão quebradas.
Parte dessa dívida é irrecuperável. E tem outra coisa: parar com anistias permanentes, ou cria-se um estímulo a um mau comportamento do contribuinte.
DINHEIRO ? O sr. exclui a possibilidade de um novo Refis?
PALOCCI ? Era preferível não ter novo Refis, pois já foram
feitos dois em um curto período de tempo. É preciso que as
pessoas paguem suas dívidas. Se alguns o fazem, todos têm de fazer também. Mas isso não quer dizer que a hipótese de um
novo Refis está descartada. O importante é deixar claro: a reprogramação de débitos não será uma prática comum do PT no governo. Há setores que não estão conseguindo pagar impostos, estão supertributados. Não quero especificar quais, para não estimular demandas. Mas está claro que a solução é mudar a política tributária e não promover anistias.
DINHEIRO ? Como será a gestão dos bancos públicos a
partir de 2003?
PALOCCI ? Serão tratados como bancos.
DINHEIRO ? E isso quer dizer o quê?
PALOCCI ? A Caixa Econômica Federal, por exemplo, tem de financiar a habitação popular. Fará isso seguindo as regras de mercado, com gestão profissional e competente. O governo financiará os programas e não as instituições, como era feito
antes. O dinheiro vai para o sistema. É melhor subsidiar os
projetos do que os bancos, que já consumiram muito dinheiro.
DINHEIRO ? Como o sr. vê a questão dos negócios com
outros países?
PALOCCI ? Sou contra adotar o mau exemplo de países desenvolvidos e criar barreiras não-tarifárias. O negócio é brigar para derrubá-las internacionalmente. No agronegócio, por exemplo, podemos disputar em pé de igualdade com qualquer país do mundo.
DINHEIRO ? Há seis meses, o PT era tido como um demônio pelo mercado. Como reverteu a situação?
PALOCCI ? O PT fez nesta campanha, talvez pela primeira vez, não apenas um programa político, mas um programa para governar o Brasil. Nossa preocupação não ficou restrita a ganhar as eleições, estendeu-se aos meios de governar. Houve a preocupação com pactos que garantirão uma nova política industrial, de crescimento e de transição para outra política econômica.
DINHEIRO ? Onde pode haver incentivos fiscais?
PALOCCI ? Não gosto desse termo. A idéia é retomar crédito a setores estrangulados. O BNDES, por exemplo, irá expandir suas linhas para o microcrédito.
DINHEIRO ? O BNDES continuará sendo um braço do governo voltado a tirar grandes empresas do buraco?
PALOCCI ? O salvamento de empresas tem de estar vinculado ao interesse nacional. Ajudar setores estratégicos é algo necessário, mas o BNDES não tem de ser hospital de empresas. Se uma companhia não deu certo, acabou. Quem quiser capitalizá-la irá arcar com os riscos. Não o governo.
DINHEIRO ? Como será a relação do Estado com as
empresas privadas?
PALOCCI ? De parceria. A idéia é um Estado forte para regular o sistema. Na crise energética, faltou a presença do Estado. O apagão não foi apenas falta de energia. Foi, isso sim, apagão na capacidade de planejamento do governo. Não é possível fugir a certas responsabilidades.
DINHEIRO ? E a atuação das agências reguladoras?
PALOCCI ? O modelo não está errado e pode ser usado no próximo governo. Mas essas autarquias terão de ser fortalecidas, a partir de critérios técnicos, e acompanhadas mais de perto.
DINHEIRO ? Haverá estímulo aos fundos de pensão privados?
PALOCCI ? Precisamos melhorar a poupança interna e as condições de os trabalhadores cuidarem de suas aposentadorias. A partir da geração de empregos, é possível multiplicar os fundos de pensão. Não será difícil estimular a previdência privada, quando houver crescimento econômico. O Regime Jurídico Único (RJU, sistema previdenciário do servidor público) é onde tem de ser feita uma reforma maior. Assim, a curva do déficit da Previdência poderá cair, contrariando a tendência atual. Os fundos de pensão têm servido pouco ao estímulo do mercado de capitais, mas pretendemos corrigir essa rota. E, claro, passarão a fornecer crédito à produção.
DINHEIRO ? O sr. concorda com a tese de que, atualmente, o mercado financeiro subjuga a política?
PALOCCI ? O capital exerce força de ação e atração. Qualquer país que pretenda dar certo tem de lidar com o mercado. Agora: nenhum mercado financeiro substitui boas políticas de produção. O capital tem de servir para viabilizar a economia real ou ele não se perpetua. Esse, aliás, foi o problema do Brasil nos últimos anos. Por conta de uma política monetarista, abandonou a prática sistemática de estímulo produtivo. Ciência e tecnologia, por exemplo, são áreas que ficaram às moscas, completamente abandonadas.
DINHEIRO ? Foi difícil deixar de sentir o pulso do paciente para sentir o pulso da economia?
PALOCCI ? Para mim não é diferente. Lidar com o mercado é lançar mão da psicologia, algo que sempre fiz como administrador ou médico. Minha especialidade é voltada para a economia real e a administração de recursos. Sou médico, mas bom de números.
DINHEIRO ? O sr. esperava ganhar tanta visibilidade no decorrer da campanha e da transição?
PALOCCI ? Não. No começo, a intenção era apenas contribuir um pouco com a campanha. Mas política é isso: aceitar desafios. Estou pronto para o que der e vier.