11/10/2022 - 7:01
Uma pequena fabricante de doces do interior do Rio Grande do Sul está dominando uma área muito específica dos supermercados: a ala bem ao lado das gôndolas, onde tradicionalmente as empresas de chocolates se posicionam para que o consumidor caia na “tentação” e leve um docinho antes de passar no caixa. Com seus tubinhos de wafer e chocolate ao leite, a Trento passou a incomodar gigantes do setor, como Hershey’s, Lacta e Ferrero.
Apesar de a marca ter ganhado tração nos últimos anos, a empresa que produz os chocolates, Peccin, está no setor há quase 70 anos. Para especialistas ouvidos pelo Estadão, a marca soube aproveitar o aumento no consumo durante a pandemia de covid-19, que “abriu o paladar” do consumidor para novos nomes no mercado.
A migração de doces mais baratos para o chocolate deu um empurrão no faturamento da companhia, que cresce 30% ao ano, em média. Segundo o balanço de 2020, a receita anual está em cerca de R$ 280 milhões. Hoje, as vendas da marca Trento já representam dois terços do movimento da Peccin, cuja fábrica fica em Erechim, a 370 km de Porto Alegre. A companhia agora quer aumentar a produção e tem uma meta ousada: triplicar de tamanho em cinco anos.
Nas redes sociais, consumidores comparam lançamentos recentes de grandes marcas – como Hershey’s e Sonho de Valsa – com os tradicionais “tubinhos” da pequenina Peccin. Na avaliação do professor de varejo da FGV, Ulysses Reis, esse tipo de “coincidência” é comum no mercado. “No mundo do varejo, são raros os produtos totalmente novos”, diz.
Diante do êxito dos chocolates da Trento, a Peccin investiu R$ 100 milhões na construção de uma nova fábrica de 15 mil metros quadrados. Para os próximos cinco anos o plano é investir mais R$ 150 milhões na produção, conta o presidente da empresa, Dirceu Pezzin, membro da segunda geração da família fundadora.
Depois de depender por muito tempo das redes sociais e de ações de marketing mais baratas, a companhia flerta agora com a possibilidade de uma campanha em TV aberta para todo o País.
VIRADA DE CHAVE
Criada em 1956, a companhia familiar passou mais de meio século produzindo balas, pirulitos e chicletes com foco na exportação para cerca de 50 países. A mudança nessa receita veio durante um período de desvalorização da moeda americana ante o real, em 2010. Foi nessa época que a fabricante gaúcha decidiu que era preciso reduzir a dependência do negócio dos produtos à base de açúcar – na época, com o dólar abaixo de R$ 2, a empresa viu sua receitar cair 20%.
“Passamos seis meses desenvolvendo os ‘dois rolinhos’ recheados que são nossa marca registrada. Se tivéssemos lançado uma barra, seríamos só mais um no mercado”, lembra.
A empresa investiu R$ 10 milhões na primeira linha de Trento, que custearam o desenvolvimento do produto e a compra de maquinário para a produção. Durante os três primeiros anos, mesmo com o crescimento de vendas dos chocolates, a companhia operou em prejuízo.
PANDEMIA
Com mais tempo em casa, por causa do período de isolamento durante a crise sanitária, a população mundial aumentou o consumo de chocolates. Neste cenário, uma das mudanças feitas pela Peccin para abocanhar esse novo mercado foi expandir seus canais de distribuição. Agora, além da venda no varejo, o produto pode ser comprado no site da Peccin. As vendas cresceram 44% em 2021.
Segundo o presidente da Trento, Pezzin, a expectativa da companhia é de aumentar pontos de distribuição – hoje, são 8 mil pontos de venda em todo o Brasil. “Temos algumas regiões que são mais complexas, como o Nordeste, devido à diferença de temperatura (é mais difícil de crescermos). Precisamos sempre pensar como não afetar a qualidade do produto na hora da distribuição.”
CONCORRENTES
Para Cristina Souza, presidente da consultoria Gouvêa Foodservice, a competitividade dos chocolates Trento se dá por terem um bom custo-benefício em comparação aos principais concorrentes. “Uma nova marca incomoda os grandes porque reduz a fatia de mercado deles – algo que nenhuma empresa quer.”
Cristina ainda lembra que, apesar de o produto ter uma quantidade maior de cacau em sua composição em relação aos concorrentes, a marca não tem utilizado esse diferencial para se destacar. A especialista diz que no mercado premium, em lojas como Dengo, Cacau Show e Kopenhagen, a quantidade de cacau é a primeira informação utilizada para atrair o público.
“Eles têm essa vantagem nas mãos, mas não os vejo explorando isso”, afirma a executiva da Foodservice. “Qualidade é um atributo que o consumidor vem se preocupando cada vez mais. As pessoas preferem comer menos e comer melhor. É um movimento comum dentro do mercado.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.