21/09/2022 - 10:03
Por Gabriel Stargardter
UBERABA (Reuters) – Pouco antes do amanhecer, em junho de 2019, uma quadrilha de assaltantes fortemente armada usou um caminhão para invadir a principal agência do Banco do Brasil da cidade de Uberaba, em Minas Gerais. Eles deixaram o edifício várias horas depois levando cerca de 5 milhões de dólares em espécie.
Os assaltantes faziam parte de uma nova classe de criminosos conhecida como o “novo cangaço”, que aterroriza o interior brasileiro.
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Usando explosivos e rifles de assalto na transformação das cidades rurais em zonas de guerra, essas quadrilhas especializadas já roubaram surpreendentes 120 milhões de dólares desde seu surgimento em 2015, segundo o think-tank Alpha Bravo Brasil.
Em uma reportagem relacionada, a Reuters rastreou como as normas para flexibilização do acesso a armas impostas sob o governo do presidente Jair Bolsonaro facilitam a obtenção de rifles de assalto, como os usados em Uberaba, por criminosos.
Os promotores atribuem algumas das investidas do “novo cangaço” ao Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção criminosa mais poderosa do Brasil. O PCC tem forte presença em Uberaba, uma rica cidade pecuarista do Estado de Minas Gerais. O ataque de 2019, que envolveu uma quadrilha com mais de duas dúzias de membros, foi idealizado por um chefe do PCC condenado a quase 150 anos de prisão pelo roubo.
A partir de documentos judiciais, relatos de testemunhas, imagens de segurança e entrevistas, a Reuters reconstruiu o assalto pela primeira vez em detalhes.
CENÁRIO DE GUERRA
Cerca de uma semana antes do assalto, os ladrões alugaram um apartamento perto do banco para vigiar o local. Em 27 de junho, por volta das 3h30, eles invadiram. Após arrombar a porta da garagem da agência bancária com um caminhão Volkswagen, parte do grupo se dirigiu ao cofre. Outra parte vandalizou a rua com tiros de metralhadora.
A algumas centenas de metros de distância, em uma farmácia 24 horas Drogasil, o farmacêutico Thales Rezende esquentava sua refeição no microondas quando ouviu o que pareciam ser fogos de artifício. Rezende e dois colegas saíram para investigar. Todos os três se recusaram a falar com a reportagem.
Do lado de fora, eles viram dois carros com homens armados apoiados sobre as janelas, atirando em sua direção. Aterrorizados, eles se esconderam no depósito. Um assaltante encapuzado entrou e disse para que entregassem seus telefones.
Em seguida, eles foram levados para a rua, onde cerca de 20 membros da quadrilha atiravam contra transformadores e fixavam explosivos –uma tática típica do “novo cangaço” para semear o terror nas pequenas cidades brasileiras.
Os agressores disseram que não queriam os machucar. “Só queremos matar a polícia”, disse um deles, segundo o farmacêutico Clauber Amaral.
Os assaltantes disseram aos reféns que corressem para o banco –sem brincadeiras ou eles levariam tiro– onde se encolheram enquanto seus sequestradores trabalhavam para explodir o cofre. Por volta das 6h da manhã, os criminosos saíram do cofre enfumaçado carregando bolsas de dinheiro e colocaram os três homens na traseira dos caminhões.
Enquanto se afastavam, atirando contra policiais e colocando bloqueadores de fuga na estrada, os ladrões disseram aos reféns para permanecer na parte de trás das caminhonetes e chacoalhar suas camisas acima de suas cabeças para evitar tiros da polícia, antes de liberá-los nos arredores da cidade.
Em meio ao caos, uma pessoa foi morta –uma mulher atingida na cabeça por uma bala perdida enquanto voltava para casa com os amigos no banco de trás de um táxi. Dois pedestres foram atingidos na perna e sobreviveram. Os prédios da Câmara Municipal de Uberaba e do Corpo de Bombeiros foram atingidos por disparos.
NEGOCIAÇÃO “BEM TENSA”
A cerca de 50 km do centro de Uberaba, na fazenda São Basílio, Sirlene Rosa acordou por volta das 3h50 com seu telefone tocando com a notícia do assalto. Ela acordou o marido, Claudeci Rosa, e disse ao filho Vinicius, de 15 anos, que ele não iria à escola em Uberaba naquele dia.
Claudeci não estava tão preocupado. Uberaba era longe, e a fazenda que administrava ficava em uma estrada de terra, a uns 5 km da rodovia. Ele voltou a dormir. Mas, à medida que o amanhecer se aproximava, as mensagens no telefone de Sirlene sugeriam que a quadrilha estava se aproximando.
Por volta das 6h20, seus cães começaram a latir. Claudeci ouviu um veículo estacionar.
“Abram!”, alguém gritou. “Nós somos da Polícia Federal e se não abrirem, iremos arrombar.”
Do lado de fora, dez dos ladrões portavam fuzis de assalto em cada mão. Com a polícia os perseguindo, os criminosos procuravam por novos reféns –sua passagem para a liberdade. Eles colocaram a família Rosa na traseira de um caminhão roubado, junto com o sobrinho de Claudeci e sua família, além de dois homens de uma fazenda vizinha.
Eles aceleraram, mas não foram muito longe. Por volta das 7h, a polícia os interceptou. Na sequência, houve um breve tiroteio.
Dentro do caminhão, a situação era preocupante. Enquanto alguns assaltantes pediam perdão aos reféns, um outro pediu à quadrilha que aceitasse a morte e matasse os policiais.
Lupercio Peres, ex-chefe da Polícia Militar de Uberaba, relembrou a negociação “bem tensa”.
“Você tem um cenário onde há reféns e marginais fortemente armados com fuzis, colete”, disse ele. “Realmente virou um cenário de guerra.”
Eventualmente, por volta das 11h, os bandidos se renderam e libertaram os sete reféns, que incluía uma criança de dois anos. Vinicius Rosa e um outro se recusaram a falar com a reportagem. A Reuters não conseguiu contactar os demais.
As autoridades acabaram recuperando pouco mais de 100 mil dos cerca de 25 milhões de reais roubados naquela noite. A maioria dos membros da quadrilha nunca foi pega. Em 2020, os dez detidos receberam penas que, juntas, totalizam mais de 1.500 anos de prisão.