20/06/2007 - 7:00
No século passado, Carmen Miranda conquistou os norte-americanos com o seu “South American Way” (jeito latino-americano).
Era puro carisma, cores e alegria. Hoje, a Alpargatas, uma gigante notável, quer repetir a façanha. Aos 100 anos de idade e em pleno vigor financeiro, a empresa inicia na quinta-feira 28 uma das mais ambiciosas fases de seu processo de internacionalização, com a abertura de um sofisticado escritório em Nova York. O endereço é 131 Springs St, no coração do SoHo, o bairro dos nova-iorquinos descolados. Sua meta, nem um pouco modesta, é transformar os hábitos de consumo da população e, por tabela, o mercado de sandálias dos EUA. Explica-se: por lá, não se usam chinelos no dia-a-dia e em todo lugar como no Brasil.
As vendas têm picos nos meses de primavera e verão e concentram- se nas ensolaradas cidades da Costa Oeste. No resto do ano, o que existe é um hiato. A arma que os brasileiros da Alpargatas usarão para mudar essa realidade é a poderosa marca Havaianas, responsável por quase metade do faturamento de R$ 1,6 bilhão do grupo e sucesso absoluto no Brasil, com 3 bilhões de pares vendidos desde a sua criação, em 1962. Só no primeiro trimestre de 2007, foram 38 milhões de pares. “O mercado de sandálias deles ainda não está bem estabelecido, mas cresce na razão de 10% a 15% ao ano. Nosso plano é diversificá-lo, ampliar a cobertura e estender a demanda ao longo de todo o ano”, diz Carla Schmitzberger, diretora da divisão de sandálias da Alpargatas. “Nosso produto tem qualidade e a marca remete à alegria, ao espírito vibrante, à brasilidade. Quer melhor relação custo-benefício?”
Carla não conduz a empreitada sozinha. Para comandar a Alpargatas US (como será chamada a nova empresa), recrutou a executiva americana Elaine Sugimura, cujo currículo ostenta 20 anos de passagens por grifes como Gucci, Fendi e Anne Klein. Sugimura esteve no Brasil na semana passada para conhecer a fábrica da Alpargatas em Campina Grande (PB). O grupo espera que ela eleve os 2% de participação que a Havaianas tem no mercado americano de 190 milhões de pares. Para isso, a empresa controlará toda a operação, da importação à distribuição, passando pelo marketing. Só não haverá produção. “Hoje, a Havaianas é vendida no exterior por distribuidores que fizeram um ótimo trabalho de posicionamento no mercado de luxo”, explica ela, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. “Agora vamos fazer a ponte entre o luxo e o nível médio, para que alcancemos a grande parcela de consumidores.”
Além disso, ela deverá criar um modelo de negócios bem-sucedido que possa ser replicado em outros países.
“Ao criarmos uma Alpargatas US, abrimos também a oportunidade de avançar nos demais mercados externos com estrutura própria”, afirmou à DINHEIRO Márcio Utsch, presidente da Alpargatas. “Hoje somos multinacionais. Queremos ser globais.” A cada ano, a Alpargatas envia para o Exterior 17 milhões dos 162 milhões de pares produzidos.
AS HAVAIANAS são responsáveis por 50% do faturamento de R$ 1,6 bilhão da Alpargatas
A empresa não divulga números, mas DINHEIRO apurou que a matriz pretende investir US$ 150 milhões nos EUA nos próximos quatro anos. A grande novidade é que a Havaianas passa a fazer publicidade no país. “Antes, ficávamos só no boca-a-boca”, lembra a diretora. Na campanha publicitária de Nova York, foram investidos US$ 15 milhões. E ela será massiva.
Nas laterais de vários prédios do bairro do SoHo, por exemplo, onde ficará o escritório, os artistas McFaul e Kustaa Saksi (que têm no currículo trabalhos em marcas como Levi’s e Virgin Atlantic) pintaram sandálias estilizadas do tamanho de quatro andares, sobre as quais instalaram tiras gigantes de borracha. Em outra frente, entre junho e setembro, a empresa colocará mais de 80 inserções em revistas de moda, design e música do país. Tudo muito colorido, com temas florais.
Mas essa brasilidade será suficiente para a Havaianas cair nas graças dos americanos? “O Brasil tem apelo, sem dúvida. Mas é preciso verificar se esse apelo é duradouro e se a empresa tem escala”, diz José Roberto Martins, gestor de marcas da Global Brands. “A moda tem que permanecer. Não pode ser algo de um só verão.” Segundo ele, o custo para posicionar o nome da empresa no competitivo mercado dos EUA será alto. “Se a Havaianas quer ser um jogador sério, precisa ter capital para sustentar o investimento a longo prazo. Outro quesito importante é diferenciação, entendida como inovação, não só em design, mas em tecnologia, em estilo, em uso.” A Alpargatas diz ter. A reação do mercado dirá.