O número de sequestros no Estado de São Paulo em 2022 atingiu o maior patamar em 15 anos. O levantamento leva em conta apenas registros de janeiro a setembro do último período, na comparação com os 12 meses dos anos anteriores, o que indica que a recente escalada desses crimes deve ser ainda maior. Por trás dessa alta, está a facilidade de desviar dinheiro via Pix, sistema lançado no fim de 2020 pelo Banco Central.

Os dados de extorsões mediante sequestro da Secretaria da Segurança Pública foram obtidos pelo Estadão via Lei de Acesso à Informação. O perfil dos sequestros mudou, com destaque para escolhas aleatórias dos alvos e para o chamado Golpe do Amor, em que a vítima é emboscada após marcar encontro por aplicativo de namoro. Normalmente, o refém é mantido por horas em cativeiro perto do local de abordagem, enquanto a quadrilha faz transações bancárias. Depois, é solto em áreas mais afastadas.

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Houve 165 registros de janeiro a setembro de 2022, alta de 75% ante os três primeiros trimestres do ano anterior (94 notificações). E o número já supera todo o ano de 2021 (160 casos). Considerando o balanço fechado de cada ano, o último pico (323) havia sido em 2007. A alta é maior em delegacias da Grande São Paulo: a capital tem quase dois terços (98) das ocorrências de 2022. Os casos dispararam especialmente na zona norte (29).

Além disso, grande parte dos raptos não entra nesses registros. Isso porque o balanço reúne notificações de extorsão mediante sequestro, mas é comum crimes como o Golpe do Amor serem registrados só como extorsão, disseram autoridades policiais ao Estadão.

Violência

Na semana passada, um caminhão de carga foi abandonado na Marginal do Pinheiros após o motorista e seu ajudante serem levados a um cativeiro. Ameaçados, eles passaram senhas de banco e foram libertados horas depois em uma estação de trem.

Já no último dia 6, dois suspeitos de sequestro em Pirituba, zona norte, foram presos ao usarem o cartão da vítima em uma adega. O refém (farmacêutico de 28 anos) foi abordado pelos bandidos em um semáforo e encontrado perto do cativeiro no dia seguinte.

Os sequestros atingiram o pico da série histórica em 2005, época da popularização dos caixas eletrônicos e avanço de ações Primeiro Comando da Capital (PCC) nas ruas, mas desaceleraram nos anos seguintes. “Com os aplicativos, especialmente o Pix – que é muito bom para a economia, mas que para essa prática criminosa tem sido horrível -, tem tido aumento novamente”, afirma o delegado Fábio Nelson Fernandes, novo chefe da Divisão Antissequestro da Polícia Civil, que atua neste setor desde 2001.

O total de prisões pela Divisão Antissequestro mais do que dobrou: de 138, em 2021, para 303, no ano passado. Mais de 90% das investigações incluem o Golpe do Amor – Fernandes diz não haver evidência de elos com facções, como o PCC. “O crime consiste em marcar falso encontro e emboscar a vítima.” Os cativeiros, diz, estão mais concentrados nas regiões de Parada de Taipas e Brasilândia (zona norte).

Conforme Fernandes, o Código Penal determina que o sequestro relâmpago sem acionar terceiros deve ser classificado como extorsão qualificada (art. 158). “Quando há exatamente a mesma ação – a vítima é mantida em cárcere privado -, mas há ligação telefônica ou exigência para um terceiro, aí o registro é de extorsão mediante sequestro (art. 159).” Com isso, parte dos raptos se perde entre outros tipos de extorsão. De janeiro a setembro de 2022, foram 5 mil registros de extorsão no Estado.

Para Alan Fernandes, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há uma tendência mundial de aproximação entre crimes presenciais, como roubo, e os cibernéticos: facilita ter a vítima rendida enquanto são feitos os desvios. “E o que acontece com crimes virtuais – e tem essa modalidade de Golpe do Amor -, é a vítima ficar constrangida de colocar isso a público e não registrar ocorrência”, diz. “Diferentemente do sequestro clássico, que traz mais riscos para o criminoso, esse sequestro é muito mais seguro e lucrativo.”

Inteligência

No início do mês, a Polícia Militar prendeu dois suspeitos, de 19 e 21 anos, e libertou uma vítima, de 43, no Jardim Vivan, zona oeste da capital. O refém contou que foi abordado por três homens e obrigado a entrar em um carro após marcar um encontro por um app de relacionamento. Ele foi agredido e teve cartões bancários, celular e outros objetos roubados. A ocorrência foi registrada como roubo e extorsão pelo 72º Distrito Policial (Vila Penteado). O prejuízo superou R$ 1 milhão.

Dias depois, a Polícia Civil prendeu um homem de 21 anos suspeito do sequestro de um turista britânico. O rapto foi em uma tabacaria no Jaraguá, zona norte, durante partida do Brasil na Copa do Mundo. O refém foi rendido e mantido em um carro por horas. Foram roubados um relógio de luxo – avaliado em R$ 120 mil -, o celular e outros objetos pessoais.

A quadrilha passou a agredir a vítima, que saiu “bastante machucada”, segundo o delegado Alexandre Marcondes, do 72º DP. “Quando não conseguem fazer transferências, a escalada da violência normalmente é muito alta”, afirma. Ele diz ter notado “número considerável de ocorrências desse tipo na região”, sobretudo por pequenas quadrilhas. A diferença, explica, é que antes “as vítimas tinham muito dinheiro”. Hoje em dia, diz, “os alvos são mais amplos”.

Ao Estadão na última semana, o novo secretário da Segurança Pública, o capitão Guilherme Derrite, afirmou que vai “ampliar parcerias com instituições bancárias para combater os ‘sequestros do Pix’”. “Vamos monitorar, no programa Muralha Paulista, por meio do Imei (código específico de cada celular), a localização exata do aparelho. E usar tecnologia”, disse.

Treinamento

A Divisão de Antissequestro também fez treinamentos no fim de 2022, com foco nesses crimes. Segundo o delegado Fábio Nelson Fernandes, a capacitação mira abordagem mais efetiva e “desafogar” a divisão especializada, permitindo foco na desarticulação de quadrilhas. Segundo ele, também foram criados núcleos de inteligência para mapear grupos criminosos.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que os bancos atuam em parceria com forças policiais e orientam que os clientes usem as funcionalidades dos apps para ajustar os limites conforme as necessidades.

O Banco Central afirmou que todas as operações com o Pix são 100% rastreáveis, o que permite identificar contas recebedoras. O BC diz ainda orientar instituições e clientes para que usem plenamente os mecanismos de segurança.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.