O chamado turismo médico vem crescendo de 15% a 25% por ano no Brasil. Cirurgias plásticas respondem por maior parte da demanda de pacientes vindos do exterior, que são atraídos pelos preços e boa fama do setor.A advogada brasileira Carla Trigueiro, que mora em Veneza, na Itália, a secretária aposentada suíça Nicole Schultheiss e a recrutadora corporativa americana Adrianna Rains têm um ponto em comum em suas trajetórias: as três viajaram ao Brasil para fazer procedimentos médicos.

É um movimento cada vez mais frequente, conforme apontam pesquisas e levantamentos. Segundo a empresa de pesquisa em negócios Brain Inteligência Estratégica, o chamado turismo de saúde cresce de 15% a 25% por ano no país e deve movimentar cerca de 13 bilhões de dólares de 2023 a 2030.

A ampla estrutura hospitalar de cidades como São Paulo, a relativa boa fama internacional de médicos e hospitais brasileiros – sobretudo ao se considerar a rede privada de elite – e, principalmente, a desvalorização do real são apontados como motores desse fluxo de pacientes.

A capital paulista é o epicentro desse fenômeno, que reflete também em crescente procura por infraestrutura de hospedagem qualificada, próxima aos principais centros médicos. De acordo com a Brain, a cidade tem cerca de 200 hospitais e clínicas, com um total de 30,8 mil leitos. “Hoje, 12% dos turistas que vêm a São Paulo são ligados ao turismo médico”, afirma Guilherme Werner, sócio da empresa de pesquisa. “Dos 575 mil médicos do país, 166 mil atuam na cidade de São Paulo. E mais ou menos metade deles são especialistas.”

O maior ativo desse mercado é o setor das cirurgias plásticas. De acordo com relatório publicado em junho pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, o Brasil é o país que mais realiza esse tipo de procedimento no mundo – foram mais de 2 milhões em 2024. Segundo levantamento da revista americana especializada Patients Beyond Borders, 7% dos pacientes do nicho atendidos no país são estrangeiros. Ou seja: 140 mil por ano.

Das cirurgias plásticas realizadas no Brasil, 34% ocorrem no estado de São Paulo, sendo que a capital representa 60% dessa fatia.

Fama e preço

“Escolhi o Brasil porque eles [os médicos brasileiros] têm mais experiência e prática do que no meu país”, diz a suíça Nicole Schultheiss. Ela conta que há 20 anos “teve a sorte” de conhecer o seu médico, quando foi ao Brasil para fazer uma abdominoplastia e colocar implantes mamários. “Fiquei muito satisfeita com os resultados.”

Aos 68 anos, ela voltou ao Brasil neste ano, em abril. “Desta vez, para retirar meus implantes mamários”, relata. “Fiquei uma semana no Brasil e, quanto ao acompanhamento pós-operatório, faço videochamada.”

A americana Adrianna Rains, de 65 anos, fez o turismo hospitalar no Brasil em fevereiro do ano passado – também para procedimentos estéticos. No caso dela, na face. Moradora de Nova York, ela disse que chegou ao médico por indicação de “uma grande amiga brasileira”. Além dos elogios da amiga, pesou também o custo, ela enfatiza. Nesse sentido, a desvalorização do real frente ao dólar nos últimos anos favorece o setor.

De acordo com levantamento da Brain, os custos da medicina privada brasileira atualmente são de 20% a 30% menores do que nos Estados Unidos.

“Fiz uma consulta por videochamada com o médico e enviei vários exames de sangue e informações sobre minha saúde. Quando cheguei [a São Paulo], fizeram exames adicionais de sangue, eletrocardiograma, mas foi tudo extremamente fácil. Fiquei 12 dias [na cidade] após a cirurgia e o médico e sua equipe me atenderam diversas vezes”, conta Rains.

Em São Paulo, ela alugou um apartamento via Airbnb nas proximidades do consultório de seu cirurgião plástico.

“Já tive diversas consultas de acompanhamento remotas com ele, apenas para verificar a minha recuperação. E ele responde a todas as minhas perguntas”, diz a americana. “Nunca estive tão tranquila em relação a um procedimento médico. Toda etapa foi muito simples.”

Nascida em Natal, a advogada Carla Trigueiro, de 60 anos, morou 25 anos em Nova York e, desde o ano passado, vive em Veneza, na Itália. Ela também realiza seus procedimentos estéticos em São Paulo. Quatro anos atrás, esteve na cidade fazendo abdominoplastia, cirurgia no abdômen. Em 2023 voltou para fazer blefaroplastia (correção nas pálpebras) e ritidoplastia, operação conhecida também como lifting facial.

“Acredito firmemente que a qualidade dos médicos do Brasil seja, no geral, melhor do que a dos americanos”, elogia. “Além disso, os procedimentos de cirurgia plástica nos Estados Unidos, além de caríssimos, fora de qualquer sentido, não são feitos em hospitais, mas em clínicas. Acho um risco enorme.”

Para o cirurgião plástico Vitorio Maddarena, esta demanda estrangeira passou a fazer parte da rotina. Sua clínica, na zona sul de São Paulo, realiza uma verdadeira força-tarefa para conseguir acomodar essa clientela muitas vezes no curto tempo em que tal tipo de paciente tem de permanência no país.

O procedimento costuma começar com uma consulta remota, em que ele já planeja o procedimento e pede exames prévios que podem ser feitos no país de origem. Tudo para otimizar o cronograma. Depois, quando a pessoa chega ao Brasil, uma primeira consulta finaliza esse atendimento clínico pré-operatório e, eventualmente, termina com a realização de mais exames.

Depois da cirurgia, sua equipe se encarrega de flexibilizar ao máximo a agenda do consultório para que ele possa atender a esses pacientes com prioridade nos dias seguintes, antes da partida do país. “Por fim, sigo acompanhando por consultas on-line”, conta ele.

Maddarena conta que muitos desses pacientes também pedem ajuda para conseguir lugar para hospedagem, motorista para os deslocamentos e até mesmo acompanhamento para o pós-operatório. “Essas demandas acabam fazendo com que a gente lá na clínica também atenda a essas questões. São adaptações que fizemos para o público que mora no exterior”, afirma.

Na opinião do médico, essa busca de estrangeiros pelo Brasil no âmbito das cirurgias plásticas se apoia no preço e na boa fama que goza o setor. “Tem o fator do câmbio. Quando o Brasil tem preço mais competitivo, o paciente estrangeiro acaba preferindo vir”, comenta. “Mas eles também preferem a cirurgia plástica brasileira, pelo renome que existe, o padrão de qualidade elevado.”

Mercado imobiliário

A alta demanda por tratamentos em São Paulo movimenta também o setor imobiliário. Enquanto a procura aumenta por hotéis e apartamentos para estadia mais longa nas proximidades de clínicas e hospitais de referência, algumas construtoras focam nesse nicho, em empreendimentos que devem ser concluídos nos próximos anos.

É o caso do complexo de condomínios Parque Global, na zona sul de São Paulo. Em um terreno de 218 mil metros quadrados, estão sendo construídos prédios de alto padrão – quatro torres já foram entregues, mas o projeto todo só deve ser concluído em 2027.

A ideia é se aproveitar da localização para atender a hóspedes do turismo de saúde. Haverá nesse complexo uma unidade avançada do Hospital Israelita Albert Einstein, com um hotel-boutique integrado a ela – a ideia é que o local esteja pronto para hospedagens mais longas, conforme a necessidade de cada tratamento.

“Será um dos principais centros de excelência em saúde no mundo, e sem dúvida irá atrair uma grande quantidade de pacientes brasileiros e estrangeiros”, acredita o CEO da incorporadora do projeto, Luciano Amaral.