07/07/2019 - 13:00
Na madrugada da quinta-feira (4), véspera da aprovação da reforma da Previdência na Comissão Especial da Câmara, um grupo de oficiais de Justiça e policiais federais e rodoviários, que fazia lobby em favor do setor, cercou o deputado Celso Russomanno (PRB-SP) na entrada do plenário onde se discutia a proposta. “Deputado, não tem acordo nestes termos. Se for assim, vamos para o pau”, disparou Raphael Casotti, policial rodoviário federal que atua em defesa dos interesses de profissionais da Segurança Pública.
Numa sala ao lado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentava fechar um acordo sobre os rumos da votação. Plantados na porta de Maia, representantes de outros grupos de lobby tentavam convencer cada parlamentar que entrava e saía da reunião a encampar mudanças no texto.
Diante das derrapadas iniciais do governo do presidente Jair Bolsonaro e do protagonismo crescente do Legislativo, o número de profissionais especializados em defender algum tipo de interesse aumentou e está mais agressivo nos corredores e gabinetes do Congresso.
Dados da 1.ª Secretaria da Câmara, obtidos pelo Estado por meio de Lei de Acesso à Informação, mostram que 359 organizações têm pessoas autorizadas a circular na Casa para defender suas agendas. É quase o dobro do número de representantes que estavam registrados até a última legislatura (181).
O número total, porém, pode ser ainda maior, já que cada um dos 513 deputados pode autorizar, temporariamente, a emissão de crachás a esses representantes. Há a possibilidade também de simplesmente entrar nas portarias da Casa como visitantes e transitar livremente pelos corredores.
“O Congresso assumiu para si o protagonismo da pauta e se tornou um ambiente mais favorável à discussão de políticas públicas do que até o Planalto, que ainda patina neste início de governo”, afirmou Danilo Gennari, sócio-diretor da Distrito Relações Governamentais, empresa especializada em lobby que atua no setor de tecnologia.
O aumento tem gerado congestionamento destes profissionais nos corredores do Congresso. O Estado presenciou uma “fila” à espera do deputado Alexandre Frota (SP), um dos membros do PSL na Comissão Especial da Previdência. Na Terça-feira (2), ele foi seguidamente abordado por representantes do setor de Segurança Pública e do sistema bancário. Os lobistas da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) pediam a Frota apoio para evitar o aumento da alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de 15% para 20%, previsto no texto da reforma.
Quem também fez pressão no Congresso nas últimas semanas foram os juízes, que atuaram para minimizar o impacto da Lei de Abuso de Autoridade, e representantes da indústria de bebidas, que querem alterações nos tributos para itens produzidos na Zona Franca de Manaus. “Nos reunimos com o relator da proposta do abuso de autoridade, que nos atendeu em alguns dos pontos”, afirmou o presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe), Fernando Marcelo Mendes, presença constante no Parlamento.
Reservado
A atuação dos lobistas ocorre também de maneira mais reservada nos círculos íntimos do primeiro escalão da Câmara. Muitas vezes fora do ambiente do Congresso. Maia tem forte aproximação com o mercado financeiro e se encontra quase semanalmente com representantes do setor em São Paulo. As agendas, geralmente às quintas-feiras, costumam ser privadas.
Já empresários costumam recorrer ao vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (PRB-SP), que já foi ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviço, e ao líder da Maioria, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) – que na quarta-feira passada (3) deixou 30 representantes do setor esperando em sua sala enquanto discutia mudanças no texto da reforma da Previdência.
O foco principal dos grupos de interesse, porém, são as comissões da Câmara, como a que discutiu as regras da Previdência. Um estudo do professor Manoel Leonardo Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), destaca que para os lobistas é mais relevante tentar influenciar a tramitação de um projeto de lei nesta fase do que no plenário.
O estudo também mostra que, nos colegiados, o relator costuma ser o mais “assediado”. No caso da comissão da Previdência, a falta de adesão voluntária de deputados às emendas propostas por entidades de classe levou grupos de interesse a intensificar o lobby sobre o deputado Samuel Moreira (PSDB-SP). Em um mês, 35 entidades ou parlamentares ligados a elas pediram audiência com o tucano, na tentativa de convencê-lo a alterar seu relatório.
Propostas
Nem sempre a atuação dos grupos tem como objetivo barrar alguma alteração na lei. Na Frente Parlamentar de Economia e Cidadania Digital, representantes do setor já ajudaram deputados a apresentarem projetos que vão da regulamentação do blockchain e da criptomoeda à formulação do governo digital. “Se a proposta for boa, de interesse público, não há porquê ignorar. O setor sabe de suas necessidades e conhece melhor o mercado. Eles apresentam a proposta e nós a discutimos aqui no Congresso”, afirmou o deputado do Novo Vinícius Poit (SP).
“Há uma imagem negativa sobre o lobby que está mudando tanto dentro do Congresso, quanto na sociedade. Existe uma pergunta básica que todo político ou representante do setor deveria fazer antes de tentar levar à frente um pedido: eu posso defender publicamente essa proposta? Se sim, é sinal que ela é válida, pode ser feitas às claras”, disse Danilo Gennari.
Foco
Em pesquisa com 65 grupos que defendem interesses específicos no Congresso, as comissões permanentes aparecem no topo da lista de importância de atuação, consideradas por 63,1% como “muito relevante”. Na sequência, aparecem a presidência do Legislativo e o plenário como locais importantes de ação. O resultado tem uma explicação: essas comissões podem votar projetos em caráter terminativo – isto é, que dispensam a obrigação de votação em plenário. Dentro das comissões permanentes também estão os políticos que são alvos preferenciais dos lobistas no Congresso: os relatores de projetos de lei. Segundo a pesquisa, os relatores são considerados mais relevantes do que o líder do governo ou líderes partidários. Dos entrevistados, 73,8% afirmaram que o relator é “muito relevante”.
Falta de transparência
O Brasil não possui um marco legal sobre o lobby. A discussão sobre a regulamentação da atividade se arrasta há cerca de quatro décadas no Congresso, com a apresentação de mais de 30 projetos – sem que nenhum tivesse sua tramitação concluída. Atualmente, há uma versão pronta para ser votada na Câmara, ainda sem data marcada. Trata-se de projeto do deputado Carlos Zarattini (PT-SP), de 2007, com o substitutivo relatado pela ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ).
A matéria estabelece regras para a atuação dos grupos de pressão nas entidades da administração pública federal. O PL prevê, entre outros pontos, que reuniões e audiências de lobistas com autoridades devem constar, obrigatoriamente, de agenda oficial. Ou ainda que o agente público que receber vantagens financeiras ou materiais para atender uma reivindicação será processado por crime de improbidade.
O Planalto também chegou a anunciar uma iniciativa própria para dar transparência ao lobby na administração federal. Entre as medidas que seriam apresentadas pela Controladoria-Geral da União, estavam a criação de uma central com todas as informações sobre a agenda de representantes do governo e a publicidade de indicações feitas por setores para cargos públicos.
Segundo o governo, o texto está em fase final de revisão “por diversas pastas” e deve ser submetido à apreciação da Presidência nos próximos meses. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.