22/07/2018 - 14:08
O Banco do Nordeste (BNB) tem ocupado o espaço do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no financiamento de projetos de infraestrutura na região. Uma medida provisória, convertida em lei no mês passado, reduziu os juros do BNB e provocou uma corrida de investidores por empréstimos da instituição, que até 2016 tinha restrições para atuar em algumas áreas, como energia elétrica. Só no primeiro semestre deste ano, o banco contratou R$ 12,4 bilhões, 77% de todo o volume fechado em 2017 – desempenho tem incomodado a cúpula do BNDES.
Nos últimos meses, antigos e potenciais clientes do banco nacional de fomento desistiram de continuar o processo na instituição e foram bater na porta do BNB em busca de custos mais baixos. Esse movimento começou a se intensificar no ano passado, com a Medida Provisória 812/17, que mudou a fórmula de cálculo das taxas de juros para os empréstimos concedidos com recursos de fundos constitucionais, como é o caso do crédito oferecido pelo Banco do Nordeste.
A medida, proposta do governo, atrelou esse tipo de empréstimo à Taxa de Longo Prazo (TLP) – que é a mesma taxa de juros do BNDES. A TLP, em vigor desde janeiro, foi criada para se igualar às taxas de mercado, em substituição à TJLP, que era subsidiada pelo Tesouro. A MP, no entanto, criava uma diferença entre os dois bancos: o texto incluiu no cálculo da taxa de juros do Banco do Nordeste um redutor para compensar desigualdades regionais.
“O objetivo principal foi alinhar essas taxas às tendências de juros praticados no restante da economia e, ao mesmo tempo, permitir que os fundos cumpram sua missão de oferecer taxas adequadas ao padrão de renda das regiões atendidas”, explicou o Banco Central, em nota.
Durante a tramitação no Congresso, a bancada do Nordeste – liderada pelo deputado Julio Cesar (PSD-PI) – fez pressão para dar ainda mais competitividade aos financiamentos do BNB. Eles conseguiram incluir o fator de localização, que beneficia regiões menos favorecidas economicamente e reduz ainda mais a taxa de juros. Para se ter ideia, enquanto a taxa do BNDES em um projeto de geração de energia pode ficar na casa de 10% ao ano, a do BNB fica em cerca de 6%.
A MP que reduziu os juros do Banco do Nordeste teve 35 emendas e virou lei em 19 de junho deste ano. Uma semana depois, o grupo de energia Equatorial já anunciava contrato de R$ 1,1 bilhão com o BNB para financiar linhas de transmissão na região. Em seguida, foi a vez da francesa Vinci fechar empréstimo de R$ 516 milhões para as obras do Aeroporto de Salvador (BA). Antes disso, a italiana Enel já havia conseguido R$ 678 milhões para três parques solares.
Juro baixo faz BNB dar salto em financiamento à infraestrutura
O orçamento do Banco do Nordeste com recursos do Fundo Constitucional do Nordeste (FNE) cresceu 20% em 2018, para R$ 30 bilhões. Quase metade desse montante está destinada a projetos de infraestrutura na região, como transportes, saneamento e energia elétrica. Até 2016, o setor não tinha um orçamento dentro do banco e as contratações ficavam na casa de R$ 400 milhões por ano.
Entre 2012 e 2016, por uma política de governo, o BNB foi proibido de emprestar dinheiro do FNE – cujos recursos vêm da arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados – para o setor de energia elétrica. Na época, a ordem era focar em negócios menores e deixar os projetos de energia com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), afirma o gerente de Negócios Corporativos e Estruturação de Operações do banco, Sérgio Clark. Nesse período, o banco liberou apenas R$ 2,4 bilhões – 65% do montante liberado no ano passado, de R$ 3,6 bilhões.
Com o aval do governo para atuar em todas as áreas de infraestrutura e uma taxa imbatível no mercado, o BNB acelerou neste ano as contratações no setor. De janeiro a junho, foram R$ 6 bilhões – número semelhante aos empréstimos do BNDES entre janeiro e março para infraestrutura.
“O mercado percebeu a vantagem competitiva (das taxas), o que tem provocado uma grande demanda, em especial entre os projetos de energia”, diz Clark. Ele afirma que, além das taxas menores, algumas condições também são mais atraentes. Num projeto de energia solar, por exemplo, o banco financia até 100% da parcela de conteúdo local; no BNDES, explica, o empréstimo é de até 80% desse montante.
Inicialmente a busca por financiamentos vinha dos projetos de geração eólica e solar, mas agora também tem atraído os investidores de linhas de transmissão. Segundo especialistas em estruturação de financiamentos, no último leilão de linhas de transmissão realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em São Paulo, quase todos os lotes localizados no Nordeste embutiam nos planos as taxas do BNB.
Concorrência. Segundo fontes, a movimentação incomodou o BNDES, que tem tentado melhorar as condições de sua oferta na região. Apesar da disputa entre os dois bancos, o poder financeiro do BNDES é maior. O orçamento do BNB representa um terço dos desembolsos totais feitos pelo BNDES no ano passado.
Em nota, a superintendente da área de energia do banco, Carla Primavera, afirmou que o BNDES é o mais relevante financiador de longo prazo do País e que o BNB tem recurso “constitucional do FNE com taxas subsidiadas para fomento de investimento na Região Nordeste” e, portanto, é legítima a captação pelos empreendedores do setor.
Além disso, ela afirma que a necessidade de investimentos em infraestrutura será da ordem de R$ 500 bilhões até 2021. “O setor elétrico demandará R$ 160 bilhões no mesmo período. Consequentemente, existe a necessidade de múltiplas opções de financiamento.” O sócio do escritório Mattos Filho e especialista em Infraestrutura e Project Finance, Pablo Sorj, concorda que o País precisa de várias fontes de financiamento e, por isso, os dois bancos estatais não deveriam competir entre si. Além disso, ele defende o incentivo ao mercado de capitais.
Capacidade. A preocupação do mercado, porém, é que esse “poder de fogo” do Banco do Nordeste não seja perene e acabe prejudicando quem se planejou para o financiamento da instituição. Além disso, há dúvidas sobre a capacidade operacional e financeira para atender à demanda. Só na geração eólica, os novos parques – a maioria deles no Nordeste – vão precisar de R$ 8 bilhões por ano de financiamento. E os empreendimentos de transmissão na região, leiloados no fim do mês passado pela Aneel, R$ 2,8 bilhões.
O banco garante que consegue aprovar um financiamento num prazo médio de 112 dias. Fontes ouvidas pelo Estado afirmam que, de fato, a aprovação é rápida. O problema é a liberação do dinheiro. No BNDES, dizem, a situação é inversa. Demora-se muito para aprovar, mas os recursos saem logo.
Com a troca da TJLP pela TLP, o BNDES perdeu competitividade, dizem executivos da área de crédito para infraestrutura. Desde o ano passado, vários investidores buscavam outras alternativas para escapar das taxas maiores do banco de fomento. Alguns financiaram projetos inteiros com a emissão de debêntures, mas, com as novas taxas do BNB, até o mercado de capitais tem sido preterido pelos investidores.
Por enquanto, apesar de haver limitação de R$ 1,7 bilhão por grupo econômico, ainda há espaço para novos financiamentos. O BNB pode financiar, com recursos do FNE, projetos no Nordeste e do Norte dos Estados de Minas Gerais e do Espírito Santo.