O bairro da Bela Vista, no coração de São Paulo, concentra 1/4 dos bens tombados da capital paulista. Dos 3.620 imóveis protegidos pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental (Conpresp), 895 estão na região margeada pelas Avenidas Paulista, 23 de Maio e 9 de Julho. Agora, 15 anos após seu tombamento integral, o bairro de clima interiorano vem atraindo jovens que procuram principalmente a região do Bexiga – que está na Bela Vista – como alternativa à badalada Vila Madalena.

O que acontece na Bela Vista hoje é uma retomada da cena noturna paulistana. Nos anos 1980, o bairro foi cenário do rock brasileiro e reunia jovens em casas como o Madame Satã e o Café Piu-Piu – ambos ainda abertos. Agora, as ruas do bairro são tomadas principalmente pelo samba. A Escadaria do Bexiga, ícone da região, recebe shows de Jazz todo segundo sábado do mês. E a Praça Dom Orione, logo ao lado, é palco de feirinhas que expõem desde antiguidades até alimentos orgânicos. Cresceu também o número de bares que passaram a colocar mesas nas calçadas.

O movimento ganhou força no meio deste ano após a revitalização da praça e da escadaria. A reforma desses locais foi feita por comerciantes e pela Prefeitura de São Paulo. Ambos locais foram tombados em 2002, quando o Conpresp publicou uma resolução que protegeu toda a Bela Vista.

A arquiteta e urbanista Sumaya Távora, fundadora da plataforma SP Patrimônio, que mapeia os bens tombados pela cidade, explica que os imóveis protegidos na Bela Vista são, na maioria dos casos, de herança familiar. De acordo com ela, a família em geral adota dois caminhos: ou não se apropria do imóvel e deixa parado ou aluga para outras pessoas que erguem cortiços.

“Tem muita casa vazia caindo. Mas vejo o patrimônio como renda que pode ser revertida em lucro. Tombamento é mecanismo de preservação, mas não impede de fazer café, balada, restaurante”, explica.

Reativação

Foi o que fez o empresário Paulo Papaleo, idealizador do projeto Mundo Pensante, uma casa de shows voltada para música autoral, eventos de coletivos de arte e festas multiculturais. Há seis meses, ele alugou uma casa tombada onde funcionava uma igreja e instalou a nova sede da festa, com espaço para 500 pessoas.

Morador da Bela Vista, Papaleo cresceu no bairro e foi um dos primeiros a apostar no resgate da região como potencial cultural, processo que ele chama de “reativação do bairro”. A primeira sede do Mundo Pensante foi aberta em 2012, em uma pequena casa na Rua Treze de Maio, uma das principais vias do bairro.

“Quando chegamos, não é que não tinha nada, mas não tinha nenhum novo comércio ainda por lá. Não sei se gosto de dizer que comecei algo porque o bairro já tinha uma movimentação. Participei de uma reativação. Nesse sentido, posso me considerar, sim, um dos primeiros a estar ali”, diz.

A inauguração da casa foi um dos motivos que levou o produtor cultural Luca Leal, de 28 anos, a frequentar mais o bairro. Até então, Leal ia à Bela Vista apenas para dançar nos ensaios da escola de samba Vai-Vai mas, há seis meses mudou-se para o bairro e hoje se diz “completamente apaixonado pela variedade e vivência de espaço público”.

“Diferentemente da Vila Madalena, é uma região muito boêmia e acessível para vários públicos. É um bairro frequentado por pessoas muito diferentes entre si que se cruzam nesses espaços”, diz o jovem.

A ocupação das ruas e calçadas também é a característica que atrai a relações públicas Ana Carolina Elias, de 28 anos, para a região. “Tem clima tradicional, interiorano, em que as pessoas ocupam as ruas. A arquitetura do Bexiga é diferente de qualquer lugar do centro da cidade de São Paulo. Você vê casinhas bem antigas, a característica italiana é clara. E o bairro vai além da gastronomia”, diz.

Ela lembra que, alguns anos atrás, a insegurança do bairro a afastou frequentadores. “Mas hoje está tão movimentado. Está rolando uma cena de novos lugares, uma ocupação do espaço”, diz. “Definiria o bairro como um patrimônio paulistano, até mesmo pela colônia italiana, que retrata muito o que a cidade de São Paulo tem, de maneira regionalizada, artística e charmosa.”

Mobilização

Uma mobilização de comerciantes pelo restauro da Escadaria do Bexiga – bem tombado e marco simbólico da região – também contribuiu para atrair mais frequentadores à região. Segundo Eduardo Martinelli, de 40 anos, que é proprietário do Espaço 13, – um bar, barbearia e estúdio de tatuagem na Rua Treze de Maio – a degradação do bem tombado era tanta que motivou uma vaquinha dos empresários do bairro para a instalação de câmeras.

“Instalamos câmeras porque tinha muita reclamação de assaltos. Só com a reconstrução do coreto, a iluminação da praça (Dom Orione) e a construção do playground você já vê bastante gente. À noite tem molecada jogando bola, família passeando. A praça recuperou uma vida. E conforme novas casas vão abrindo, mais gente vem vindo para o bairro”, conta.

A reforma da praça foi concluída em agosto pela Prefeitura, que podou árvores e reforçou a iluminação do local, além de ter feito a limpeza da escadaria que fica ao lado.

Preservação e ações sociais

O comerciante Walter Taverna, de 84 anos, é um dos responsáveis pelo tombamento da Bela Vista. Na década de 1990, o bairro ainda se mantinha preservado em relação à configuração original, mas as características começavam a ser modificadas, o que fez com que moradores e instituições locais pedissem seu tombamento. Taverna foi um deles. “Era um tempo de muita especulação imobiliária. Eu consegui o tombamento. E não tenho estudo nenhum, hein?”, diz o comerciante, rindo.

Fundador da Sociedade de Defesa das Tradições e Progresso da Bela Vista, Taverna criou a Festa da Nossa Senhora de Achiropita com o formato que tem hoje. Também é conhecido por ter feito um bolo do aniversário de São Paulo, de 1,5 km, a maior pizza – de 554 metros de comprimento – e o maior sanduíche – de 600 metros.

Quase 20 anos depois, uma das responsáveis pelo “novo Bexiga” é a terceira geração de seu Taverna: a neta Thaís. Cineasta de 35 anos, ela se engajou em causas sociais e culturais relacionadas ao bairro sem perder de vista a preservação das tradições.

Dedicação

Segundo ela, inspirada no avô, resolveu se dedicar pessoal e profissionalmente à região onde nasceu e mora até hoje, onde ajuda a cuidar do Museu Memória do Bexiga, criado por Taverna.

“Tive um estalo sobre a importância do bairro e do meu avô para a região cinco anos atrás. Olhei para o samba, a música na rua, os teatros, as casas tombadas, os museus, meu avô e pensei: Tem alguma coisa aqui”, conta.

Ela se emociona ao lembrar que na década de 1990 o avô começou a comprar imóveis e chegou a ter cinco estabelecimentos abertos. “Não entendia. Perguntava: por que você sempre está abrindo e fechando lugares, vô? E ele dizia que alugava para manter as portas abertas.”

Outra responsável pela manutenção das tradições iniciadas por Taverna no bairro é a comerciante Solange, filha dele e mãe de Thaís. Aos 59, ela administra a cantina Conchetta, fundada pelo pai. É dona também de uma casa tombada onde hoje funciona a Casa Jardim Secreto, sede dos organizadores de uma feira de produtos artesanais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.