20/02/2025 - 4:53
País teve sua pior nota desde 2012 no Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional, e isso parece não interessar a ninguém – um erro que pode ter consequências dramáticas para a sociedade brasileira.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez 465 discursos nos primeiros dois anos de seu terceiro mandato. A ONG Transparência Internacional (TI) contou neles 15 menções à palavra corrupção.
A TI é uma organização não governamental independente e de atuação global que se dedica a combater a corrupção e a promover, em todo o mundo, a transparência, a integridade e a obrigação de autoridades de prestarem contas de seus atos.
Para a Transparência Internacional, a falta de interesse de Lula por temas como corrupção e nepotismo é sintomática da atual abordagem que se dá ao assunto no Brasil. Se o assunto continuar sendo visto como secundário, isso pode ter consequências dramáticas para a sociedade brasileira, alerta.
Por um lado, a questão da corrupção desapareceu do debate público brasileiro, e isso mais de dez anos após o início das investigações da Operação Lava Jato, que pareciam um ponto de virada na luta contra a corrupção no Brasil.
E a corrupção voltou a aumentar: no mais recente relatórioda TI, o Brasil tem um desempenho historicamente ruim no que diz respeito à disseminação da corrupção no Estado, na economia e na vida cotidiana. Dez anos atrás, quando o Brasil obteve sua melhor posição no ranking, o país estava no mesmo nível da Itália ou da Grécia.
Hoje, o Brasil está numa posição muito pior entre as principais economias emergentes do que, por exemplo, a Índia ou a China, que são internacionalmente considerados países com níveis notoriamente altos de corrupção. Que a corrupção seja ainda maior na Rússia do que no Brasil não é exatamente um consolo.
O Brasil não conseguiu interromper e reverter a tendência de queda no combate à corrupção nos últimos anos, após o fim das investigações da Lava Jato, observa a TI. Ao invés disso, a corrupção continuou a se espalhar no Estado. Isso é particularmente evidente na crescente presença do crime organizado nas instituições estatais.
A TI observa retrocessos significativos no combate à corrupção. Por exemplo, empresários, políticos e funcionários públicos corruptos já condenados foram posteriormente absolvidos pelo Judiciário, mesmo tendo confessado e admitido seus crimes. E o Judiciário ainda cancelou bilhões de reais em multas.
A situação não é diferente no Poder Legislativo: as emendas parlamentares, que restringem severamente o controle e a transparência do orçamento público, se consolidaram no Congresso.
O mais surpreendente é que esse relatório catastrófico sobre a corrupção no Brasil recebeu pouca atenção: a única reação do governo veio da Controladoria-Geral da União (CGU), que criticou o Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional como pouco confiável. “O índice se baseia em pesquisas com grupos específicos, como empresários, e não representa a percepção geral da população”, afirmou a CGU. Em resumo: conversa de botequim. “O uso do IPC para embasar debates públicos pode levar a distorções, alimentando narrativas que minam a confiança nas instituições democráticas”, acrescenta.
Retrocesso nos EUA
As perspectivas de que o combate à corrupção no Brasil seja retomado num futuro próximo são pequenas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acaba de suspender a aplicação da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês), que proíbe as empresas dos Estados Unidos de subornar autoridades estrangeiras. Trump argumentou que a lei prejudica a competitividade das empresas americanas e mina a segurança nacional.
Antes de Trump, eram sobretudo os Estados Unidos que pressionavam pela punição criminal da corrupção no setor econômico. Se o “novo xerife” em Washington não estiver mais interessado em combater a corrupção, muitos governos pelo mundo seguirão o exemplo de bom grado.
Isso é preocupante, pois a corrupção é um importante amplificador da desigualdade social: ela desvia recursos públicos, destrói a igualdade de oportunidades e promove um sistema no qual as elites podem garantir seu poder e privilégios.
Assim, não é de se espantar que o Brasil, segundo pesquisa do Banco Mundial, ocupe o sétimo lugar na lista dos países com maior desigualdade de renda – entre 195 países.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.