02/09/2020 - 8:38
O julgamento pelos atentados de janeiro de 2015 contra o semanário satírico “Charlie Hebdo” e um supermercado de produtos kosher, que marcaram o início de uma série de violentos ataques islamitas na França, começou nesta quarta-feira em Paris.
Centenas de policiais foram mobilizados no interior e no exterior do tribunal, que foi isolado.
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Quatorze pessoas são acusadas por suposto apoio logístico aos três autores materiais dos ataques, que morreram depois que cometeram os crimes.
A audiência começou na presença de 11 acusados. Dez deles foram divididos em dois espaços supervisionados de perto por policiais encapuzados. O 11º comparece livre, sob supervisão judicial.
Na sala, alguns sobreviventes do ataque ao Charlie Hebdo e parentes das vítimas, incluindo o médico socorrista Patrick Pelloux. Ele foi um dos primeiros no local, no dia 7 de janeiro de 2015, a telefonar ao presidente da República François Hollande para descrever a carnificina na redação.
Pouco antes da abertura da audiência, o procurador nacional antiterrorismo Jean-François Ricard confidenciou sua “obsessão”: que o julgamento possa ser realizado “com dignidade”.
O público assiste à audiência a partir de uma sala de retransmissão no piso térreo. Entre os primeiros a chegar, Tom Mauboussin, um estudante que ficou “marcado” pelos ataques. “Venho em solidariedade com as vítimas e também por curiosidade porque é um julgamento histórico”.
Os atentados deixaram 17 vítimas fatais entre 7 e 9 de janeiro 2015, provocando um grande choque na França e no mundo.
– Caricaturas de Maomé –
Para marcar a abertura do julgamento, Charlie Hebdo publicou em sua capa as charges do profeta Maomé que transformaram a revista em alvo dos jihadistas.
“O espírito do Charlie é esse, o de se recusar a abrir mão de nossas liberdades”, disse o advogado do jornal, Richard Malka.
Durante dois meses e meio, 150 testemunhas e especialistas vão depor perante o júri especial, responsável por julgar esses atentados.
Os 14 réus são suspeitos, em diferentes graus, de apoio logístico aos irmãos Saïd e Chérif Kouachi, e a Amédy Coulibaly, os autores dos assassinatos.
As primeiras semanas de audiência serão dedicadas aos depoimentos das 200 partes civis. A evolução da investigação e o interrogatório dos acusados serão abordados posteriormente.
“Queremos encher esta sala de audiência com o que nossos clientes viveram”, declarou Patrick Klugman, que defende as vítimas do mercado kosher.
– Três acusados ausentes –
Em 7 de janeiro de 2015, os irmãos Chérif e Saïd Kouachi assassinaram 11 pessoas na redação do Charlie Hebdo em Paris. Eles fugiram e mataram um policial.
No dia seguinte, Amédy Coulibaly – que esteve com Chérif Kouachi na prisão – matou uma policial municipal em Montrouge, perto de Paris, e em 9 de janeiro executou quatro homens, todos judeus, durante a tomada de reféns no mercado Hyper Cacher, no leste de Paris.
Os três jihadistas foram mortos durante uma ação policial, realizada quase simultaneamente numa loja e em uma gráfica em Dammartin-en-Goële (Seine-et-Marne), onde os terroristas se esconderam.
Qual o papel dos 14 acusados? O que sabiam sobre os ataques? Até o dia 10 de novembro, o tribunal se empenhará em discernir o grau de responsabilidade de cada um na preparação dos atentados.
Três deles, no entanto, serão julgados à revelia: Hayat Boumeddiene, companheira de Coulibaly, e os irmãos Belhoucine, que partiram poucos dias antes dos ataques para a zona Iraque-Síria.
A morte dos irmãos Belhoucine, mencionada por várias fontes, nunca foi oficialmente confirmada. Hayat Boumeddiene, que chegou a ser dada como morta, é suspeita de estar na Síria.
– “Frustração” –
No plano criminal, os juízes antiterroristas confirmaram as acusações mais pesadas – “cumplicidade” em crimes terroristas puníveis com prisão perpétua – contra o mais velho dos irmãos Belhoucine, Mohamed, e contra Ali Riza Polat, que está no banco dos réus.
Amigo próximo de Amédy Coulibaly, ele é suspeito de ter desempenhado um papel central nos preparativos para os ataques, em particular no fornecimento do arsenal usado pelo trio terrorista.
Os outros são julgados principalmente por “associação criminosa terrorista” e podem ser condenados a 20 anos de prisão.
Apenas um responde por “associação criminosa”, crime que pode ser punido com 10 anos de prisão.
A ausência dos irmãos Kouachi e de Amédy Coulibaly é uma “fonte de frustração”, reconheceu o procurador nacional antiterrorismo, rejeitando, porém, que os 14 acusados sejam “pessoas sem interesse”.
No total, a onda de ataques terroristas na França desde janeiro de 2015 deixou 258 mortos.