22/08/2018 - 15:14
Era um dia comum. Ao fim do expediente de sexta-feira, 17, por volta das 18h40, o comerciante Raimundo Nonato de Oliveira, de 55 anos, trancou às chaves o seu mercadinho, no centro de Pacaraima, e seguiu para casa, sem imaginar que estava prestes a se tornar o símbolo da crise de convivência entre brasileiros e venezuelanos na cidade. Pelas costas, bandidos o atacaram provavelmente a pauladas, amarraram suas mãos, o torturaram com uma chave de fenda e lhe roubaram R$ 23 mil, além de U$ 500. Era a gota d’água.
Os criminosos, pelo que Oliveira pôde ver, estavam com o rosto coberto por meias – duas delas foram abandonadas dentro da casa da vítima. Para a cidade, importante mesmo foi o que pôde ouvir. “Eram venezuelanos falando, eu tenho certeza. Já morei na Venezuela, sei reconhecer o idioma”, disse ao Estado. “Quem fez isso comigo é um monstro.”
Antes de sofrer a primeira pancada na cabeça, o comerciante escutou um dos criminosos anunciar o assalto. Golpeado várias vezes, ficou inconsciente, sofreu ao menos quatro cortes entre a testa e a nuca e teve de levar 13 pontos no hospital.
Oliveira foi conduzido para um aposento de casa, onde ficou em poder de dois assaltantes, segundo relata. A mulher dele também estava na casa, teve as mãos e os pés amarrados, mas não foi agredida. “Graças a Deus meu filho estava dando aula de violino na igreja”, conta. O rapaz tem 15 anos.
Rendido, o comerciante recobrava a consciência e depois voltava a apagar. Ele mostra as marcas nos pulsos e uma queimadura no tornozelo. “Foram muito cruéis”, diz. “Com uma chave de fenda eles feriram aqui e aqui”, mostra, apontando para o olho direito, roxo, e para uma cicatriz abaixo do lábio. “Por sorte, não fiquei cego.”
Segundo relata, os bandidos perguntavam por mais dinheiro: os reais roubados eram para comprar mercadoria em Boa Vista para o mercadinho, já os dólares eram de um amigo, que havia pedido para guardar. A tortura durou cerca de 30 minutos, conta. “Uma hora, eu disse para eles me matarem e perguntei se não tinham família. Eles não responderam. Só pegaram minha carteira, jogaram os documentos no chão e foram embora.”
Oliveira foi socorrido a um hospital local, mas afirma que houve demora na transferência para Boa Vista porque a ambulância que estaria à disposição não prestou o serviço. O argumento era de que o retrovisor estaria quebrado, diz. “Eu sangrei muito, o médico disse que, se demorasse mais, teria morrido”, afirma. O comerciante ficou três dias internado.
Segundo moradores, outra ambulância já havia partido de Pacaraima em direção a Boa Vista pouco antes, transportando um paciente que havia sofrido um AVC. “Por coincidência, ele também se chamava Raimundo e veio a falecer”, diz.
O boato de que Oliveira havia morrido após o assalto se espalhou rapidamente – motivo pelo qual moradores se organizaram para expulsar venezuelanos acampados nas ruas. Para ele, a demora de atendimento e o fato de ser “muito querido” também influenciaram. Nesta terça, muitos passaram na loja ou o abordaram na rua para saber se havia melhorado dos ferimentos.
Na opinião do comerciante, o crime foi o estopim de uma crise de convivência que têm se intensificando há três anos. “Se fosse para um venezuelano teria ambulância, mas para um brasileiro não?”
A vítima, no entanto, não concorda com a criminalização generalizada dos refugiados. Nascido no Maranhão, ele mesmo é um imigrante e mora em Pacaraima desde 2001. “Eu jamais vou dizer que expulsem todos os venezuelanos. Os bons são bem-vindos. Os maus têm de ir embora.”