06/06/2025 - 10:54
Menos de um ano após “casamento político”, presidente americano e bilionário protagonizam estrondoso rompimento público repleto de insultos e ameaças nas redes sociais. Veja como a aliança começou – e implodiu.O casamento político de ocasião entre o homem mais rico do mundo e o homem mais poderoso do mundo implodiu com acusações recíprocas, declarações de decepção e ameaças na quinta-feira (05/06) – tudo feito aos olhos do público, cada um deles usando sua própria rede social: Elon Musk no X, e Donald Trump na Truth Social.
Há apenas uma semana, ambos tentaram fazer a separação parecer amigável – o presidente dos EUA organizou um evento de despedida no Salão Oval da Casa Branca para o empresário dono da Tesla, SpaceX e outras companhias, que deixava a seu pedido o cargo de assessor e chefe informal do Departamento de Eficiência Governamental (Doge).
Na ocasião, Trump elogiou o trabalho de Musk à frente do órgão, criado para reduzir gastos públicos federais, e disse que ele continuaria sendo seu conselheiro próximo. O empresário, que doou centenas de milhões de dólares à campanha de Trump em 2024, respondeu que esperava “continuar sendo um amigo e conselheiro” do presidente.
Aliança formal após atentado de Trump
A aliança entre Musk e Trump não foi um amor à primeira vista. Antes de se aproximar oficialmente do republicano Trump em 2024, Musk era alinhado com os democratas. Ele chegou a afirmar que votou em Hillary Clinton, em 2016. No passado, ele também criticou Trump em seu primeiro mandato e se demitiu de dois conselhos consultivos do governo depois que o governo sob o republicano abandonou o acordo climático de Paris. Nos anos seguintes, ocorreram várias tentativas de aproximação, mas elas não duraram muito.
Em 2022, Trump chamou Musk de “picareta”. No mesmo ano, Musk disse: “Eu não odeio o homem [Trump], mas é hora de Trump pendurar seu chapéu e navegar em direção ao pôr do sol”, escreveu ele.
No entanto, na mesma época, Musk concluiu a aquisição da rede social Twitter (renomeada posteriormente como X) e passou a intensificar a propagação de opiniões alinhadas com a extrema direita, além de espalhar teorias conspiratórias.
Em julho de 2024, após a tentativa de assassinato contra Trump em um comício de campanha no estado da Pensilvânia, Musk finalmente declarou apoio à candidatura presidencial e Trump.
Nas semanas seguintes, os dois bilionários subiriam juntos em palanques de campanha. A imprensa americana aponta que o empresário acabou injetando pelo menos 250 milhões de dólares na campanha do republicano. Algumas dessas doações provocaram acusações de compra de votos, especialmente após Musk organizar sorteios diários de 1 milhão de dólares para eleitores do candidato republicano em estados decisivos nas eleições.
Passagem tumultuada pelo governo
Após Trump vencer a eleição, Musk foi nomeado como assessor especial da Casa Branca e recebeu o comando informal do chamado Departamento de Eficiência Governamental (Doge), uma autarquia desenhada para cortar gastos federais. A entrada de Musk no governo logo levantou temores de possíveis conflitos de interesse, considerando os contratos que suas empresas possuíam com o governo.
O Doge sob Musk acabou eliminando milhares de empregos federais e cortou bilhões de dólares em ajuda humanitária no exterior e outros programas sociais, além de causar interrupções em agências federais. Membros da base republicana de Trump também acabaram sendo confrontados por eleitores furiosos que haviam perdido seus empregos.
Vários dessas iniciativas, somadas ao endosso de Musk a movimentos de ultradireita mundo afora, acabaram por respingar nas empresas do bilionário, provocando movimentos de boicote internacional, que atingiram especialmente a montadora Tesla, que viu suas vendas desabarem.
Além disso, Musk também não era visto com unanimidade entre a base de apoio de Trump. Alguns membros radicalmente anti-imigração do movimento trumpista “Maga” (Make America Great Again) capitaneados pelo ideólogo Steve Bannon criticaram seguidas vezes Musk por seu apoio à manutenção de um programa emissão de vistos para trabalhadores estrangeiros altamente qualificados.
Musk também se estranhou no governo com figuras por trás do “tarifaço” imposto por Trump a centenas de países. Em abril, Musk chegou a chamar o economista Peter Navarro, o arquiteto do pacote de tarifas, de “imbecil”.
Em abril, diante da pressão de acionistas insatisfeitos, Musk anunciou que reduziria seu papel no governo Trump, voltando a focar suas atenções nas empresas.
Rapidamente, divórcio se revelou litigioso
Inicialmente, o “mandato” no governo Trump havia sido fixado em 130 dias, com fim previsto em 30 de maio. O anúncio da sua saída no final do mesmo mês deixou claro que não houve interesse em renovar sua participação.
No entanto, a imprensa logo apontou que um dos motivos para saída foi a insatisfação de Musk com o projeto orçamentário de Trump, que prevê mais cortes de impostos e amplia o déficit público do país.
Dias após deixar o governo, o bilionário finalmente lançou o primeiro ataque público, classificando o projeto de “abominação repugnante”.
A Casa Branca não reagiu imediatamente. Em uma reunião privada com seus assessores na quarta-feira, Trump expressou estar confuso e frustrado com a ofensiva pública de Musk, pouco mais de quatro meses após sua posse na Casa Branca. Mas decidiu não rebater, segundo oficiais relataram anonimamente à agência de notícias Reuters. Seu objetivo era tentar preservar o apoio político e financeiro do empresário para as eleições de meio de mandato, que ocorrem em 2026 e serão importantes para manter a maioria republicana no Congresso.
Mas, no dia seguinte, Trump estava furioso. Musk continuou fustigando o projeto orçamentário: prometeu fazer oposição a qualquer político republicano que votasse a favor do texto, e convocou os americanos a pressionar seus congressistas a enterrarem o projeto. O presidente, então, disse a seus assessores que era hora de partir para a briga pública.
Enquanto recebia o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, no Salão Oval, Trump disse a jornalistas que estava “muito decepcionado” com Musk. Afirmou que o bilionário conhecia o projeto minuciosamente e que “de repente, tinha um problema” com ele, sugerindo que o motivo da insatisfação seria o fim de subsídios públicos para veículos elétricos, que afeta a Tesla e outras montadoras.
Segundo o site Axios, a Tesla de fato vinha fazendo lobby pela manutenção do incentivo fiscal que beneficia as montadoras de veículos elétricos. No X, porém, Musk negou que o fim do subsídio seria um problema, “apesar de que nenhum subsídio para petróleo e gás foi afetado”. E mostrou a escala de sua decepção: disse que, se não fosse por ele, Trump teria sido derrotado nas eleições de 2024 e o Partido Democrata teria hoje o controle da Câmara. “Que ingratidão”, escreveu.
O empresário criou uma enquete perguntando a seus seguidores se era hora de criar um novo partido nos EUA que representasse “os 80% no centro”, repostou uma mensagem de um usuário do X pedindo que o presidente renunciasse e sugeriu, sem apresentar provas, que Trump estaria ligado aos casos de escândalo sexual de abuso de menores de Jeffrey Epstein.
O próximo passo do rompimento público foi Trump escrever que Musk “ficou louco”. E em seguida afirmar: “A forma mais fácil de economizar no nosso orçamento, bilhões e bilhões de dólares, é encerrar subsídios e contratos governamentais com Elon. Sempre fiquei surpreso que Biden nunca tenha feito isso!”
O governo americano tem diversos contratos com empresas de Musk – a SpaceX presta serviços para a Nasa em seu programa de exploração espacial, e a Starlink oferece acesso à internet para diversos órgãos governamentais.
O bilionário não se fez de rogado. Disse que começaria a desativar imediatamente a espaçonave Dragon – usada pela Nasa para transportar pessoas e cargas para a Estação Espacial Internacional. E afirmou que a tarifas de importação criadas por Trump provocariam no país uma recessão no segundo semestre deste ano.
Disputas por cargos nos bastidores
O engajamento com o corte de gastos e a redução do déficit público dos EUA é uma causa pública de Musk e era seu principal objetivo à frente do Departamento de Eficiência Governamental. Ao assumir o cargo, ele disse que faria cortes de 2 trilhões de dólares, mas quando deixou a posição o órgão estimava os cortes realizados em 180 bilhões de dólares – há controvérsias sobre o número.
No entanto, a inserção de Musk no governo americano foi muito além da questão orçamentária. Ele participava de reuniões em que se decidiram políticas públicas do governo americano e tentava nomear pessoas de sua confiança para cargos-chave.
Segundo dois oficiais da Casa Branca relataram à Reuters, outra gota d’água para o rompimento teria sido a decisão de Trump de retirar a nomeação de Jared Isaacmann para ser o novo chefe da Nasa. Isaacmann é um empresário bilionário aliado de Musk e havia sido indicado por ele ao cargo.
A retirada da nomeação foi interpretada por integrantes do governo americano com uma afronta direta a Musk, que representava perda de poder político do empresário e um distanciamento de Trump.
Antes disso, oficiais da Casa Branca já estavam atuando para, nos bastidores, reduzir a autoridade de Musk sobre a nomeação de funcionários e decisões orçamentárias. No início de março, Trump disse ao seu gabinete que os secretários, e não Musk, tinham a decisão final sobre a operação das agências do governo.
Outro ponto de discórdia foi uma decisão tomada pela agência federal de controle aéreo dos EUA (FAA), segundo o site Axios. Musk queria que o órgão utilizasse o sistema de internet via satélite da Starlink para realizar o controle aéreo, mas a FAA se opôs a isso alegando razões tecnológicas e possível conflito de interesse.
Chance de reconciliação?
Ambos os homens têm muito a perder com o rompimento. Para Trump, o afastamento do bilionário ameaça sua influência sobre barões da tecnologia, usuários de redes sociais que apoiam Musk e eleitores homens jovens, e complicam os esforços para arrecadar recursos para as campanhas republicanas nas eleições de meio de mandato.
Para Musk, o risco também é alto. Ter a Casa Branca como inimiga pode levar a investigações sobre suas práticas comerciais e contratos públicos, com reflexo sobre os lucros de suas companhias. Na quinta-feira, as ações da Tesla caíram 14%.
Alguns amigos do empresário relataram ter confiança de que a parceria entre os dois homens será retomada. E Musk deu alguns poucos sinais nessa direção. Depois de ter anunciado que desativaria a espaçonave Dragon, ele respondeu a um usuário que o instou a não fazer isso: “Ok, não vamos desativar a Dragon”.
Na noite de quinta-feira, o investidor bilionário Bill Ackman postou no X que Trump e Musk deveriam parar de brigar: “Apoio Donald Trump e Elon Musk e eles deveriam fazer as pazes em benefício de nosso grande país. Somos muito mais fortes juntos do que separados”, escreveu. Musk respondeu: “Você não está errado”.
No entanto, Trump ainda não emitiu sinais de queres desescalar. Nesta sexta-feira, em duas entrevistas distintas para as redes CNN e ABC, o presidente voltou a se referir a Musk como um “homem que perdeu a cabeça”.
“Não estou nem pensando no Elon. Ele tem um problema. O pobre rapaz tem um problema”, disse Trump à CNN.
jps/bl (Reuters, EFE, AFP, ots)