Enquanto muitos filmes de Hollywood são simplesmente banidos, outros têm cenas “problemáticas” cortadas ou modificadas no exterior. Na Índia, a modificação de beijo em “Superman” enfureceu os fãs do super-herói.Cinéfilos na Índia se enfureceram ao descobrir que um beijo de 33 segundos em Superman (James Gunn, 2025) foi transformado em uma singela bitoca pela censura no país. Apesar de o filme só ser liberado para maiores de 13 anos, o Comitê Central de Certificação de Cinema da Índia (CBFC, na sigla em inglês) achou que era preciso suavizar a aproximação “sensual demais”, nas palavras deles.

Quando o CBFC foi criado, em 1952, sua atribuição oficial era certificar filmes segundo classificações etárias. Desde então, contudo, o órgão se notabilizou mesmo por seu papel de censura.

Exemplos recentes de alterações em grandes produções de Hollywood incluem a substituição de um emoji de um dedo médio estirado exibido em F1 – O Filme (Joseph Kosinski) por um punho cerrado; o silenciamento de xingamentos em Thunderbolts* (Jake Schreier) e Missão Impossível – O Acerto Final (Christopher McQuarrie), todos lançados este ano; e a edição posterior de uma cena de Oppenheimer (Christopher Nolan, 2023) para acobertar a nudez da atriz Florence Pugh, toscamente coberta com um vestido gerado por computação gráfica.

“Se uma cena é destinada a audiências maduras, deveria simplesmente ser classificada apropriadamente”, argumenta a escritora Disha Bijolia em um artigo para a revista online indiana Homegrown. “Em vez disso, o CBFC repetidamente interfere na visão de um cineasta, atravessando o roteiro, interrompendo arcos emocionais e simplificando as intenções por trás de narrativas inteiras.”

Às vezes, divulgar versões censuradas é mais eficaz que banir obras completamente

Além da prática comum de banir filmes completamente, a divulgação de versões alternativas é uma estratégia bem estabelecida em muitos países, não só na Índia.

Regimes autoritários sabem que mesmo se um filme for banido, ainda poderá circular ilegalmente, e isso os motiva a distribuir suas próprias versões “mais adequadas”.

Muito antes que a inteligência artificial se tornasse uma ferramenta amplamente disponível, o Irã já havia equipado seus censores com tecnologia digital avançada em 2010, para permitir alterações em diálogos e imagens que não atendessem aos ideais de modéstia do islã.

A atuação foi detalhada em uma reportagem de 2012 na revista The Atlantic, ilustrada com imagens que comparam as cenas originais às retocadas pela censura iraniana. O resultado: mulheres que desaparecem do enquadramento, ou que têm seus decotes encobertos por objetos ou roupas. Até mesmo o torso desnudo de Will Ferrell é ocultado por uma parede na comédia Ricky Bobby: A Toda Velocidade (Adam McKay, 2006).

LGBTQ+ nas telas? Nem pensar!

Desvios da cisheteronormatividade – ou seja, tudo que foge do padrão heterossexual ou do binário homem-mulher definido com base no sexo biológico – também continuam a ser um tabu em muitos países.

Cenas que fazem referência à homossexualidade do cantor Freddie Mercury, do Queen, foram deletadas das versões de Bohemian Rhapsody (Bryan Singer e Dexter Fletcher, 2018) em diversos países, como o Egito. A Human Rights Watch denunciou a hipocrisia do governo egípcio à época, que festejou a vitória do protagonista Rami Malek, filho de egípcios cristãos, mas não permitiu que ele falasse publicamente sobre o filme no país.

Na Rússia, o musical biográfico Rocketman (Dexter Fletcher, 2019), sobre a vida de Elton John, teve cerca de cinco minutos de filmagem removidas – principalmente cenas de beijos e atos sexuais entre homens.

Mas a censura não partiu originalmente do Kremlin. A própria distribuidora russa da película se antecipou e fez cortes “preventivos” para se adequar a uma “lei anti-gay” de 2013 que bane a promoção de tudo que é associado ao universo LGBTQ+.

O cantor Elton John à época denunciou a censura como “triste reflexo do mundo dividido em que ainda vivemos e como ele ainda pode tão cruelmente rejeitar o amor entre duas pessoas”.

Drogas, não; stripper, sim, por que não?

Ainda que muitos grandes estúdios de Hollywood não distribuam mais seus filmes na Rússia desde que o país escancarou sua guerra contra a Ucrânia, em 2022, algumas películas ocidentais continuam a ser lançadas nos cinemas russos ou em plataformas de streaming que operam por lá.

Um exemplo recente de filme que circulou na Rússia em versão ligeiramente alterada é Anora (Sean Baker, 2024), premiado com cinco Oscars, entre eles o de melhor filme, e estrelado por atores russos, como Yura Borisov.

Enquanto as cenas em que a stripper protagonizada por Mikey Madison aparece nua foram inalteradas, censores mudaram o enquadramento de outras cenas para encobrir o consumo de drogas, como mostrou o site independente Meduza.

Turquia edita até mesmo cigarros e álcool

Na Turquia, um filme como Anora jamais seria exibido na TV. O governo de Recep Tayyip Erdogan forçou cerca 95% da mídia nacional a se alinhar aos valores conservadores do partido AKP.

As emissoras costumam evitar principalmente cenas de sexo e personagens LGBTQ+. Temas históricos que promovam “retórica antiturca” podem ser problemáticos. Álcool e cigarros também são tabu, e alguns canais adotam soluções criativas para censurar esses itens.

Para se antecipar à censura, alguns estúdios de Hollywood lançam suas próprias versões editadas.

A Sony Pictures, por exemplo, preparou uma versão alternativa de Blade Runner 2049 (Denis Villeneuve, 2017) para a Turquia e outros mercados não ocidentais, removendo ou reenquadrando cenas de nudez, como observou o crítico turco de cinema Burak Göral. A associação nacional de críticos de filmes Siyad condenou a iniciativa em carta aberta e tachou-a de “insulto” ao público cinéfilo turco.

Finais alternativos na China

Outro país famoso por censurar filmes é a China.

As diretrizes oficiais do governo proíbem, entre outras coisas, a “promoção de cultos ou superstições”. Por isso, a exibição da refilmagem de Caça-Fantasmas (Paul Feig, 2016) foi barrada no país, mesmo depois de ser rebatizada. Já a animação Coco (Adrian Molina e Lee Unkrich, 2017), que trata do Dia dos Mortos no México, foi surpreendentemente liberada um ano depois.

Entre as grandes produções alteradas pela censura chinesa estão 007 – Operação Skyfall (Sam Mendes, 2012), que teve legendas alteradas e uma cena em que um guarda chinês é morto removida, para não dar a impressão de que Pequim é incapaz de proteger seu território de agentes estrangeiros.

Outro blockbluster censurado foi a versãodo relançamento em 3D de Titanic (James Cameron, 1997), que teve em 2012 a nudez da protagonista Kate Winslet reenquadrada e escondida. “Considerando os vívidos efeitos 3D, nosso receio é que espectadores possam estender suas mãos para tocá-la e isso atrapalhe outros espectadores”, justificou um oficial chinês na ocasião.

Em 2022, usuários de redes sociais ridicularizaram o desfecho alternativo da censura para a animação Minions 2: A Origem de Gru. Na versão original, os vilões Gru e Willy Kobra fogem das autoridades após Kobra fingir a própria morte. Mas na versão chinesa, alterada com frames de baixa qualidade, Kobra é preso por 20 anos e forma um grupo de teatro na cadeia, enquanto Gru simplesmente “volta para a família” e a paternidade se torna seu “maior feito”.

Como Hollywood joga junto com a censura

Estúdios de Hollywood também produzem suas próprias versões alternativas para o lucrativo mercado chinês, a fim de evitar a censura estatal.

Pequim começou a admitir um número limitado de filmes americanos por ano em 1994. À medida que grandes estúdios começaram a competir pelo acesso a essas escassas e lucrativas vagas, eles também passaram a adaptar seus roteiros para agradar a um mercado de 1,4 bilhão de pessoas.

Um relatório de 2020 da organização sem fins lucrativos PEN denunciou a tendência crescente de produtores dispostos a alterar suas obras para torná-la mais palatável aos censores chineses, tomando decisões “difíceis e perturbadoras” em termos de liberdade de expressão.

Um caso exemplar é o do filme Homem de Ferro 3 (Shane Black, 2013). Enquanto alterações geralmente costumam encurtar filmes, neste caso a película da Marvel ganhou quatro minutos extras, com cenas exclusivas dos chineses Fan Bingbing e Wang Xueqi, bem como merchandising de uma marca local de leite – que, na versão chinesa, ajuda o Homem de Ferro a se recuperar de um ferimento.