O ex-presidente da Vale, Roger Agnelli, não se cansava de dizer que acendia uma vela para a China todos os dias. O gracejo não era gratuito: desde seus tempos, o país é o maior cliente da mineradora. O problema é que, atualmente, os chineses geram mais incertezas que alegrias para a Vale – todas refletidas em seus números trimestrais, acarretando uma queda de suas ações na bolsa, apesar dos fundamentos ainda consistentes da mineradora.

Há três motivos pelos quais a China joga contra a Vale, hoje. O primeiro são as medidas que o governo chinês adotou para frear a economia, temendo que um ritmo mais forte alimente a inflação. O efeito imediato é a redução dos embarques. No primeiro trimestre, por exemplo, foram despachados 32 milhões de toneladas de minério de ferro da Vale para lá. No quarto trimestre de 2013, o volume fora de quase 41 milhões.

O segundo é o impacto da China sobre a cotação mundial do minério de ferro. Em fevereiro, por exemplo, o governo local anunciou restrições para o crédito em diversos setores, como construção civil e indústria de base. Foi o bastante para derrubar os preços do minério em todo o mundo. O preço médio da commodity, no quarto trimestre, foi de US$ 113 por tonelada. Segundo a Vale, apenas a queda no mercado à vista (chamado de spot), no primeiro trimestre, cortou US$ 14,2 por tonelada desse valor.

Gangorra

Há dois efeitos colaterais para a Vale da baixa de preços. O primeiro, obviamente, é vender mais barato o minério no mercado spot ou em contratos que consideram o valor presente do minério. Atualmente, 44% das vendas são feitas por esse sistema.

O outro modo de a Vale sentir, no bolso, a depreciação são os chamados contratos com preços futuros, também apresentados como “provisionados”, que respondem por 41% dos negócios. Por esse tipo de contrato, o cliente paga, pelo minério, o preço do dia em que o navio da Vale chega ao porto chinês. Para lançar previamente a venda na contabilidade, a mineradora estima uma cotação. Depois, precisa corrigi-la com o valor efetivamente cobrado. Como a cotação caiu entre o final do ano e março, a Vale perdeu mais US$ 9,5 por tonelada – e precisou realizar uma baixa contábil de cerca de US$ 340 milhões, referentes a uma estimativa de preço que não se realizou.

São esses efeitos da China sobre a Vale que preocupam o mercado nos últimos tempos, a ponto de as ações da mineradora acumularem uma perda de dois dígitos nesse ano. Na teleconferência de resultados, nessa quarta-feira, a pergunta óbvia dos analistas foi: o que esperar desse modelo de contratos, diante da tendência negativa de preços? O diretor executivo de finanças, Luciano Siani, foi bem simples. “Se os preços estão declinantes, os efeitos são negativos; se têm viés de alta, os efeitos são positivos”.

Clientes ariscos

O presidente da Vale, Murilo Ferreira, observou que os contratos com preço futuro são uma demanda dos clientes chineses. “Do contrário, eles não receberiam nosso minério, porque ficariam com o risco do preço”, disse. No curto prazo, o peso desses acordos deve continuar na faixa de 40% para a empresa. Para reduzi-lo, a estratégia é implementar uma nova estrutura de distribuição, baseada na unidade que a empresa está implantando na Malásia, ao custo de US$ 1,3 bilhão.

Tudo isso somado, a receita gerada pela China vem declinando. Foi de US$ 3,2 bilhões no primeiro trimestre, ante US$ 5,7 bilhões no quarto trimestre de 2013, e de US$ 4,4 bilhões nos três primeiros meses daquele ano. Ainda assim, a China é o maior comprador da companhia, respondendo por 33,2% de sua receita total de US$ 9,7 bilhões. O Brasil, terra-natal da Vale, representou US$ 1,6 bilhão.

Fundamentos

Mas há também a metade cheia do copo. “Não podemos ignorar a ótima indicação de redução de estrutura da empresa”, afirmou a Empiricus, casa de análise independente, em relatório assinado pelo analista Rodolfo Altenhofen. Entre os destaques, está o corte de US$ 60 milhões nas despesas gerais e administrativas; US$ 26 milhões em pesquisa e desenvolvimento; e de US$ 103 milhões em gastos pré-operacionais e de paradas de produção.

Murilo Ferreira, presidente da Vale, afirmou, na teleconferência, que os resultados operacionais foram “sólidos”. Entre outros dados, o executivo destacou o recorde de produção de carvão mineral, o crescimento do ebitda da divisão de metais básicos, e o fato de a produção de minério de ferro ter sido a maior, para um primeiro trimestre, desde 2008.

“Continuamos com a nossa política de sermos mais eficientes, focando em investimentos em ativos de classe mundial, e que gerem valor positivo em qualquer situação”, afirmou. Resta, agora, esperar que os chineses desanuviem o cenário mundial. Mas o mercado parece não enxergar os atrativos de longo prazo da companhia, e continua a castigá-la na Bovespa. Somente neste ano, a queda de sua ação mais líquida (a preferencial, VALE5) já supera 15%.