Os jovens indianos não rejeitam a religião, mas vivem suas crenças à sua maneira. Para muitos, trata-se de uma experiência personalizada, e não de uma prática rígida baseada apenas em rituais.Rohit Singh nasceu em uma família hindu, mas não se diz religioso. Aos 24 anos, porém, ele frequenta tanto o templo hinduísta local como também o gurudwara, um local de culto e reunião de outra religião, o sikhismo, que é monoteísta.

Singh também acredita em astrologia e, neste mês, se juntou aos primos na Kanwar Yatra, a peregrinação anual de devotos do deus Shiva, uma das três principais divindades hindus veneradas na Índia.

“Eu não sou religioso, sou espiritual”, disse ele à DW. “Não vou ao templo com a mesma frequência que meus pais, vou de vez em quando pela vibe calma e pacífica. Comecei a ir quando não conseguia encontrar emprego e minha saúde mental estava péssima.”

Residente de Gurugram, polo de tecnologia e finanças próximo à capital Nova Délhi, Singh ainda não conseguiu emprego, mas diz que a espiritualidade ajudou sua saúde mental.

“Muitos dos meus amigos são como eu. Só queremos um pouco de tranquilidade”, conta.

Geração Z usa espiritualidade para lidar com desafios

Um estudo do Pew Research Center mostrou que a afiliação religiosa caiu 1% globalmente na década de 2010 a 2020. No mesmo período, a porcentagem de pessoas sem religião cresceu de 23% para 24,2%.

Entretanto, a Índia segue no caminho oposto.

O mesmo estudo do Pew indica que a população global de hindus – 95% dos quais vivem na Índia, onde são 80% da população do país – se manteve estável. Já o número de muçulmanos, que representam mais de 14% dos indianos, cresceu.

Ao contrário de muitos jovens ao redor do mundo, a juventude da Índia dá sinais de que se reconecta com a religião e a espiritualidade, mas de uma forma própria.

Uma pesquisa YouGov-Mint mostrou que 53% da geração Z da Índia, pessoas nascidas entre 1997 e 2012, acreditam que a religião é importante, e 62% delas oram regularmente.

Um estudo da MTV Youth de 2021 também identificou que 62% destes jovens indianos acreditam que a espiritualidade ajuda a ter mais clareza. Quase 70% disseram se sentir mais confiantes após rezar.

Jovens sobrepõem espiritualidade, religião e bem-estar

“A geração Z tem muito mais vocabulário para explicar o que sente, diferente de gerações anteriores”, disse à DW a psicóloga Manavi Khurana.

“Termos como cura, equilíbrio interior, conexão consigo mesmo. Espiritualidade, religião, bem-estar. Tudo isso se mistura, embora também tenha interseções”, explicou Khurana.

Ela é fundadora da organização de saúde mental Karma Care, em Nova Délhi, que atende tanto millennials (nascidos entre 1981 e 1996) quanto os mais jovens.

“Também há muitas pessoas se conectando ao hinduísmo devido ao clima político atual”, afirmou Khurana. No país, o nacionalismo hindu do chefe de governo, Narendra Modi, tem marcado a polarização no país e exacerbado embates com a população muçulmana.

“Muitos encontram consolo na religião. Quando perdem completamente a esperança, encontram na religião ou em mantras e crenças algo que devolve essa esperança. Talvez não tenham outros sistemas de apoio no momento”, disse.

“Se a espiritualidade leva ao extremismo, não é o melhor cenário. Mas se alguém a usa para se conectar consigo mesmo e como mecanismo de resiliência, isso é muito importante”, concluiu.

Menos rituais, mais personalização

Surya, 27 anos, é viajante solo e influenciadora com mais de 290 mil seguidores no Instagram. Muitas de suas viagens têm cunho espiritual.

Surya já participou mais de uma vez, por exemplo, do Kumbh Mela, um dos mais importantes festivais do hinduísmo que acontece a cada quatro anos, e visitou o Kedarnath, templo dedicado a Shiva que fica na região dos Himalaias.

Ela acredita que as redes sociais tornaram a religião mais acessível às novas gerações. “A espiritualidade não é mais vista como ‘chata’ ou só para os mais velhos. Está virando um jeito de encontrar paz em uma vida moderna e caótica”, disse à DW.

“A juventude de hoje não segue cegamente. Quer saber o porquê, explorar o como e abraçar o que faz sentido pessoalmente”, completou.

Ela sugere que, ao invés dos jovens irem ao templo por obrigação, podem visitar cidades como Varanasi, considerada a capital espiritual da Índia, Rishikesh, conhecida por ser um centro de yoga e meditação, ou mesmo se envolver com a Isha Foundation, organização que oferece retiros e iniciativas humanitárias.

Governo promove o hinduísmo

Durante discurso no parlamento este ano, Narendra Modi disse que os jovens estão “abraçando tradições, fé e crenças com orgulho, refletindo uma forte conexão com o patrimônio cultural da Índia”.

Ele falava antes do Maha Kumbh Mela, a mais sagrada e importante de todas as Kumbh Melas, realizado de janeiro a fevereiro deste ano, e que acontece a cada 144 anos. Em 2025, uma aglomeração no evento resultou na morte de dezenas de pessoas.

O governo nacionalista hindu de Modi investiu recursos no desenvolvimento e promoção de locais religiosos, como Ayodhya, uma das sete cidades sagradas do hinduísmo. Os estados de Uttar Pradesh e Maharashtra também anunciaram planos para revitalizar centros de importância religiosa, histórica e mitológica.

Conteúdo espiritual nas redes sociais

Para críticos, a crescente importância das redes sociais no interesse e engajamento dos jovens com a espiritualidade torna a experiência mais performática.

A psicóloga Khurana entende que, embora esse fenômeno seja real, a rede social não tira a autenticidade da relação dos jovens com a religião ou a espiritualidade.

“Só porque muitos da geração Z se comunicam pelo Instagram ou pela internet e essa é a forma de eles criarem comunidade, não podemos tomar como performático”, disse, lembrando que esses jovens cresceram cercados por tecnologia.

Yoga, meditação, astrologia e até líderes e palestrantes espirituais usando linguagem acessível atraem os jovens do país.

Segundo pesquisa de 2023 do aplicativo OMTV, de narrativas espirituais, 80% dos indianos de 18 a 30 anos consomem conteúdo espiritual ou religioso online.

“O mundo da geração Z é mais barulhento e rápido do que nunca. Então, os caminhos deles para a espiritualidade são diferentes. Talvez não leiam escrituras inteiras, mas ouçam um vídeo curto com sabedoria do Gita [diálogo filosófico hindu]. Talvez não fiquem horas em um templo, mas façam uma meditação guiada de dez minutos à noite. Isso não torna menos real, apenas mais moderno”, concluiu Surya.