11/11/2024 - 6:00
Há uma lição da filosofia que pode ajudar no entendimento do passar do tempo. Dizia Heráclito, um pensador pré-socrático, que ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio. Pois, quando se entra novamente, nem a pessoa e nem o rio são os mesmos. Talvez esse pensamento ajude a compreender o que aconteceu nos Estados Unidos.
O mesmo país, o mesmo presidente. Mas será que as situações ainda são exatamente idênticas? No que tange o Brasil, a resposta é não. A começar pela liderança. Na primeira gestão do republicano, por aqui reinava Jair Bolsonaro, ícone da direita que se gabava da alcunha de Trump dos trópicos. Hoje, sob o comando de Lula, a forma de o Brasil se colocar no mundo mudou, e como os Estados Unidos trumpista devem reagir a isso também.
O conselho de economistas, analistas e políticos para o Brasil é uníssono:
• Não se pode perder o ritmo da roda econômica.
• Se Trump dificultar as importações? É preciso achar novos mercados.
• Se desistir das trocas de tecnologia? Encontrar novos parceiros de desenvolvimento.
• Para atrair investimento estrangeiro? Acertar as contas públicas.
“Lula quis dar ao seu terceiro governo a cara da globalização. Chegou a hora de entender se ele tem condições de ir além do bom discurso na ONU e de um excelente cartão de visitas”, afirmou Gregory Mankiw, professor de economia da Universidade de Harvard e especialista em mercados internacionais.
Ainda que o presidente Lula tenha prontamente reconhecido a vitória de Trump e saudado a democracia norte-americana, a expectativa é que a relação entre os dois mandatários seja puramente diplomática. Em diversas agendas globais, o petista tem alfinetado a maior economia do mundo, em especial a força do dólar no comércio internacional, o que certamente não será tão bem recebido pelo novo (velho) ocupante da Casa Branca.
Segundo Mankiw, os países emergentes, em especial os mais próximos de China e Rússia, entrarão em uma cruzada para atrair investimentos. “O cenário é o seguinte. Trump deve fomentar a economia local, o que apertará demais as contas públicas e subirá os preços, exigindo que o Fed suba os juros para conter a inflação”, disse. Diante desse cenário, investidores do mundo todo escoarão seus recursos para as divisas americanas, tornando países como o Brasil menos atraentes. “A melhor peça do Brasil no xadrez global, então, serão os ativos verdes”, completa o acadêmico.
Na esteira da redução dos investimentos estrangeiros, outro tema que exigirá ação do governo brasileiro diz respeito à indústria. Isso porque, na retórica da campanha, Trump repetiu dezenas de vezes seu interesse na taxação ao comércio internacional, medida que atingiria a cadeia produtiva do Brasil.
A proposta dele seria elevar as tarifas de importação praticadas pelos EUA, de 10% a 20% para todos os seus parceiros comerciais, de 60% para produtos da China, tratada como inimiga na retórica trumpista, e aplicar sobretaxas de mais de 100% em circunstâncias específicas.
Hoje, parte importante das exportações brasileiras para os Estados Unidos são bens industriais. Segundo o professor de economia do Ibmec-RJ José Ronaldo de Castro Júnior, apesar de requerer atenção, a posição diplomática do Brasil contará bastante. “Hoje não somos o maior alvo das medidas protecionistas de Trump. O foco são países como China, Japão e Alemanha”, disse. No efeito em cadeia, no entanto, a medida pode respingar no Brasil.
Atualmente os principais itens de exportação do Brasil para os Estados Unidos são implementos rodoviários, autopeças, dispositivos de saúde e aviões.
Janaína Castor, conselheira para América Latina da OCDE, entende que, ao forçar uma mudança na dinâmica global, Trump pode abrir espaço para destravar novos acordos comerciais. “Brasil e México, por exemplo, podem se beneficiar de novos acordos comerciais e de troca de tecnologia. América do Sul e Europa podem derrubar barreiras se houver restrições dos Estados Unidos aos produtos da zona do euro”, completou.
Preços
No efeito dominó, uma política nacionalista de Trump tem potencial de desacelerar a economia mundial, em especial a chinesa, o maior parceiro comercial do Brasil. “Uma redução na corrente do comércio global como um todo pode enfraquecer a demanda por commodities, e derrubar ainda mais os preços”, disse o economista-sênior para América Latina da consultoria Oxford Economics, Tim Hunter.
Segundo ele, ainda assim, o acirramento de uma guerra comercial entre as duas maiores nações do planeta poderia levar à diminuição das compras chinesas de soja dos Estados Unidos (atrás apenas do Brasil em volume de exportação do produto), o que abriria oportunidades para o aumento de vendas brasileiras. “Logicamente, o maior volume das exportações poderia não ser suficiente para compensar uma brusca queda de preços da commodity”, disse. Entre os insumos que podem ter seus preços reduzidos, ele cita carvão, cobre, alumínio, ferro e a própria soja, a depender do andamento das relações.
Logo após a confirmação da vitória de Trump, o comportamento dos preços globais já deu seus primeiros sinais:
• Os metais preciosos, commodities agrícolas e metais pesados apresentaram queda entre 0,8% e 2,3%, em compasso de espera sobre as expectativas com a economia global.
• Os preços de referência do gás na Europa também caíram quase 3% em meio a preocupações com o fornecimento de gás e com a posição de Trump em relação ao conflito no Oriente Médio e à guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
• Também nos mercados, mas desta vez no financeiro, houve uma baixa generalizada nas ações de empresas que trabalham com energia limpa.
• O movimento de baixa se deu devido às sinalizações de Trump em eliminar os projetos de energia eólica offshore por meio de uma ordem executiva em seu primeiro dia no cargo.
Dever de casa
Com o jogo mundial parcialmente exposto, o Brasil agora precisa estar pronto para entrar no xadrez como gente grande. E o primeiro passo para obter esse reconhecimento dos outros jogadores é apresentando uma estrutura fiscal sólida e saudável — ainda mais quando o dinheiro que queremos atrair irá competir diretamente com os americanos. Para passar essa segurança é preciso provar que há comprometimento com as contas públicas, ainda mais quando Trump indica que aumentará o rombo fiscal americano.
Para Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil no UBS Global Wealth Management, o cenário de incerteza dentro do Brasil não contribui para a virada de chave comercial que o Brasil precisa almejar. “Para o Brasil, juros americanos mais elevados, dólar mais forte e maiores riscos geopolíticos não vêm em um bom momento”, disse.
De acordo com ela, o País atravessa hoje uma crise de credibilidade do Arcabouço Fiscal, “cujas consequências já têm sido juros domésticos mais altos e desancoragem das expectativas de inflação”. Segundo ela, isso torna ainda mais urgente a necessidade de endereçarmos o desequilíbrio fiscal. Em fase final de elaboração, o plano de corte de gastos do governo pode ser apresentado a qualquer momento. E voltando para a vida em constante mudança que defendia Heráclito, se podemos afirmar que o “mesmo” Trump entrou pela segunda vez no “mesmo” rio nos EUA, cabe dizer também que Lula está fazendo sua terceira incursão nas águas do Brasil.